14.3.20

Brincadeira de carnaval inspira curta de Bragança

Comum na primeira metade do século XX, com registros até o fim da década de 1980, em Bragança (Pa), o “Assustado” agora ficará imortalizado no curta-metragem homônimo de San Marcelo, jovem realizador bragantino. O projeto de filmagem foi contemplado pelo Prêmio de Produção e Difusão Artística de 2019, do Programa de Incentivo à Arte e Cultura da Fundação Cultural do Pará. O lançamento será nesta semana, dia 20 de março, às 19h30, no Liceu de Música, campus da UEPA no município.

Não estarei lá, como gostaria mas San Marcelo me enviou o filme na semana passada para ver e fiquei encantada. Posso ser suspeita para falar, mas Bragança é uma cidade cinematográfica e com muitas histórias ótimas para serem contadas, como esta que é retratada no filme, quando um grupo de amigos a descobre e resolve retomar a brincadeira durante um carnaval, contratando uma das bandas mais famosas do município bragantino, a Furiosa.

Para quem não conhece, a Furiosa é a Banda Cantídio Gouveia, com mais de 70 anos de fundação, que marcou gerações em Bragança, mas que por ironia do destino justamente nas filmagens, realizadas entre os dias 13 a 17 de novembro do ano passado, não pôde participar. Plano de filmagem rigoroso, não teve jeito e a produção teve que contratar outros músicos. 

“Foi uma questão de agenda, tínhamos cinco dias para filmar, mas a quase centenária", diz San. Embora o Assustado não fosse nenhuma tradição da Furiosa, o diretor quis fazer essa homenagem. “A Banda Furiosa não poderia deixar de ser lembrada nessa filmografia bragantina. Apenas o saxofonista que faz parte da banda, pôde participar”. 

O filme também homenageia outro personagem da cidade, o Seu Aviz, “um conhecedor de Bragança, um figura que tem que ser considerada e muito por seus trabalhos na cidade. Quem trabalhou com teatro, passou ou trabalhou com ele aqui”, diz San. “Eu queria muito colocar ele nesse trabalho, como forma de homenageá-lo por todo o trabalho e a resistência na arte que ele promove na cidade”.

Equipe técnica, roteiro surpreendente e elenco colaborativo

Claro que não vou antecipar aqui, mas o roteiro traz o final surpreendente que toda narrativa curta no audiovisual deve ter, tal qual como um conto, na literatura. Escrito em 2014, foi uma ideia do jornalista Clemente Schwartz, também um bragantino.  

“É uma história que ele viveu e me apresentou, eu não a conhecia até ele relatar isso em uma de nossas conversas. Eu ajudei colocando algumas alegorias, sou mais imagético, olhava o roteiro já em imagens e fui fazendo algumas colocações mais técnicas, detalhes. A estrutura da história é mérito total do Clemente”, conta San. 

Na direção de fotografia, San capricha nas cores nos tirando do universo realista para chegarmos ao campo da imaginação. “Gosto do contraste de cores, dividindo os espaços. E queria essa câmera na mão, mais orgânica, com esse balançado que dá uma dinâmica maior pra cena, pois pode se corrigir e deixar o ator mais livre pra atuar”.

A luz se impõe como narrativa, ressaltando cenas e as belíssimas locações. É assinada por Cláudio Castro, que “adorou o projeto e quis muito vir pra Bragança fazer esse trampo. Foi uma honra pra mim ele ter feito a luz, um cara talentosíssimo e muito simples; e desenrola as coisa com uma maestria, vale essa rasgação por que é parceiro e é fera demais”, diz San.

O elenco é 70% bragantino, como Alceny Garrido Nunes que faz o personagem Pedro, mas também contou com participações e atrizes de Belém, indicadas por Denise Espíndola (assistente de direção) e Jeane Cavalcante (assistente de câmera e som), amigas de San,  do curso de cinema da UFPA. 

