31.1.22

Produção e movimento cultural em Barcarena-Pa

Odaleia Magno Poça e a
produção culturçal em Barcarena.
Barcarena, como muitos sabem, é terra do saudoso Mestre Vieira, criador da guitarrada, gênero musical que é patrimônio cultural do Estado. É também o berço e a morada de tantos outros músicos, poetas, artesãos e produtores culturais que buscam reconhecimento, espaços e oportunidades para mostrar seus trabalhos. Em 2020, conheci alguns deles no workshop de Elaboração de Projetos Culturais, que ministrei na biblioteca Firmo Cardoso a convite da prefeitura, antes do primeiro lockdown da pandemia. Na matéria a seguir, Odaleia Magno Poça, que coordenou a ação junto a secretaria de cultura, e Jucca, músico da banda Os Renascentistas, falam sobre o movimento cultural da cidade e do festival de música independente, que eles realizaram no final do ano passado, na Vila dos Cabanos.

Leis de incentivo, fundo de cultura, editais de fomento. Foi conhecendo melhor os meandros da área cultural e suas ferramentas que Odaleia sentiu-se mais à vontade para abraçar esse caminho. Naquele mesmo ano, ela produziu e lançou o single de uma banda. E em 2021, em parceria com o músico Jucca, da banda "Os Renascentistas", realizou a primeira edição do Festival de Música Independente de Barcarena, o FMI. 

“Por ocasião do trabalho realizado na SECULT (de Barcarena), tive uma dimensão mais aproximada do quão deficiente é a estrutura artística no município, entendendo que a falta de organização básica dos artistas em seus segmentos, também os torna cada vez mais vulneráveis, diante das oportunidades de desenvolvimento de seus talentos. E isso me levou a iniciar um trabalho para produzir e promover oportunidades aos artistas locais”, diz Odaleia, que fundou em 2021, a ORGANIZE - Assessoria e Produção Cultural. 

Odaleia é filha e irmã de músicos, cresceu nesse meio artístico. Artesã desde os doze anos, há sete vem participando efetivamente de feiras e exposições. Está sempre envolvida em eventos culturais como espectadora, amante das artes ou simplesmente apoiadora. Participou das primeiras produções teatrais do Grupo Chama, de Barcarena, e da “Paixão de Cristo, paixão do povo”, encenação famosa que era realizada no município no período da Semana Santa. Entre 2007 e 2010, assessorou a coordenação social do Cabana Clube, na organização e produção de eventos e em shows de artistas nacionais como Calcinha Preta, Jorge Aragão, Dudu Nobre, Banda Kalypso e outros regionais. 

“Enquanto servidora pública municipal, em janeiro de 2020, fui incorporada ao quadro da Secult de Barcarena, no setor de artes, onde passei a desenvolver atividades diretas com os segmentos culturais do município, inclusive coordenando o workshop que você ministrou, em fevereiro de 2020 e, em março tive a oportunidade de coordenar a equipe de apoio ao Comitê Cultural de Barcarena, criado para dar suporte a Lei Aldir Blanc no município, através do cadastramento e levantamento dos fazedores de cultura que seriam alcançados pelo auxílio emergencial. Em dezembro, fui desligada da função e resolvi apostar na produção de artistas locais”, conta Odaleia.

Ainda naquele mês, ela conheceu o trabalho da banda ‘Os Renascentistas’, reconhecendo um potencial artístico promissor. “Percebi que havia uma oportunidade de desenvolver a produção cultural a partir da parceria que fizemos. Como primeiro feito, conseguimos incluir a banda na programação de carnaval promovida pela Prefeitura/Secult, quando fizeram a abertura de uma live”, conclui. Em 2021, o Festival de Musica Independente veio fortalecer nela a vontade de levar adiante outros projetos em 2022.

Um festival de bandas independentes em Barcarena 

A ideia de realizar o primeiro FMI – Festival de Música Independente de Barcarena foi de Jucca, um dos músicos da banda Os Renascentistas que esteve no palco da primeira edição que reuniu no palco Central do Cabana Clube, na Vila dos Cabanos, ainda, as bandas “Chorume”, Catwave”,  “Primária” e “Modallez”, todas apresentando repertório autoral, além do artista Lil Carlos (Trap) e o DJ Ulttron, também de origem barcarenense. 

“O Festival de Música Independente tem a pretensão de ser uma janela cultural para novos talentos e incentivo para que outros jovens artistas surjam nesse contexto e mostrem sua arte”, explica a produtora que contou com a parceria de Jucca, músico da banda Renascentista. Juntos ‘arregaçaram as mangas’ e conseguiram também a parceria do Cabana Clube, na pessoa de seu diretor e presidente, Odir Gomes, além de apoios vindos do comércio, empresariado local e amigos. Eles pretendem realizar a segunda edição este ano, mas percebem que os artistas de Barcarena precisam se unir mais para buscar benefícios em comum e para seus trabalhos individuais também.

