4.11.15

A história do deputado João Batista no cinema

Quem viveu o final da década de 1980 sabe muito bem onde e o que estava fazendo ao ser deflagrada a notícia do assassinato do deputado João Batista. O caso, chocante e covarde, tirava de combate um dos deputados que mais lutava pelos direitos do trabalhador no campo. Ele não foi o único, muitos assassinatos vieram antes e depois. Essas histórias, que ficaram em nossas memórias e nas páginas dos jornais e noticiários de TV, serão contadas também no cinema, no filme longa-metragem documentário, "João Batista, o Combatente do Povo". A seguir você confere uma entrevista exclusiva com Pedro Cesar Batista, irmão do deputado e autor do livro “João Batista, mártir da luta pela reforma agrária (Expressão Popular - 2009)”, no qual o filme será baseado.

“Na tarde do dia 6 de dezembro de 1988, o deputado estadual constituinte João Carlos Batista foi à tribuna da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) e anunciou sua morte. Ele já havia sofrido três tentativas de homicídio e, constantemente ameaçado, desabafou denunciando que sua vida estava em perigo e que necessitava de proteção.

Três horas depois, às sete da noite, enquanto entrava na garagem de seu prédio no centro de Belém, Batista foi surpreendido por um pistoleiro que lhe deu um tiro à queima roupa na cabeça. Advogado de posseiros e defensor da luta pela reforma agrária, o deputado estadual de 36 anos foi morto na companhia da esposa e de três dos seus cinco filhos” (Diario do Pará, em 2012). O caso, até hoje continua impune.

O livro no qual o documentário se ancora, trata da vida do deputado João Carlos Batista, mas o filme analisará ainda as causas da concentração fundiária e da impunidade de mandantes e assassinos de crimes contra os trabalhadores rurais e seus defensores no Brasil. Batista foi o único parlamentar assassinado no Brasil, em pleno exercício do mandato, após o fim da ditadura.

Tempo e orçamento: desafios para realização do filme

Com um orçamento previsto de R$ 3.100.000, o projeto, devidamente aprovado pela Ancine e Ministério da Cultura, captará os recursos pela Lei Rouanet. Desse montante poderão ser captados até R$ 1.000.000,00, recursos que serão abatidos do pagamento de imposto de renda de pessoas físicas ou jurídicas.

“Para tanto, solicitamos apoios diversos que possam contribuir com a produção do filme João Batista, o combatente do povo. Toda a ajuda será importante e determinante para assegurar a execução do projeto. Dizia José Marti que ‘o povo que não tem passado não tem futuro’, por isso, possibilitar que os mais jovens conheçam a história da luta pela democracia e justiça social no Brasil é fundamental para construir um futuro mais venturoso e justo”, ressalta Pedro César.

O projeto prevê filmagens no Pará, São Paulo, Brasília, Rio Grande do Sul e Bahia, reunindo aproximadamente 100 personagens da história recente do país, os quais conviveram ou não com o personagem, mas o trabalho, na verdade, já começou. 

Na semana que marcou o 25º ano do assassinato de João Batista a TRUPE DO FILME e o autor do livro e irmão de João Batista, Pedro César Batista, acompanhados da equipe de produção estiveram em diversas cidades paraenses, iniciando as gravações de entrevistas, durante a realização de atos públicos que marcaram essa data.

“Também está prevista gravação fora do Brasil. Já iniciamos as entrevistas, mas infelizmente perdemos algumas das pessoas relacionadas”, explica Pedro César Batista que conversou com o blog e deu detalhes sobre a produção do filme, que também trará trechos encenados e a reprodução de documentos, reconstruindo o período histórico da militância do advogado e deputado assassinado.

A produção será da TRUPE DO FILME, ex CIA DO FILME, sediada em Brasília e que há mais vinte anos trabalha com produção de filmes, vídeos institucionais e publicitários, programas para TV, filmes de curta e longa-metragem, campanhas políticas, além da locação de equipamentos profissionais de gravação, edição e finalização.

Para a captação dos recursos necessários para a produção do filme a TRUPE DO FILME busca contatos e parcerias, públicas e privadas, dispostas a contribuir para resgatar a luta pela terra, contra a ditadura e a história de militantes da luta popular entre 1960 e 2009, ano que o livro de Pedro Batista foi lançado.

Elenco, trilha, entrevistas. É longa a jornada!

O escritor e jornalista Pedro César Batista diz que o trabalho deve ser concluído em três anos. “Será um trabalho que vai exigir muita dedicação e tempo integral”, diz Pedro Cesar. A trilha também está sendo estudada, “mas Geraldo Vandré estará presente”, avisa o escritor. O elenco para os trechos encenados estão sendo contatados, mas alguns nomes já são revelados na entrevista que segue.

Pedro César Batista
Holofote Virtual: O que significa realizar este documentário e o que ele traz de luz sobre o caso João Batista? Vais mexer em feridas abertas?

