19.4.23

Versão da tragédia Antígona surge na Amazônia

Kay Sara, interpreta Antígona
Fotos: Divulgação
A última cena de Antígona na Amazônia foi encenada nesta segunda-feira, 17, onde houve, há 27 anos, o massacre de 21 trabalhadores rurais, hoje, uma ocupação agrária. A nova  versão da tragédia de Sófocles surge de uma parceria entre o premiado diretor suíço, Milo Rau e o movimento sem-terra MST e estreia internacionalmente no próximo dia 13 de maio, no Teatro NTGent, na Bélgica.

“Muitas coisas são monstruosas, mas nada é mais monstruoso do que o homem”, diz a peça mais famosa e adaptada na literatura de tragédia, Antígona. A peça centra-se no conflito entre Antígona e Creonte, entre a sociedade tradicional e o moderno estado capitalista. Por "razões de Estado", Creonte não quer permitir o enterro do irmão de Antígona e viola a lei dos deuses - mergulhando sua família e toda a cidade em desastre. 

Assim, no século V a.C., Antígona surge, talvez como a crítica mais radical do que mais tarde seria chamada de "civilização ocidental" e conquistaria o mundo inteiro: uma canção sombria sobre os limites do esclarecimento e os perigos de explorar a natureza.

Se no tempo de Sófocles o apocalipse cantado em Antígona era uma noção sinistra, na era do Antropoceno tornou-se um fato. Portanto, em abril de 2023, Milo Rau e sua equipe reformularam Antígona como um "fim de jogo" global no Pará, o estado mais setentrional do Brasil, à beira da Amazônia. 

Uma das principais cenas da peça, uma reencenação do Massacre de Eldorados do Carajás, foi apresentada, nesta segunda-feira, no próprio local e data onde o massacre foi realizado, na curva do S, com cerca de 300 militantes do MST. A montagem da obra também conta com cenas gravadas em vídeo em assentamentos do MST, em aldeias indígenas, reservas florestais.

Para a encenação de Antígona para o século 21, o diretor e sua equipe vieram ao Brasil, a convite de e em colaboração com o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), o maior movimento sem-terra do mundo. Atores europeus e locais, amadores e profissionais se encontram em Antígona na Amazônia. Hêmon, Creonte, Ismênia e Eurídice são interpretados alternadamente pelos dois belgas Arne De Tremerie, Sara De Bosschere e o brasileiro Frederico Araujo, membros do Elenco Global do NTGent. 

Elenco reúne indígenas e trabalhadores rurais

Pela primeira vez na história do teatro, uma atriz indígena, Kay Sara, interpreta Antígona, enquanto o coro da tragédia é formado por sobreviventes do maior massacre dos sem-terra pela polícia militar brasileira até hoje. O cego Tirésias é interpretado pela liderança indígena, ambientalista e escritor mundialmente conhecido, Ailton Krenak, e também está no elenco, a atriz paraense Célia Maracajá. 

O preparo e ensaios vêm sendo realizados desde 2019, concluindo o engajamento de Rau com os grandes mitos e questões da humanidade. Para a encenação de Antígona para o século 21, o diretor e sua equipe vieram ao Brasil, a convite de e em colaboração com o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), o maior movimento sem-terra do mundo. 

Os diálogos de embate entre Antígona e Creonte, bem como as passagens do coral, que têm sido reinterpretadas por 2.500 anos, foram ressignificadas em oficinas junto com ativistas do MST e atores do Brasil e da Europa. É um choque da ordem mundial liberal com a cosmologia holística dos povos indígenas do Brasil, que na era do colapso climático iminente estão cultivando uma abordagem da natureza voltada para o futuro. 

A peça é educativa e versa sobre a devastação violenta e o deslocamento causado pelo Estado moderno, que coloca a propriedade privada - e, portanto, o comércio e a especulação globais - acima do direito tradicional à terra. As filmagens públicas e a estreia mundial de Antígona na Amazônia serão seguidas, como uma instalação de vídeo teatral, por uma turnê pela Europa realizada em conjunto com o Movimento dos Sem Terra. 

O diretor brasileiro Fernando Nogari, conhecido por seus videoclipes para a cantora Selena Gomez, conclui um filme de bastidores sobre Antígona na Amazônia, documentando o contexto político, o processo de ensaio e produção e, em geral, a situação política naquele que é provavelmente o ponto decisivo do nosso tempo. Paralelamente ao projeto teatral, está sendo desenvolvida uma campanha política que defende a produção agrícola sustentável na região amazônica. 

Projeto começou de forma casual em 2019

Depois de Orestes em Mosul, na antiga capital do Estado Islâmico, e o filme cristão O Novo Evangelho, nos campos de refugiados do sul da Itália, Milo Rau Antígona na Amazônia, fechando sua Trilogia de Mitos Antigos. O diretor estava em turnê pelo Brasil e acabou se encontrando com representantes do MST, em 2019. 

“Mostrei-lhes trechos do filme que acabara de filmar, O Novo Evangelho, ao que eles me mostraram um livro que usam em suas escolas, Ocupando a Bíblia. Eles imediatamente entenderam o que era O Novo Evangelho: a reapropriação de um mito, o mito revolucionário de Jesus, pelos excluídos, os marginalizados de hoje. Agora estamos fazendo exatamente o mesmo com Antígona: não estamos apenas criticando e adaptando Sófocles, estamos ocupando a peça, por assim dizer, assim como o movimento dos sem-terra ocupa a terra. Com os atores, as histórias e a sabedoria da Amazônia.”

