“Em caso de emergência quebre o vidro” teve, neste sábado, 27, a última apresentação desta temporada no Estúdio Reator. Quem não foi ver, a boa notícia é que deve voltar em cartaz, até julho. A performance, um dos projetos selecionados no Concurso de Bolsas de Criação e Experimentação Artística da Casa das Artes da Fundação Cultural do Estado do Pará, em 2015, é uma adaptação para o texto homônimo do jornalista e escritor Denio Maués, paraense radicado há mais de 20 anos em São Paulo. Depois de ir ao espetáculo, o blog conversou com ele sobre o trabalho desenvolvido por Nando Lima, Pauli Banhos e Dudu Lobato, em cima de sua obra, e também para saber a quantas anda sua produção na capital paulista.
“Artes visuais, vídeo, teatro, performance e dança, com propostas sempre experimentais e arriscadas. Sempre que vocês ouvirem algo sobre o Reator, é este tipo de trabalho que vão encontrar”, resumiu Nando Lima, gestor do espaço, ao final de uma das apresentações de “Em Caso de Emergência Quebre o Vidro”.
Ele também assina a iluminação e a cenografia de Nando Lima. No elenco estão Dudu Lobato e Pauli Banhos, e no apoio, o artista Maurício Franco. Inspirada em radionovelas e intervenções quase imperceptíveis, com pequenos gestos e sombras, “Em Caso de Emergência Quebre o Vidro’ também pode ser integralmente ouvida em seus 45 minutos, mas para isso, é preciso achar um fone de ouvido, disponibilizado em algum canto do Reator.
Em meio a isso, aos poucos, como que intuitivamente, vamos sendo levados à interagir no espaço, com os atores, dançando com eles, dá até pra bater papo, falar bobagens e tomar uma cervejinha. O público torna-se ator. Ir ao Estúdio Reator é aceitar um convite ousado. Não há legendas, nenhuma linha explicativas à tanta liberdade.
Pauli Banhos e Dudu Lobato |
A projeção de fotografias e vídeos repletos de ambientes reais e ícones da cultura pop, tem como trilha o rock de bandas como The Smiths e The Cure.
“Em caso de emergência quebre o vidro” estreou em Belém, mas foi apresentado, pela primeira vez, em São Paulo, em 2013, em uma leitura dramática dirigida por Eric Lenate, diretor paulistano que recentemente dirigiu a peça “Mantenha fora do alcance do bebê”, da dramaturga Silvia Gomez, com a Débora Falabella no elenco.
Após a leitura, Denio Maués conta que continuou a trabalhar no texto, fazendo algumas alterações, até publicá-lo em 2014, em parceria com a editora Patuá, que por meio de um edital de publicação do ProAC - Programa de Ação Cultural do Governo de São Paulo, lançou sete livros de autores do Centro de Dramaturgia Contemporânea.
Na performance, o público interage |
“Para o meu livro, selecionei três peças e uma delas é a ‘Em caso de emergência...’, uma história extremamente urbana, que flagra o reencontro de um casal, oito anos depois, em uma estação de metrô de São Paulo. A partir desse reencontro, vem à tona a desilusão do presente (as coisas não rolaram tão bem nem para um nem para outro nesses oito anos) e também as causas da separação”, explica Denio.
Denio Maué chegou em São Paulo já no final de uma década, em 1999. Dividindo seu tempo entre o jornalismo (assessoria de imprensa e também reportagens) e as atividades culturais e artísticas, desenvolve um trabalho que se complementa em sua multiplicidade, passando pelo audiovisual, mas dando ênfase à área da palavra: dramaturgia, livros e roteiros.
Na entrevista a seguir você vai conferir mais sobre esta trajetória de amor ao que se faz. Vai perceber que embora esteja há tantos anos longe, Denio vem cada vez mais a Belém, e continua muito conectado à produção cultural daqui. Recentemente colaborou com o roteiro do primeiro longa de Jorane Castro, "Amores Líquidos". E mesmo em São Paulo, suas conexões passam pela criatividade de paraenses, também talentosos como ele, e que também um dia saíram de Belém para realizar outros sonhos.
Um pub, uma loja de discos, um reencontro |
Holofote Virtual: É muita coisa pra gente falar, mas antes da gente mergulhar na tua história, me conta mais sobre o casal encarnado por Pauli Banhos e Dudu Lobato, na montagem do Reator, um dos espaços que trazem inovações e muitas ao público de Belém. Quem são estas personagens e como a trama é conduzida?