Pedro César Batista: O caso João Batista faz parte de uma das grandes feridas do povo brasileiro, por isso considero de grande importância para a formação de uma consciência minimamente crítica por parte da sociedade brasileira, principalmente a paraense, a realização desse documentário. 

Nasci e vivi na roça até os 10 anos de idade, tendo acompanhado a violência sistemática praticada pelos latifundiários, com a conivência do governo, contra os camponeses. Fomos criados vendo isso diariamente. João Batista era filho de camponeses pobres, conseguiu estudar depois de adulto e ao se formar em direito exerceu plenamente a advocacia em defesa dos mais pobres, especialmente do campo, terminando por ser eleito deputado estadual, mandato que exerceu por apenas 17 meses, quando foi assassinado, em 6 de dezembro de 1988. 

Após todos esses anos os mandantes do seu assassinato, e de tantos outros que também tombaram por balas vindas dos mesmos mandantes, permanecem impunes, aumentaram suas propriedades rurais, alguns exercem mandatos parlamentares e a reforma agrária, mesmo depois de 13 anos do governo do PT, ainda segue apenas nos discursos. Fazer o documentário sobre Batista será resgatar a esperança, refazer a denúncia e contribuir para que a memória histórica das lutas do povo seja preservada e popularizada.    

Holofote Virtual: Qual o legado da luta do deputado, que acabou tendo um final trágico causado pelas injustiças sociais e penais deste pais?

Pedro César Batista: O legado do deputado João Batista é seu exemplo de combatividade e compromisso com os mais pobres. Batista sempre combateu a demagogia, não importava de onde vinha. 

Na atualidade há falta de referenciais, especialmente para a juventude, que sofre um bombardeio ideológico poderoso e cotidiano por parte da mídia a serviço do mercado, que provoca práticas cada vez mais reacionárias e mesquinhas, sustentadas em um oportunismo que se fundamenta na meritocracia, uma grande injustiça que influencia a população e preserva o status quo dos privilegiados.

Batista foi o exemplo de combatente que não se deixou cooptar, que mesmo sabendo do risco que corria de ser assassinado, após ter sofrido três atentados, seguiu firme seus princípios e compromissos na busca de uma sociedade mais justa. O legado de Batista vai além da luta pela reforma agrária, mas especialmente na propagação de valores revolucionários, os quais até mesmo de discursos sumiram, que o diga da prática, que tem reproduzido sistematicamente os valores propagadas pela burguesia.  

Holofote Virtual: Quem são os principais entrevistados? Dificuldades em fazer estas pessoas falarem?

Pedro César Batista: A relação de entrevistados é grande, vai desde aqueles que conviveram com Batista em sua infância e adolescência até aqueles que o combateram, inclusive os que foram citados, seja dentro do processo judicial ou pela imprensa, como mandantes de seu assassinato. Começamos as gravações com os mais idosos, com pessoas que estiveram ao lado de Batista em lutas pela terra e contra a violência no campo. Inclusive alguns nomes de entrevistados já faleceram, como D. Alzenir e Antônio Araújo. 

Tentaremos entrevistar todos que foram relacionados no projeto, mas haverá aqueles que não se disporão, especialmente os diretamente ligados a prática sistemática da violência contra os camponeses. Também surgirão outros nomes que, mesmo não constando na lista de entrevistados, necessitaremos ter uma conversa. Nomes que surgirão durante as demais entrevistas. São muitas as pessoas que têm algo a dizer.

Holofote VIrtual: Teu livro é a principal fonte de pesquisa, mas como você disse acima, um documentário sempre nos leva por caminhos outros que vão se mostrando a cada entrevista... Como pretendes contornar isso?

Pedro César Batista: O argumento para a produção do filme está pronto, pois é o texto do livro, o qual faz um resgate histórico do Brasil e do mundo entre 1965 até 1988, tendo como fio condutor a vida e militância de Batista. A década de 1960 foi emblemática para o mundo, com a recém vitoriosa revolução cubana, a luta contra a guerra no Vietnã, o golpe militar no Brasil, o assassinato de Chê Guevara, e foi nesse período que Batista se embrenhou na mata, saindo do interior de São Paulo e indo viver em Paragominas. 

Nos anos 70, ele retomou os estudos, participando ativamente das lutas pela reorganização do movimento estudantil e do combate à ditadura, passando a ser protagonista nas lutas do povo, especialmente ao concluir o curso de direito, até a sua morte. 

O produtor do filme, João Castro, conta que presenciou um embate entre Batista e Fernando Henrique Cardoso, no Congresso Nacional, durante as discussões pré constituinte, em 1986, onde o jovem advogado demoliu os argumentos do então senador, tendo sido Batista efusivamente aplaudido. Com estes fatos quero dizer que muitas informações novas surgirão, mas pretendemos seguir o argumento contido no livro. A última e mais difícil fazer será a finalização do trabalho, pois faremos um trabalho de varredura por onde Batista passou.