A proposta de fazer Antígona partiu do movimento e toda a sua construção dialoga com princípios e questões que são fundamentais para história desses trabalhadores. “Quando começamos o projeto, Bolsonaro ainda estava no poder. Douglas Estebam, um dos nossos dois dramaturgos brasileiros, trabalhou com Augusto Boal, o inventor do Teatro do Oprimido. Portanto, somos muito próximos em termos de nossa concepção geral de teatro, trabalhando com amadores, misturando encenação e ativismo, e assim por diante”, diz o diretor.

Ele também ressalta que “a apropriação dos mitos também é muito central para o MST: a Bíblia, a linhagem dos quilombos, o movimento operário e a história recente do Brasil, especialmente, é claro, os massacres do poder do Estado, todos desempenham um papel em nossa interpretação de Antígona”. 

Há ainda a questão de gênero e diversidade abordadas e muito presente em Antígona, que é absolutamente central para o MST. O uso e o treinamento de coros também fazem parte das escolas e da formação política do MST. 

“A ideia de formar um coro de sobreviventes do massacre de 1996, mas também trazer ativistas dos quilombos e povos indígenas, negociando questões de gênero em pé de igualdade com as questões de terra, tudo isso é completamente lógico para o MST”, prossegue o diretor. 

“Antígona é completamente reescrita nessa apropriação: rituais amazônicos tomam o lugar dos rituais da Grécia Antiga, os coros cantam algo diferente, a música foi recomposta. E a primeira vez que li, me disseram: Por que todos se matam no final? A luta continua, não é? Então reescrevemos o final”, completa.

Agenda de estreias

13 de maio - Estreia mundial de Antígona na Amazônia em Gante (Bélgica), no NTGent

19 a 21 de maio - Amsterdã (Países Baixos), no ITA 

25 a 27 de maio - Viena (Áustria), no Festival de Viena (Wiener Festwochen)

01 a 04 de junho - Frankfurt (Alemanha), no Künstlerhaus Mousonturm

13 e 14 de junho - Douai/Arras (França), Tandem Scène Nationale

17 de junho - Roterdã (Países Baixos), no Schouwburg

16 a 24 de julho - Festival d’Avignon, Avignon (FR)

Ainda este ano, Antígona na Amazônia também poderá ser vista em Basiléia (Suíça), Roma (Itália), Bydgoszcz (Polônia), Lyon (França), Lisboa (Portugal), Porto (Portugal), Madri (SPA), Châteauroux (França), Paris (França), Bruges (Bélgica), Turnhout (Bélgica) e Antuérpia (Bélgica).

Ficha técnica

CONCEITO e DIREÇÃO Milo Rau

TEXTO Milo Rau & elenco

EM COLABORAÇÃO COM Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

ELENCO

Frederico Araujo

Sara De Bosschere

Kay Sara

Arne De Tremerie

NO VÍDEO

Gracinha Donato

Célia Marácajá

Coro dos Militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST

Como Tirésias, Ailton Krenak

MÚSICO Pablo Casella Dos Santos 

DRAMATURGIA Giacomo Bisordi, Martha Kiss Perrone, Douglas Estevam da Silva

ASSISTENTES DE DRAMATURGIA Kaatje De Geest, Carmen Hornbostel

COLABORAÇÃO NA CONCEPÇÃO, PESQUISA E DRAMATURGIA Eva-Maria Bertschy

COMPOSIÇÃO MUSICAL Elia Rediger e Pablo Casella Dos Santos

CENOGRAFIA Anton Lukas

FIGURINO Gabriela Cherubini, An De Mol, Jo De Visscher, Anton Lukas

ILUMINAÇÃO Dennis Diels

DESIGN DE VÍDEO Moritz von Dungern

MAKING OF E VIDEOCLIPE Fernando Nogari

EDIÇÃO DE VÍDEO Joris Vertenten

ASSISTENTE DE DIREÇÃO Katelijne Laevens

ESTAGIÁRIO (assistente de direção) Chara Kasaraki, Lotte Mellaert

GESTÃO DE PRODUÇÃO (Europa) Klaas Lievens

GESTÃO DE PRODUÇÃO (Brasil) Gabriela Gonçalves

ASSISTENTE DE PRODUÇÃO Jack dos Santos

GESTÃO TÉCNICA DE PRODUÇÃO Oliver Houttekiet

DIRETOR DE PALCO Marijn Vlaeminck

COM UM ESPECIAL AGRADECIMENTO A Carolina Bufolin

PRODUÇÃO NTGent, Instituto Internacional de Assassinato Político (International Institute of 

Political Murder - IIPM)

COPRODUÇÃO Festival D’Avignon, Festival Romaeuropa, Festival Internacional de Manchester, La Vilette Paris, Tandem Arras Douai, Künstlerhaus Mousonturm Frankfurt, Equinoxe Scène Nationale Châteauroux, Festival de Vien 

COM O APOIO DE Instituto Goethe São Paulo, programa COINCIDÊNCIA - Intercâmbios Culturais entre Suíça e América do Sul - PRO HELVETIA, The Belgian Tax Shelter (Programa de Incentivo Fiscal ao Audiovisual da Bélgica)

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