6.6.21

Nanan Falcão e as histórias de um guarda-roupa

Nana Falcão - Fotos de Victoria Sampaio

“As Histórias que meu guarda roupa guarda” é resultado de anos de pesquisa de Nanan Falcão, e que reúne em cena seus três ofícios, o de atuar, costurar e escrever. A ideia surgiu durante o período em que ela se formava pela Escola de Teatro e Dança da UFPA. A estreia é na próxima terça-feira, 08, com reprise, no dia 17 de junho, sempre às 19h, ao vivo, pelo canal @guarda.histórias.e.roupas, no Instagram. O projeto é um dos selecionados pelo edital de teatro da Lei Aldir Blanc, Secult e Governo do Pará. Na entrevista, a atriz conta mais sobre esse processo e o que envolve toda essa história da origem das roupas.

Dedicada aos estudos do figurino há alguns anos, Nanan escreveu "As Histórias que meu guarda roupa guarda" inspirada em duas obras. O livro “A Psicologia Da Roupa”, de J.C. Fluguel, escrito em 1930, e “A História Mundial Da Roupa”, do SENAC. O primeiro faz um apanhado de vários estudos sobre a psicologia da indumentária e o desenvolvimento da produção da roupa, como algo que acompanha a humanidade inclusive como forma de comunicação, e isso, antes mesmo que o homem aprendesse a se comunicar verbalmente. O outro é uma espécie de enciclopédia de roupa de povos originários de todos os continentes. A obra faz uma reconstrução das origens primitivas até a atualidade. 

É a atriz que assina também a dramaturgia. Além do contexto histórico, o espetáculo também aborda os significados mais afetivos daquilo que é deixado de herança dentro de um Guarda Roupa. A direção é de Aníbal Pacha, um dos fundadores da In Bust Teatro com Bonecos, que inaugurou o Casarão do Boneco, hoje habitado por diversos artistas e companhias cênicas. Foi lá, em 2015, que ele e Nanan se conheceram. A iluminação e sonoplastia são de Thiago Ferradaes, os figurinos de Íla Falcão e Maurício Franco, que também deu consultoria artística, e arte de Victoria Sampaio, que também assina o registro junto com Raoni Figueiredo. 

O projeto que previa para a sua estreia, duas apresentações em escolas públicas, mas neste momento pandêmico precisou ser adaptado para o formato digital. A ideia ainda é que se possa mais a frente realizar não em apenas esta mas em outras escolas e espaços culturais. Por isso, aviso vocês, se agendem, não vai ficar gravado.

Na entrevista a seguir, Nanan fala de seu processo para criar a dramaturgia de “As histórias que meu guarda roupa guarda” e também sobre seus aspectos que vão além da diversão. Provocativo mas de caráter também educativo, o espetáculo traz elementos interessantes tanto para quem aprecia e estuda teatro ou que simplesmente pensa na roupa como a composição de sua própria identidade. Outra questão relevante do espetáculo é a poética a costura como atividade essencialmente feminina. 

COSTURA, POÉTICA E HISTÓRIA

Holofote Virtual: Conta. Como surgiu essa ideia maravilhosa de contar histórias a partir de um guarda roupa?

Nanan Falcão: A ideia surgiu durante o período em que eu estava na Escola de Teatro e Dança da UFPA e o projeto vem sendo construído já tem um tempinho. O primeiro episódio, contou a “A história da calça”. Escrevi em primeira pessoa e mostrei para o Aníbal. Ele adorou, fez várias provocações e aí saiu a nova montagem, com apoio da Aldir Blanc.  Eu escrevo e mostro pra ele, que vai me apontando o caminho, até que chegamos a essa estética que o espetáculo. A partir daí, o Anibal se tornou um diretor que acompanha todo o meu processo, desde a escrita até a parte mais visual.

“As Histórias que meu guarda roupa guarda” tenta unir esses meus três movimentos: que é o de atuar, costurar e escrever. Eu contraceno com agulhas, jaquetas, vestidos e até acessórios, além de outros objetos. E tem o guarda roupa, que traz tudo isso, na minha dramaturgia, como herança. É quando o espetáculo envolve afeto e memórias afetivas. É uma coisa que a gente não percebe, mas sempre que alguém da família se vai, faz a passagem, fica um guarda roupa cheio de objetos de roupas que a família tem que pensar quem é que vai guardar, quem é que quer aquele objeto que fica, quem vai guardar com amor, pra quem é que faz mais sentidos dar as coisas. 

Holofote Virtual: Vamos falar do Anibal Pacha. Como vocês se conheceram e acabaram montando esse trabalho juntos? 