Holofote Virtual: Vocês já deram o ‘start’ na pesquisa de campo e captaram imagens no Pará, como foi este primeiro momento de pré-produção?

Pedro César Batista: Foram momentos de muita emoção, especialmente por parte daqueles que conviveram com ele. Muitos ao recordarem as lutas vivenciadas ao lado do advogado foram às lágrimas. Também chamou a atenção, o desconhecimento de muitos jovens sobre quem foi Batista, especialmente na capital, em Belém. Enquanto no interior se preserva e propaga a memória de Batista na capital verificamos que a população trabalhadora e os mais velhos recordam da militância e história desse parlamentar, enquanto alguns jovens mais privilegiados, mesmo sabendo o nome do deputado, afirmaram não saber quem ele foi. 

Holofote Virtual: Quais as cidades paraenses eleitas para as filmagens?

Pedro César Batista: Iniciamos as filmagens em Paragominas, cidade onde vivemos entre 1965 e 1975. Nesta cidade, pode-se dizer que começaram as primeiras análises críticas feitas por Batista. Ali presenciamos a violência sistemática praticada contra o povo. Faremos filmagens ainda em Ipixuna, São Domingos do Capim, Dom Eliseu, Ulianópolis, Mãe do Rio, Irituia, Viseu, Almeirim, Ananindeua, Belém, Castanhal, Capanema e Eldorado dos Carajás. 

Holofote Virtual: O filme terá trechos encenados, além das entrevistas e da reprodução de documentos. Pretendes trabalhar com atores e produção locais no Pará?

Pedro César Batista: Sim. Pretendemos reconstituir algumas cenas, entre as quais o primeiro atentado que sofreu, quando nosso pai foi baleado na cabeça. Relacionamos seis situações para serem encenadas. Pretendemos definir quem representará o Batista, estamos pensando em alguns nomes, como o Marcos Palmeira, entretanto também pensamos em colocar um ator paraense, como Leonel Ferreira, inclusive já fizemos alguns contatos. Ainda está por definir. 

Holofote Virtual: Quais serão os principais desafios estéticos do filme, ao misturar realidade e ficção?

Pedro César Batista: A produção tem a finalidade de permitir que a população conheça a história de Batista, com o resgate histórico do período em que ele viveu, mas não queremos fazer apenas um documentário, com entrevistas somente. Ao reconstituir algumas cenas queremos possibilitar que o público se identifique e vivencie a situação da violência praticada contra camponeses e seus defensores. 

A Trupe do Filme, que tem João de Castro como diretor, tem larga experiência na produção de filmes e documentários. Para a direção do documentário está sendo definido a contratação de um nome com muitas produções, apenas ainda não devemos divulgar. Pretendemos, porém, levar o filme para o circuíto universitário e alternativo, visando a realização de debates no meio da juventude e da periferia dos grandes centros e cidades do interior.

Holofote Virtual: O valor orçado é mais que o dobro do que vocês vão captar pela Lei Rouanet... 

Pedro César Batista: O custo para a produção ficou alto em face das gravações em muitos lugares, até mesmo fora do Brasil, além das despesas com a finalização. Também elevou o orçamento do filme, a contratação de centenas de pessoas, entre figurantes e a equipe de produção. Teremos uma outra cena, além da citada anteriormente, que será o enterro de Batista, quando centenas de figurantes deverão ser contratados, além de ter que fazer uma chuva artificial. O orçamento está bem enxuto, apesar de parecer alto.   

Holofote Virtual: Tua relação com o texto eu já conhecia, mas com o cinema não... Como vais atuar nisso tudo? Você já teve outras experiências com o cinema?

Pedro César Batista: Minha relação com o filme será como consultor, a fim de evitar que minha relação pessoal com Batista e por ser o autor do livro cause danos aos fatos históricos. Claro, o filme será repleto de afetividade e fraternidade, apesar de tratar sobre a violência e a morte de camponeses e seus defensores. Estou acompanhando toda a elaboração e estarei junto na produção e finalização. 

Em relação a minha ligação com audiovisual tenho dois curtas produzidos para o Grupo de Trabalho Amazônico: Mitos e crenças na virada do milênio e Populações definem os princípios e critérios socioambientais de REDD. 

Claro, sou um apaixonado por cinema, sempre que posso estou assistindo um filme, sem nenhuma dúvida me considero um cinéfilo. Por isso, atuar na consultoria da produção de João batista, o combatente do povo faz com que tenha a obrigação de fazer não apenas um bom filme, mas de excelente qualidade estética e histórica, contribuindo para que a sociedade conheça nossa vedadeira história de lutas, conquistas e convicção na defesa da justiça e da vida.

Para mais informações, acesse o site: http://joaobatistaofilme.com.br/

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