Foto: Alan Soares /Arte: Vilson Vicente |
Enquanto a adrenalina toma conta da equipe envolvida na gravação de hoje, que marca a trajetória dos 18 anos do Trio Manari, o nosso papo será com Nazaco Gomes, fechando a série de entrevista sobre o grupo neste momento de celebração. Ele é o mais velho, recebendo reverências de Márcio Jardim e Kleber Paturi. Atuando em grupos folclóricos de Belém desde os 09 anos de idade, Nazaco começou seus estudos de percussão popular com o professor Arythanan Figueredeo, e posteriormente passou entrou para o curso livre de percussão do Conservatório Carlos Gomes com o professor Vanildo Monteiro.
Pesquisador de ritmos brasileiros, o músico atrela sua musicalidade ao estudo dos ritmos e tradições da história do Brasil, Nazaco dá ênfase nos tambores e ritmos Amazônicos, Latino-Americanos e Africanos e elabora arranjos percussivos para grupos populares. É especialista em sonoplastia de diversos sons da floresta, além de ter a expertise de confeccionar instrumentos de materiais recicláveis e atuar como arte-educador.
Com o Trio Manari viajou pelo mundo levando a percussão amazônica para diversos palcos e workshops ministrados na Universidade de Caiena, no PASIC (Percussive Arts Society Convencion) na Universidade de Columbia. Ele também já dividiu o palco com artistas como Giovani Hidalgo, Naná Vasconcelos, Sebastião Tapajós, Fafá de Belém, Nilson Chaves, Celso Viáfora, Iva Rothe, Marco André, Patricia Bastos, dentre vários outros.
Nazaco Gomes: Tudo que a gente já fez juntos, as ideias, as técnicas e outras coisas bacanas acumuladas nesses anos de carreira. Nas composições do DVD minha parte é mais dos graves, mais da levada. As quebradas ficam mais para o Márcio (Jardim) e o Paturi (Kleber Benigno). É muita figura junto e o grave embola se ele estiver quebrando junto, então a gente decidiu fazer só a levada mesmo para não embolar. Não é uma coisa que em um ensaio a gente possa tocar, é uma coisa complicada pra tocar. Faremos quatro peças só nós três no palco, só a percussão.
Holofote Virtual: Será uma celebração dessa trajetória de vocês...
Nazaco Gomes: É. Para esse DVD, a gente vem com o espírito de mostrar tudo o que a gente já passou, e que demonstra que somos daqui. Vem uma Floresta inteira junto com a gente. Vai ter tudo isso no DVD.
Holofote Virtual: Vocês construíram já um legado.
Nazaco Gomes: É, mas não que a gente tenha feito mais que os outros. Fizemos, digamos, coisas significativas, mas não só para nossa carreira, é algo de contribuição para a percussão do nosso estado, para a percussão Amazônica e para a percussão brasileira.
Holofote Virtual: Vocês colocaram a percussão Amazônica em outro patamar, é inegável. Nesses quase 20 anos de carreira, vocês passaram por vários lugares, sendo muito importante, a apresentação no PASIC (Percussive Arts Society Internacional Convention). Fala um pouco como foi experiência.
Nazaco Gomes: Isso foi na segunda vez que fomos aos EUA. A primeira vez foi em 2004 e a segunda em 2017, para o PASIC. E isso foi muito importante. Íamos tocar lá com um grande nome da música percussiva mundial, o Naná Vasconcelos, só que ele teve um edema pulmonar e não pode ir. Então quem assumiu o posto na época, foi o Giovanni Hidalgo, que tocou um show quase inteiro com a gente, nos fazendo os maiores elogios.
Não entendíamos quase nada, porque ele falou em inglês, mas aquele momento foi muito bom, pois fomos ouvidos por outros grandes percussionistas do mundo todo, doutores, pós-doutores, mestrando e alunos de percussão. Não tocamos para leigo naquele dia. Havia mais de 3.000 pessoas da nossa área da percussão, e fomos aplaudidos de pé, então foi muito importante.