“A ideia me surgiu a partir de uma mistura de emoções, tanto desprezo pela ‘desunião’ da classe artística da minha cidade, quanto a vontade de fomentar a cultura independente e autoral local. Eu nunca tive vontade de crescer sozinho, sempre gostei de unir, de compartilhar, de dividir, então depois de um tempo de estudo e pesquisa de cenários artísticos independentes, tive a ideia de organizar uma espécie de festival de música aos moldes do que eram os festivais de música popular brasileira dos anos 1960, com vários artistas muito diferentes entre si”, explica Jucca.

Jucca diz que os estilos musicais em Barcarena são variados. “Dificilmente você vai ouvir duas bandas soando parecidas no festival; todas tem uma proposta e um discurso muito diferente de rock, reaggae, bossa nova, guitarrada, blues, samba. A diversidade musical é um dos pontos mais fortes desse festival. O que existe em comum é a força jovem, a vontade de fazer e acontecer, acho que a juventude é uma coisa que nos uniu bastante”, complementa.

Para Jucca, tem um movimento cultural começando no município, mas que ainda precisa ser fortalecido com mais união entre os artistas. “Apesar da maioria das bandas existirem há tempos, esse diálogo entre elas e esse apoio mútuo, só começou agora, recentemente; eu acredito que existem centenas de artistas autorais ‘de quarto’ como todo mundo já foi um dia, esperando, amadurecendo, criando pra um dia mostrar seu trabalho para o mundo, ou pelo menos pra nossa cidade. Óbvio que eu adoraria um reconhecimento nacional também, quem não gosta de um pouco de tapinha nas costas”, finaliza.

Editais e fomento à cultura x políticas públicas

Odaleia Magno Poça, à minha direita no workshop 
realizado em Barcarena em fevereiro de 2020.

Em Barcarena, assim como nos demais municípios paraenses, não há Sistema Municipal de Cultura, e por consequência também não existe lei de incentivo ou fundo de cultura, mecanismos básicos e importantes para o desenvolvimento de políticas públicas de cultura. Em Belém, a capital, o sistema foi criado, mas desde 2018 que o edital da lei de incentivo Tó Teixeira deixou de ser publicado, uma herança da gestão de Zenaldo Coutinho. Há expectativas de que nesta nova administração de Edmilson Rodrigues na prefeitura, isso seja retomado. 

Por enquanto e de modo geral, no Pará, as perspectivas giram em torno dos editais, como o da lei Semear, cuja submissão de projetos segue aberta em plataforma digital. O mecanismo pode ser acessado por artistas de todo o estado, mas lembrando que os recursos não são diretos, trata-se de um edital de renuncia fiscal. Caso o projeto seja enquadrado na lei, o governo do Pará garante que 95% do valor do seu projeto venha da renuncia fiscal de ICMS. Os demais 5% precisam ser uma contrapartida da empresa patrocinadora.

Deu para entender? Façamos uma simples conta. Um projeto custa, por exemplo, R$100 mil. Desses, R$ 95 mil é o montante que um empresário pagaria aos cofres do estado sejam direcionados ao projeto cultural que tenha a carta da lei Semear. E para estar apto a ser um patrocinador, o empresário/empresa precisa estar em dia com a Sefa - Secretaria da Fazenda do Estado e dar em contrapartida os demais R$ 5 mil. 

O governador Helder Barbalho aumentou a renuncia fiscal da Semear de 10 para 15 milhões de reais, o que pode, de fato, beneficiar muitos projetos em todo o estado, mas isso vai depender, não só que os projetos sejam inscritos, mas também dos empresários. Todos os anos a esperança é mais empresas se tornem patrocinadoras. Para incentivá-las a Secult criou o Selo Cultura Pará que este ano foi entregue às empresas que patrocinaram projetos entre 2020 e 2021, pela Semear. 

Não sei quais as empresas que receberam o selo, mas sei que a Oi,  por meio do programa Oi Futuro, possui editais que trabalham com leis de incentivo estaduais no país inteiro e vem incentivando alguns projetos do Pará. O mesmo faz a Natura, por meio do Natura Musical. E a Equatorial Energia (PA) também patrocinou projetos na área da música. 

Tudo ainda é muito pouco diante da riqueza cultural desse estado. Leis de incentivo existem para serem acessadas e torço que mais empresas se interessem em participar dessa cadeia produtiva e industria criativa. Cultura gera renda, movimenta economicamente uma cidade, atrai um turismo menos predador. Já o Fundo de Cultura, pode garantir recursos de forma direta a projetos que talvez nunca sejam uma opção de patrocínio para as empresas. Para o fundo existir, no entanto, é necessário que seja implementado o Sistema Estadual de Cultural. 

A lei Aldir Blanc apoiou diretamente no Pará, cerca de 3 mil projetos, mas muitos talvez não tivessem chance de sair do papel se dependesse de uma carta da Semear. Esperemos, inclusive, que haja segunda edição da Aldir Blanc em 2022 e que a lei Paulo Gustavo seja colocada em prática logo. Em entrevista à imprensa a secretária de cultura do estado Ursula Vidal disse que o estado e os municípios têm previsto o recebimento de R$ 164 milhões só da lei Paulo Gustavo. E que além disso também serão lançados os editais Preamar de Cultura e Arte. Estamos só começando o ano, mas não esqueçamos que há pressa, pois a situação emergencial da cultura não acabou.

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