18.7.24

Formidável Teatro de Pássaros ou Ópera Cabocla

Ararajuba: cênico e brincante, ambiental e inclusivo
Por trás de uma história de amor, um drama carregado na traição, inveja e crueldade e tudo isso envolvendo indígenas, personagens da realeza e matutos.  

O Teatro de Pássaro traz melodramas,  caçadores que perseguem pássaros para serem entregues como presente para uma princesa que vive entre um palácio e uma floresta. Os figurinos são bem feitos e caprichados. 

O passarinho que dá nome ao grupo, sempre formoso, é interpretado por uma criança, ou mais de uma. A personagem, porém, não tem fala, mas às vezes cantam. Invariavelmente, porém, transitam entre as cenas, tornando esses momentos mágicos durante o espetáculo. Adoro quando passam à frente da minha câmera deixando rastros de vôos rasantes. 

E pensar que tudo isso surge durante a Belle Époque, quando pessoas das camadas mais populares tiveram contato, mesmo que indireto, com as companhias e espetáculos de ópera apresentados no Theatro da Paz. Poucos tinham acesso à sala de espetáculos, mas podiam ouvir as apresentações do lado de fora e, posteriormente, muito provavelmente também escutavam os nobres para quem trabalhavam comentando sobre os dramas e as árias performadas.

Surge assim o que também chamamos aqui de Ópera Cabocla. Fascinante, indo da simplicidade a grandeza artística. Testemunho da criatividade e resiliência. O Teatro de Pássaro é uma forma de expressão própria e rica em significados, inserindo as influências europeias, mas incorporando elementos locais, criando uma identidade cultural que é um orgulho nosso!  

Memórias recentes tecidas em tradição secular 

Os matutos: núcleo de personagens 
E como toda quinta-feira é dia de voltar ao passado, escolhi um #tbt bem recente, do mês de junho, com os Pássaros Juninos.

Vi o Ararajuba, grupo criado em 2002 pela saudosa Iraci Oliveira, irmã de Iracema Oliveira, Guardiã do Pássaro Tucano e que, por sinal, este ano recebe as homenagens na Feira Pan Amazônica do Livro e das Multi Linguagens. Pois bem, é tradição também que os Pássaros sejam cuidados por núcleos familiares e assim, após o falecimento de Iraci, em 2017, o Ararajuba passou para a guarda da sobrinha delas, a Rosa Oliveira.

“Ela já tinha esse pássaro lá em Mosqueiro, e pela falta de brincantes lá no Pássaro, ela me pediu ajuda, aqui em Belém, para mobilizar outros brincantes, porque a gente também já vem de uma tradição folclórica com outros grupos, outras instituições, como o Iaçá, que eu sou coordenadora. E aí eu comecei a ajudá-la nesse sentido. Quando ela veio a falecer em 2017, a familia veio e disse ‘olha, Rosa, não tem jeito, vais ter que assumir o Ararajuba'”, e assim foi!

Ferramenta para a educação ambiental 

Déia Palheta e músicos do grupo Ararajuba
No espetáculo "O Tupinambá", a banda toca ao vivo e, desde 2010, tem Déia Palheta, como autora da trilha sonora. Após a apresentação ela me contou que vive a tradição como compositora das trilhas, desde 2005. 

“Comecei com o Pássaro Pavão, que hoje está nas mãos do guardião Carlos Oliveira. Aí depois eu vim pro Ararajuba, já por volta de 2010. De lá pra cá fui me envolvendo cada vez mais, até que a Rosinha passou a ser a guardiã”, conta.

Déia se refere e defende o Pássaro Junino como uma ferramenta de educação. “É importante que exista uma política pública para o Pássaro Junino que, na minha opinião, além de ser uma tradição cultural, é também uma das primeiras escolas de Educação Ambiental do Brasil. Se você for ver, desde o início do século XX, que essa tradição vem trazendo em suas manifestações o olhar sobre o meio ambiente. Na minha concepção, o Pássaro Junino é um programa de educação ambiental”, acredita.

Escola de brincantes com anos de tradição

Tem Tem: Inês Ribeiro e Olinda Charone 
Outra característica do Teatro de Pássaro é a encenação com não atores, embora de uns tempos pra cá, vários profissionais, como pesquisadores, professores e alunos da Escola de Teatro e Dança da UFPa, venham se envolvendo com a encenação, seja por meio de seus estudos e pesquisas, ou como brincantes apaixonados pelo gênero.

É o caso do Tem Tem, Pássaro Junino que também se apresentou no mesmo dia, no finalzinho de junho, na Sala Vicente Salles, no Memorial dos Povos, fechando a programação junina realizada pela Prefeitura de Belém. Não tenho aqui toda a ficha técnica mas posso citar as professoras, atrizes e diretoras Inês Ribeiro e a Olinda Charone, que pesquisa o Pássaro Junino, enxergando-o também como uma escola formadora de brincantes. 

“O povo do teatro trouxe novidades e nova roupagem aos dramas, e foram muito bem aceitos pela nossa comunidade do Guamá”, diz  Mariusa Amaral, guardiã do Tem Tem, emocionada, lembrando sua mãe, Dona Raimunda Amaral, falecida recentemente. “Ela esteve por 25 anos à frente do Pássaro”, comenta a filha que recebeu dela a missão de manter viva uma tradição que está na família há 94 anos.

Revoadas de Pássaros

Suindara, a nossa Rasga Mortalha
Todos os anos com muita resistência, os Pássaros Juninos vem se mantendo e difundindo esta arte. O Suindara, conheci ano passado, também dentro da programação do arraial junino municipal, e me impressionou muito a dramaturgia, a trama bem amarrada. Este ano não foi diferente. 

O tema trazido pelo grupo foi "Tragédia no Seringal", ambientada na Amazônia da Belle Époque. E por aí vai! O Teatro de Pássaro segue essencial, educando e encantando novas gerações. É preciso, porém, um olhar mais cuidadoso, política pública e espaços de apresentação.

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