“Elas ajudaram com o que não consegui encontrar em Bragança, como as atrizes Tarsila França e Layde, que tinham o perfil exigido pelo roteiro, além do técnico de som (Michael Barras) que não temos ainda aqui, especificamente para cinema,  e a produtora de set, Bethania Salgado”. O cantor Olivar faz uma participação especial, rápida e maravilhosa. Também integra o elenco, o ator Pedro Olaia, que é de Belém, mas reside em Bragança. 

“O conheci no mestrado, mas já tinha visto ele atuar em outras produções na capital. Fiz o convite e ele aceitou na hora, um super parceiro. Juan Muniz, que faz o tio Neto, é parceiro há 10 anos. Ator, ele já participou de grandes produções de televisão, como a Indomada e Chica da Silva, e que hoje divide o amor pela atuação com o magistério no IFPA de Bragança”, continua San que tem ainda uma lista enorme para citar.

André Romão e Raquel Leite, por exemplo, que foram convidados para ajudar na produção e acabaram em cena. “Deram um show de atuação no papel de Igor e Jussara, consecutivamente. Tami Yve, aceitou o convite para atuar, assim como a Patrícia Reis que nos apoiou em outros momentos da pré-produção”, comemora o diretor.  

O ator o carioca Kadu Santoro, que San conheceu em Bragança, também atuou e ainda se disponibilizou em fazer a preparação de elenco. Os câmera são de Bragança, Will Alves e Rodrigo Lima, considerados dois talentos na fotografia. Também colaborou Luciana Lemos, artista plástica e produtora cultural entrou na equipe de planejamento de filmagens e pré-produção. Felipe Negídio fez a montagem e Cecilia Nascimento, esposa de San, com quem ele escreveu o projeto,  assina a produção executiva do filme. A trilha sonora traz músicas de Almirzinho Gabriel e Alex Ribeiro. "O edital ajudou bastante e foi fundamental, porém o projeto só se concretizou com essas parcerias", afirma.

Trajetória traz formação em oficinas de interiorização

San Marcelo considera “Assustado”, o filme de ficção mais relevante de sua carreira e diz que isso é resultado de um processo de busca por aprimoramentos, que inicia em 2005. 

Naquele ano, ele teve oportunidade de fazer as oficinas do projeto Caravana da Imagem, da Central de Produção Cinema e Vídeo na Amazônia, projeto então contemplado pelo edital da Petrobras Cultural, e levado a Bragança como reflexo de uma política cultural emergente e inclusiva da época, que rendeu muitos frutos até o desmonte que inicia no país com o golpe de 2016. 

“Todo esse meu processo levou uns 15 anos para chegar a 2020 e produzir meu primeiro curta, em uma cidade do interior, com recursos reduzidos, mas muita força de vontade, de amigos e parceiros, eu só tenho a dizer gratidão a tudo e a todos”, diz San.

"Em 2013 também fiz um curso com o diretor de fotografia Renato Chalu. Dessa oficina fiz o mini documentário ‘Tons Bicentenário’, que tem esse nome propositalmente e mostra a festa da Marujada de São Benedito de Bragança, em preto e Branco, mas nunca tinha tido esta oportunidade de fazer um filme ficção valendo. Já havia tentado, uma ou duas vezes, mas nada saiu como imaginava. Até que veio este prêmio e me possibilitou mostrar que consigo realizar”, finaliza.

Embora seja um novo realizador, San já é um veterano do audiovisual bragantino. Além de diretor, montador, roteirista e diretor de fotogtafia, ele também é o produtor do Festival Curta Bragança, da Sapucaia Filmes, sua produtora. O evento este ano chega a sua terceira edição, que será realizada em novembro e não mais em dezembro. Até 2015, ele também participava da organização do FICA – Festival Internacional de Cinema do Caeté. O diretor diz que tem novos projetos, pois para ele, uma coisa é certa, "quero continuar a fazer cinema".

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