17.5.12

Alexandre Sequeira fala das relações da fotografia

O fotógrafo e pesquisador costuma dizer que a câmera é só um pretexto ou instrumento que ele utiliza para se aproximar das pessoas. Assim, ele adentrou no vilarejo de Nazaré do Mocajuba, no Pará, e mais tarde um em outra pequena vila, desta vez, em Minas Gerais. As duas estadias resultaram em trabalhos que já o levaram a eventos nacionais e internacionais. Mas nesta quinta, 17, ele está em Belém e fala destas experiências na palestra “Imagem, realidade e fabulação”, dentro das ações do Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia, no IAP, às 19h, com entrada franca

Amor, olhar, atenção pelo outro. Seria esta, a definição que eu daria, se pudesse resumir assim, de forma tão simples, o trabalho que Alexandre Sequeira vem desenvolvendo ao longo de sua trajetória. Mas é muito mais que isso e na palestra que ele faz hoje, será possível entender melhor e de forma mais aprofundada sobre o seu processo de construção e que tanto tem haver com o tema central da terceira edição do Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia: Memórias da Imagem.

Alexandre vai abordar sua relação com a fotografia enquanto documento e memória de algo que efetivamente aconteceu. Vai por isso, focar sua pesquisa mais recente, realizada na localidade de Lapinha da Serra, interior mineiro. O trabalho foi objeto de pesquisa de sua de dissertação de Mestrado, defendida na UFMG. 

Alexandre e seu Juquinha
“A palestra trata de nossa relação com a fotografia enquanto documento, enquanto memória de algo que efetivamente aconteceu. Mas a fala procura dirigir as atenções às relações que se estabelecem entre fotógrafo e fotografado, entre o que acontece antes ou mesmo depois do momento do registro. Relações estas que, de certa forma, relativizam ou ampliam esse valor de documento da fotografia”, diz.

Ele se refere a um certo “caráter performativo do ato fotográfico que envolve a todos que dele fazem parte e que, embora se tenha a impressão que diz respeito a uma produção fotográfica mais recente, na verdade acompanha a fotografia desde seu surgimento”, continua. 

“Procuro ilustrar a discussão com um trabalho que desenvolvi nos anos de 2009 e 2010 em um pequeno vilarejo do interior do estado de Minas Gerais – a vila de Lapinha da Serra. Esse trabalho foi objeto de pesquisa de minha dissertação de Mestrado, defendida na UFMG, e se desenvolveu a partir do meu encontro com um menino e seu avô, ambos moradores da pequena vila”, completa. 

Durante o período que passou na Lapinha da Serra, para ele a fotografia foi responsável pela construção de laços de convívio e afeto com alguns moradores locais, em especial com o menino Rafael, de 13 anos, e sua família.

A mulher do pé de manga
Impressões de mundo - “O trabalho desenvolvido em Lapinha da Serra tem o mesmo caráter relacional do desenvolvido em Nazaré do Mocajuba e de outro desenvolvido com dois adolescentes residentes na ilha do Combú e no bairro do Guamá. 

Na verdade, a fotografia se apresenta como um instrumento de aproximação e troca de impressões de mundo. O trabalho se afirma muito mais na relação que se estabelece do que na fotografia propriamente dita. Nesse sentido, a fotografia assume um caráter de documento construído a seis mãos, envolvendo eu, Rafael – um adolescente de 13 anos -, e seu avô, Seu Juquinha, de 84 anos”, explica. 

É no seio dessa família – a família Oliveira, que o fotógrafo começa a realizar uma série de serviços fotográficos que estreitaram e adensaram seus vínculos afetivos com o local e seus moradores. São fotos de identificação para documentos, restauração de fotografias desgastadas pelo tempo ou execução de álbuns fotográficos de família, que inicialmente o artista visual passou a executar. 

Porém, ao presentear o pequeno Rafael com uma pequena máquina fotográfica, Sequeira é conduzido a perceber Lapinha da Serra por outro ponto de vista, numa ordem que, em certos casos, não corresponde à realidade original, mas autentica uma série de outras ficções idealizadas. Ameaças de invasão de discos voadores ou aparições de figuras lendárias como a Mulher do Pé de Manga são apenas alguns dos temas da crônica visual que Rafael passa a registrar com sua pequena máquina fotográfica sobre os acontecimentos que animam sua vida em Lapinha da Serra. 

É dessa incursão pelas dobras do real que ele seleciona imagens que se convertem em uma série de cartões-postais que passam a ser ofertados a outros visitantes da vila, resultando na ressignificação de diversos valores do local. Com o avô de Rafael – Seu Juquinha –, o artista capta, edita e grava um CD com toadas compostas pelo antigo morador da vila.

O fotógrafo com Rafael
Retorno - O conjunto de fotografias produzidas ao longo dos dois anos pelo artista e por Rafael é guardado por ambos –, como um banco de dados passível de diferentes interpretações. Do mesmo modo, os relatos de Seu Juquinha, que por tantas vezes conduziram Sequeira por entre palavras, pausas ou entonações, no desafio de subverter os regimes do visível e do invisível, também servem como elemento indutor de ressignificações da vida em Lapinha da Serra. 

Os registros sonoros desses encontros, fragmentos de conversas e sons da ambiência do lugar, compõem uma partitura sonora que é também encaminhada de volta à vila, como contribuição ao trabalho educativo desenvolvido por alguns moradores no Espaço Cultural situado ao lado da pequena igreja local. 

A intenção é que o material possa servir como outra forma de tratar a história, a memória e as qualidades de Lapinha da Serra, junto às crianças e adolescentes, assíduos frequentadores daquele espaço; como um meio de replicar a fala de Seu Juquinha – figura tão importante para a vila –, dando ao passado através de sua permanente revisão, um sentido de retomada, essa sim, uma forma nobre da memória. 

Logo após defender a dissertação, Alexandre passou a ser convidado a falar do projeto em uma exposição na cidade de São Paulo, “Por aqui, formas tornaram-se atitudes”. A exposição reunia nomes da cena das artes visuais como Helio Oiticica, Ligya Clark, Ligia Pape, Laura Lima e muitos outros. E ele não parou mais. 

“Depois fui convidado a falar no Festival Internacional de Porto Alegre, no Festival de Fotografia de Recife, no Festival Internacional de Fotografia do Rio, no Festival de Fotografia de Manaus, numa palestra que proferi para o curso de Pós Graduação de Fotografia da Faculdade Armando Álvares Penteado em SP, em um curso de fotografia realizado no MAM de São Paulo e, mais recentemente, no Festival Internacional de Fotografia de Montevideo", conta. 

Lapinha da Serra é um vilarejo bem isolado, situado no meio da Serra do Cipó em MG e isso somado a uma agenda carregada de compromissos, Alexandre não tem conseguido retornar ao lugar, uma realidade, porém, prestes a ser modificada. 

“No fim de junho farei uma fala sobre a experiência em Belo Horizonte, no Palácio das Artes, dentro de uma exposição da qual farei parte, e já estou me programando para conseguir um carro e ir encontrá-los”, comemora e finaliza. 

Serviço 
3º Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia. Palestra “Imagem, realidade e fabulação”, com Alexandre Sequeira. No Instituto de Artes do Pará, a partir das 19h, com entrada franca – Praça Justo Chermont, ao lado da Basílica de Nazaré.

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