Denio Maués: A história é que a garota foi para Londres trabalhar como garçonete em um pub. Ele optou por não tentar a sorte como imigrante latino e ficou em seu emprego, numa loja de rock inglês, em uma das galerias do centro da cidade.
Ela é determinada e, quando quer algo, se joga sem medo; ele vive um dia de cada vez, canta trechos de canções dos Smiths e cita Shakespeare. Em suas trajetórias, ambos conviveram com a violência, em escalas diferentes: ela sofreu preconceito lá e seu namorado inglês foi para a guerra; enquanto isso, no Brasil, ele foi vítima quase fatal de uma gang, dentro de um trem.
Ela é determinada e, quando quer algo, se joga sem medo; ele vive um dia de cada vez, canta trechos de canções dos Smiths e cita Shakespeare. Em suas trajetórias, ambos conviveram com a violência, em escalas diferentes: ela sofreu preconceito lá e seu namorado inglês foi para a guerra; enquanto isso, no Brasil, ele foi vítima quase fatal de uma gang, dentro de um trem.
Holofote Virtual: E o que você achou da adaptação feito pelo grupo de Nando Lima?
Denio Maués: Sobre a adaptação, o Nando e o Dudu (Lobato) conheceram o texto pelo livro, tiveram a ideia de adaptá-lo para um projeto de radionovela e me perguntaram se eu topava. Claro que topei na hora, pois gosto muito do trabalho do Nando e também seria incrível poder mostrar um trabalho meu em Belém.
Não acompanhei o processo de adaptação, mas pelo que conheço do trabalho multimídia do Nando e pelas fotos que já vi, acho que ficou muito bacana. E também cada vez mais penso o seguinte: o diretor que vai trabalhar num texto meu é, antes de tudo, um artista parceiro, que deve ter liberdade para criar também, trazer suas referências e seu olhar. Além disso, é interessante que um texto possa ter releituras diferentes: aqui em São Paulo, foi lido como peça; em Belém, é uma radionovela. Sensacional.
Nando Lima, Dudu, Pauli e Maurício Franco |
Holofote Virtual: Você e o Nando já se conhecem de velhos e longos carnavais. Já tinham feito outras parcerias assim, dentro da área do teatro, ou mesmo outros trabalhos?
Denio Maués: Pois é, conheço o Nando há um tempão, mas nunca havíamos trabalhado num mesmo projeto.
Fiquei muito contente quando ele propôs essa adaptação. Como falei, gosto muito do trabalho dele, no teatro, no vídeo, ou quando reúne essas duas áreas (como em “Anjos sobre Berlim”, no início dos anos 90, que é um dos espetáculos mais impactantes e contemporâneos que vi em Belém). O vídeo do Nando, que compunha o espetáculo, permanece instigante até hoje, com suas imagens melancólicas e aqueles personagens tão jovens, frágeis e curiosos sobre a vida.
Holofote Virtual: Além desse trabalho com o Nando, tens outras parcerias com Belém? Em São Paulo fizestes ou fazes alguns trabalhos com o Paulinho Faria, outro paraense do teatro sediado aí, como o Kil Abreu também, aliás...
Leitura dramática de " Escandinavos" |
Esse convite foi um daqueles presentes que raramente aparecem na vida. Fizemos uma adaptação de “Rei Lear”, de Shakespeare. Esses trabalhos com o Paulo e com o Cacá foram aprendizados que não têm preço. Eles foram muito generosos e pude acompanhar os ensaios, as discussões com os atores, as ideias para a luz, cenário, figurino, etc. Estar próximo da cena, saber como ela acontece, é fundamental para quem escreve.
O Kil vem fazendo um trabalho fundamental de apoio à dramaturgia, com editais, montagens e leituras dramáticas no Centro Cultural São Paulo (CCSP). Em 2014, a convite do Kil, tive um texto lido no CCSP, “Escandinavos”, que está no meu livro, com a atriz Andrea Tedesco no elenco e direção de Nicole Aun. Foi a primeira leitura pública desse texto. Nesse mesmo dia, o Luís Indriunas, também dramaturgo do grupo, teve a leitura de um texto dele também, “61 m2”.
Em 2015, estive aí como convidado do VI Seminário de Dramaturgia Amazônida, no teatro Cláudio Barradas, da UFPA, evento coordenado pela Bene Martins. Me senti honrado com o convite e pela possibilidade de falar do trabalho que venho desenvolvendo aqui.