Amigos nossos diziam que nos EUA, músico erudito não aplaudia de pé músico popular, mas só que a gente, eles aplaudiram. E aplaudiram de pé. Então conseguimos nosso objetivo de levar os ritmos daqui, o nosso som para ser aplaudido de pé no maior encontro de música percussiva do mundo.
Holofote Virtual: Para esse show, dentro da formação do Manari, tem uma concepção orquestral na montagem. Tu comandas a maioria dos tambores graves, o Márcio os médios graves e o Paturi os mais agudos. Dentro dessa concepção o que tem de peculiaridades novas nesses tambores, nessa concepção que vocês vão trazer para este DVD? Quais são as peculiaridade de cada set?
Nazaco Gomes: No meu caso, eu estava querendo diminuir as estantes, então eu fiz uma trave e coloquei, como em percussão erudita que às vezes a gente coloca na trave. Então eu coloquei vários instrumentos pendurados, que ficam bem ao meu alcance, porque eu vou tocar sentado, o curimbó é menor, já os instrumentos mais médios e agudos ficam na trave.
No caso do Márcio (Jardim), tudo ficou mais centrado, como ele sempre faz com a gente, no apoio do bumbo, que não é de música comercial. É um bumbo mais seco, por causa do ajuste com os graves, e a parte mais metálica, com pratos cowbell. Tem caixa, tons e tambores que ele vai tocar com a mão também, além de um trio de congas, que é mais grave. A large, ele substitui por um “barricão”, que ele mandou construir, e isso então é uma novidade no set. O som do “barricão” vai ser usado no set dele.
Tem novidades também no set do Paturi, que vai usar umas latas que ele tem e que são muito interessantes para fazer melodias. Tem música que vai ser tocada só com nós três no palco, e vai ter essa melodia das latas com algumas coisas eletrônicas pelo fundo, não usando coisas graves. Enfim são coisas muito pequenas e poucas só pra ir orientando o tempo da música, porque tem música que tem muita mudança de compasso.
Holofote Virtual: Nesse DVD vai ter um repertório autoral de 07 músicas inéditas, fala um pouco desse repertório.
Nazaco Gomes: É, fizemos 07 novas músicas, especialmente pra gravação do DVD, mas vamos fazer também a música Dançando no rio, que não é inédita, mas ganhará uma nova roupagem, com a melodia e os baixos na Marimba. Nas demais composições, vão tocar os filhos do Márcio, William e Wesley Jardim, na guitarra e baixo respectivamente. Eles vão fazer os temas instrumentais. Já tocam com a gente desde criança.
Nazaco Gomes: É. Essa música abriu muitas fronteiras, senão me engano em 2004 a gente tocou praticamente um ano numa rádio chamada rádio Gabriele, que é hispânica e pega a América do Sul inteira, a América Latina toda.
Tocamos durante um ano nesta rádio. Fomos para um festival em Caiena, que era um festival grande, então a gente conseguiu vender 98 CDs a 20 euros no festival depois da apresentação. Foi muito importante a gente tocar numa rádio fora do Brasil, e ter toda essa repercussão, graças a isso, hoje nós somos muito conhecidos na América Latina.
Tocamos durante um ano nesta rádio. Fomos para um festival em Caiena, que era um festival grande, então a gente conseguiu vender 98 CDs a 20 euros no festival depois da apresentação. Foi muito importante a gente tocar numa rádio fora do Brasil, e ter toda essa repercussão, graças a isso, hoje nós somos muito conhecidos na América Latina.
Holofote Virtual: Depois da gravação do DVD, qual vai ser o planejamento para mostrar essa produção?
Nazaco Gomes: Temos muitos amigos em tudo quanto é lugar. Na Suíça, na Alemanha, Inglaterra, EUA, por onde a gente passou. Vamos encaminhar esse material para eles para quem sabe ano que vem tenhamos perspectivas de viagem.
Holofote Virtual: O Trio Manari teve seu ápice nesse momento do PASIC, e depois deu uma, digamos assim, sumida ou o que houve, na sua opinião?