Nanan Falcão: Anibal é mestre, divo, muso (risos) da vida né? Eu tive vários encontros com ele na vida, sempre o admirei. Minha mãe é uma mulher de teatro que já teve encontros profissionais com Anibal também, então já o conhecia, assim como todos os meninos da In Bust. Sempre fui fã por causa do Catalendas. Eu era uma criança que acompanhava o programa e sempre o vi como um artista maravilhoso que dava a vida a toda essa encantaria, esse encanto dos bonecos. 

Depois ele virou meu mestre (risos) e fui sua aprendiz na Escola de Teatro e Dança da UFPA. Cursei Figurino Cênico, entre 2017 e 2019, quando concluí. Anibal foi meu professor em quatro ou cinco disciplinas; e ainda escolhi uma optativa pra fazer teatro de formas animadas, que era um curso que não tinha minha grade, mas eu achava importantíssimo ouvir o Anibal nesse lugar de professor e de mestre. 

Nosso primeiro encontro profissional, foi quando ele dirigiu a visualidade de “Trunfo”, do grupo Vertigem, misturando as linguagens de teatro e do circo. Eu estava como figurinista junto com ele, que também fez a direção visual, isso foi em 2016.

Holofote Virtual: Quando a gente fala de roupa não tem como não lembrar que por trás dos nossos modelitos, existe uma indústria. Como é que você lida com essas questões na tua profissão de costureira, figurinista e bordadeira?

Nanan Falcão: Eu tenho muitas crises com a indústria têxtil, muitas críticas. Como toda indústria, a têxtil também tem esse formato capitalista global, exploratório, violento. Tem tudo isso de ruim, mas também essa indústria tem uma importância imensa. O processo de industrialização passa pela história da costura também, um trabalho reconhecido como feminino, feito também no dia a dia, também nas casas de família, como se via muito acontecer antigamente. 

E com a industrialização, essas mulheres saíram das residências e começaram também a ir para as fábricas. Os tempos eram de guerra, os homens começaram a morrer em campos de batalha e a mulher precisou assumir outros papéis sociais para alimentar os filhos, manter a família. É quando tem início os primeiros processos que eclodiram no movimento feminista nos anos 1960. Ou seja, falar de costura é também falar de emancipação feminina. Hoje, a costura também é uma forma de várias mulheres empreenderem.  

Isso me incomoda e acho importante falar sobre o uso dos materiais e de como a moda se apropria deles. Essa indústria da moda, muitas vezes, a maioria delas, não tem responsabilidade ambiental, quando continua utilizando produtos nocivos e sem cuidados necessários para proteger os trabalhadores desse setor.  O tecido gera muito pó, sem limpeza. As mulheres trabalham, assim como séculos atrás, com períodos de trabalho de 12 horas de trabalho direto. 

As grandes marcas, que se encontram nos Estados Unidos e na Europa seguem se utilizando da mão de obra do terceiro mundo, onde os trabalhadores não têm nenhum tipo de proteção de cuidado, de nada, com seu bem estar. E tudo isso por uma questão estética, por que é a moda, que é a parte mais mercadológica da indústria, a coisa que vende, que mexe com psicológico, com autoestima, com outros processos também. 

Holofote Virtual: A moda é um capítulo a parte.... Então resume aqui também tua relação com isso e o que pensas do assunto.

Nanan Falcão: Eu, artista, não dialogo, não trabalho com a moda. Eu estudo, mas eu não tomo pra mim, eu não admiro. É um objeto de estudo, mas não está no meu cotidiano, não me encanta assim, a tendência, o mercado, essa construção fashionista. A moda se volta contra nós, mulheres, porque é um processo que escraviza, que torna a gente dependente, porque a moda é uma coisa muito ligada a estética, as aparências, esses valores que ainda oprimem muito a mulher, esse lugar do feminino na sociedade.

Holofote Virtual: Pra gente fechar, me fala sobre esse caráter mais educativo do espetáculo. 

Nanan Falcão: Eu nunca tive essa pretensão, pra mim é muito mais um espetáculo curioso, divertido e provocativo, do que educativo. O Aníbal fala que o caráter educativo desse espetáculo vem do figurino. É interessante para quem aprecia e estuda esses elementos no teatro, como a classe artística, mas para todo mundo que pensa na roupa para compor sua própria identidade. A gente quer também valorizar esse oficio da costura, que não é valorizado em sua poética e importância. Talvez seja esse o lugar do educativo neste projeto, ensinar a valorizar a costura, o ofício, esse trabalho feminino.

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