Holofote Virtual: Você foi embora de Belém, no final dos anos 1990, pra São Paulo. O que te levou a isso?
Denio Maués: Saí de Belém porque bateu a certeza de que era aquilo que eu tinha de fazer naquele momento e não poderia adiar. Não estipulei uma data para retorno. Os motivos eram vários: a possibilidade de crescimento profissional, ser a maior cidade do país e o fato de minha filha, Cecilia, estar morando aqui. Então, tudo convergia para São Paulo. Aliado ao fato de eu gostar muito da cidade.
São Paulo hoje é onde estou e trabalho e tenho um carinho muito grande por esta megalópole – embora não perca, de maneira alguma, o vínculo com Belém. São duas cidades importantíssimas para o Brasil. Sempre que posso, faço trabalhos relacionados à Belém e tenho procurado ir aí com mais regularidade. E gosto de usar o “tu” quando falo com alguns amigos paulistas e ver a reação de estranhamento deles (risos).
Holofote Virtual: Foi natural a tua inserção no cotidiano e no mercado paulista?
Denio Maués: Eu sempre digo que foi fundamental eu não ter começado aqui do “zero”, porque minha experiência em Belém foi grande, no jornalismo (tanto no jornal O Liberal, onde trabalhei muitos anos, quanto na assessoria de imprensa da Secult) e também na minha formação cultural, nos projetos que fiz aí.
São Paulo é uma metrópole gigantesca que vive “a milhão”, para usar uma expressão paulistana, então é importante entender isso. Os amigos também são importantes – os que você já tem e os novos que você faz. Em relação ao cotidiano, sempre vim muito a São Paulo, sempre que podia estava aqui, atraído pela sua vida cultural intensa, então minha adaptação foi fácil. Quando cheguei aqui, eu não estava numa cidade estranha. Até com os meses de frio me acostumei (risos).
São Paulo é uma metrópole gigantesca que vive “a milhão”, para usar uma expressão paulistana, então é importante entender isso. Os amigos também são importantes – os que você já tem e os novos que você faz. Em relação ao cotidiano, sempre vim muito a São Paulo, sempre que podia estava aqui, atraído pela sua vida cultural intensa, então minha adaptação foi fácil. Quando cheguei aqui, eu não estava numa cidade estranha. Até com os meses de frio me acostumei (risos).
Holofote Virtual: Você se formou em jornalismo, fomos contemporâneos... A partir de quando a literatura e o teatro se tornaram pontuais na tua vida profissional?
Denio Maués: Sempre assisti a muitas peças, em Belém e em São Paulo, mesmo antes de vir morar aqui. No teatro, o texto sempre me interessou, sempre gostei de ler dramaturgia e cheguei a escrever uma peça ainda em Belém e comecei uma segunda, mas esse material se perdeu com o tempo. Em Belém, minha relação com o teatro era como jornalista e como espectador – das peças de fora e dos amigos paraenses.
Em São Paulo, resolvi, paralelamente ao jornalismo, escrever ficção com regularidade e isso coincidiu com a formação do grupo, em 2006, que reuniu pessoas que também queriam escrever e pesquisar dramaturgia. Com o tempo, começamos a mostrar esses textos, em leituras dramáticas ou montagens, uma consequência natural da escrita teatral. Alguns projetos ótimos aconteceram, como a residência artística que fizemos em Coimbra, em 2012, quando o grupo foi contemplado em um edital do Minc (Ministério da Cultura) e produzimos textos inéditos sobre a relação Brasil-Portugal no Teatro Académico Gil Vicente. Outro projeto foi a coleção “Palavras para Teatro”, em 2014, com livros de peças dos sete autores do Centro de Dramaturgia Contemporânea.
Holofote Virtual: Mas teu foco tem uma faixa etária, como foi esta escolha?
Holofote Virtual: Mas teu foco tem uma faixa etária, como foi esta escolha?
Denio Maués: A literatura infanto-juvenil, curiosamente, começou nesse mesmo período (2006). Antes, em 2002, fui co-organizador (junto com a Denyse Cantuária, pesquisadora paraense) de uma coleção infanto-juvenil sobre lendas amazônicas, com autores como Fanny Abramovich, Bartolomeu Campos Queirós e a cartunista Laerte. Em 2003, trabalhei na assessoria de imprensa da editora Ática, quando “mergulhei” mais ainda na literatura infanto-juvenil, por necessidade profissional.