Nazaco Gomes: O que eu vejo é que não foi só a gente que deu esse tempo. No geral, e não é só um caso da percussão, o espaço para essa música que é mais “escondida”, não é uma música comercial, começa a ser invadido por muita música eletrônica. Nas rádios tem muita música sertaneja, e nesse momento todo, a cultura, eu acho que realmente, ela foi nivelada muito por baixo. Então quem faz uma música mais elaborada, mais de pesquisa, intelectual, não teve oportunidade, não se abriu essa oportunidade, não só aqui, mas no mundo inteiro.
Holofote Virtual: A história da percussão paraense tem gente importante antes de vocês, como Arythanã, que acaba de receber título de Mestre da Cultura, o Zé Macêdo, Dadadá e outros. Vejo que o Manari representa uma nova geração e também se coloca, pelo trabalho extremamente autoral e criativo, como um divisor de águas na percussão amazônica. Tu concordas com isso?
Nazaco Gomes: Eu acho que temos dois momentos em que a percussão na Amazônia tem uma mudança, a primeira quando chega por aqui o professor Luis Roberto Scioci Sampaio (Betão), que fundou o curso de percussão no Conservatório Carlos Gomes. A partir daí abrem-se as portas para uma percussão mais técnica. Depois nossa participação no grupo de percussão da Fundação é motivo de orgulho. O que fizemos e trouxemos como técnica de grupo de percussão surge após esses dois momentos.
Holofote Virtual: A geração anterior era mais intuitiva, não tinha muito acesso a esse estudo da técnica, devia ser mais complicado...
Nazaco Gomes: Com certeza, não tinha internet, a gente não tinha nada, era muito difícil, e como buscar isso? Escutando muito disco. Fomos privilegiados de ter escutado muita música latina, então a gente tem uma peculiaridade dessa escuta. Quando a gente toca samba, nosso agudo é no “E”, não é no tempo, então nosso samba já é diferente.
Holofote Virtual: É inegável que o Manari se tornou um divisor de águas na história da percussão paraense e também vem gerando percussionistas mergulhados nessa sonoridade amazônica...
Nazaco Gomes: É verdade, e agora já tá chegando uma nova geração, que é até de Manaus. Tem o Igor Saunier, que está lançando o livro Tambores da Amazônia, ele foi aluno nosso em oficinas lá em São Paulo. Hoje ele faz mestrado, que é em cima do livro que ele está construindo, então acho que é um legado que o Manari está deixando.
Nazaco Gomes: Eu estou desenvolvendo um projeto junto com o percussionista Carlos “Canhão”, que é um livro de ritmos amazônicos que estamos desenvolvendo, devemos concluir agora em 2019, e as aulas/oficinas que eu dou no Marajó, no Curro-Velho. Também acompanho alguns artistas, mas de projeto mesmo é esse do livro que a gente deve lançar em 2019 e o DVD do Manari é claro.
Holofote Virtual: Mas a meta depois da gravação do DVD, é ganhar o mundo?
Nazaco Gomes: É. Pode ser, porque a gente entrou agora num momento político muito ruim, a gente está às escuras. Não sabemos o que vai acontecer. A arte depende de muita coisa para ser desenvolvida. Para viajarmos, dependemos das passagens, é muito difícil o artista se bancar sozinho, ter respaldo para isso é muito difícil, mas vamos ver se o novo gestor do estado vai olhar pra classe artística, né.
Holofote Virtual: Alguma coisa para concluir sobre essa trajetória do Manari?
Nazaco Gomes: Nossa trajetória é bem bonita, e como em toda a arte a gente tem nossas histórias de perdas e ganhos. É como acontece em qualquer outra profissão. O Manari teve seus altos e baixos durante esses 18 anos, mas a gente conseguiu segurar a onda, porque a gente tem uma história juntos, e a gente não vai abandonar isso do nada.
Temos um laço afetivo muito forte, nós somos muito amigos, nossas famílias são amigas, então a gente tem essa força muito grande. E não é só para com o Manari, mas com todos os nossos amigos da percussão, principalmente os daqui da região.
Holofote Virtual: Tem mais alguma coisa que tu gostarias de acrescentar?
Nazaco Gomes: A única coisa que eu vou acrescentar é que estou ao lado de amigos, parceiros para ser feliz na hora de tocar.
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