Desse “mergulho”, surgiu a vontade de experimentar a escrita para essa faixa etária e, em 2005, apresentei uma proposta de um livro para a editora Escala, que estava à procura de novos autores. Trabalhei com as editoras Carmen Lúcia Campos (que já editou autores como Marcos Rey e Marçal Aquino) e Shirley Souza. Daí, lancei meu primeiro livro Daí, lancei meu primeiro livro, “Gente nova no pedaço”, que conta a história (ficcional) de um garoto nascido em uma pequena cidade da Amazônia que se muda com os pais para São Paulo e se depara com o choque cultural. Depois desse, já vieram mais quatro livros, por editoras diferentes, entre eles uma peça, “Bullying: que brincadeira é essa?”.
Denio Maués: O mais recente é um livro de contos de terror, “Conde Drácula e outros vampiros”, escrito com três autores tarimbados nessa área (Ivan Jaf, Manoel Filho e Shirley Souza). Saiu pela Panda Books em 2013 e foi selecionado para o acervo da FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil). Ressaltaria uma coisa fundamental: esses livros dão a possibilidade maravilhosa de conversar com estudantes nas escolas que os adotam.
E é impressionante ver como os adolescentes sentem falta de um estímulo à leitura, além do trabalho que o professor faz em sala de aula. Por isso, a presença do autor no colégio é muito importante. Os alunos se sentem prestigiados por poderem conversar ao vivo com o autor do livro que eles leram e, para quem escreve, é uma experiência enriquecedora e emocionante.
Holofote Virtual: Neste momento, estás desenvolvendo algum novo projeto de livro?
Denio Maués: A escrita não para. Tenho um projeto de livro de ficção, mas ainda muito no início. Tenho uma peça nova quase pronta e também um roteiro iniciado. Vamos ver o que sai primeiro. Nem sempre é possível prever. Este ano, se tudo der certo, deve estrear aqui em São Paulo a peça “Escandinavos” – mas isso depende de alguns fatores e não sou eu quem está à frente do trabalho de produção.
Outro projeto que começo a pensar é um livro com entrevistas que fiz para o caderno de Cultura de O Liberal. Era muito jovem na época, mas entrevistei pessoas incríveis, como Cazuza, Fernanda Montenegro, Nathalia Timberg, Arrigo Barnabé. Foram entrevistas longas, ping-pong. Mas é só uma ideia ainda incipiente, não sei a quem essa publicação poderia interessar. Alunos de jornalismo talvez?
Bia Toledo e Eduardo Parisi. em “O mundo lá fora”
Texto de Denio Maués - Projeto “Arquitetura da dramaturgia”
Centro de Dramaturgia Contemporânea
Foto de Wlad Raeder. Abril/2014 -
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Denio Maués: Sim, continuo no CDC, que completa 10 anos em 2016. Devemos fazer alguma coisa para marcar a data, mas ainda estamos definindo isso, talvez um ciclo de leituras. Se conseguir estrear a peça “Escandinavos”, será ótimo e já fará parte dessa comemoração dos 10 anos.
Essa seleção do CPT faz tempo... Lembro que éramos 65 dramaturgos, eles fizeram várias etapas, daí ficaram 30, depois 10, depois 5 e, por fim, selecionaram dois. Não rolou o CPT, mas como fiquei entre os cinco na grande final (rsrsrs), foi bacana porque meu texto foi lido por muitas pessoas lá e ter passado por 60 autores não é uma tarefa fácil.
Com isso, acabei ficando amigo até hoje de alguns autores do CPT e, curiosamente, já trabalhei/trabalho com muitas pessoas que passaram por lá, como a Paula Autran (hoje dramaturga do CDC e quem propôs a criação do grupo), o Eric Lenate (que dirigiu a leitura de “Em caso de emergência quebre o vidro”) e a atriz Gilda Nomacce (que leu meu texto escrito em Portugal). Sem contar o próprio Cacá Carvalho, que trabalhou com Antunes Filho antes do CPT.
Contribuição no roteiro de "Amores Líquidos" |
Denio Maués: Em Belém, na área audiovisual, fiz vídeo principalmente, como o videoarte “Cenesthesia”, feito juntamente com Jorane Castro e Toni Soares, ainda nos anos 80; ou, nos anos 90, o roteiro do documentário “A escritura veloz”, do Mariano Klautau Filho, sobre a Maria Lúcia Medeiros.
Quando trabalhei no MIS (Museu da Imagem e do Som), ganhei uma bolsa e fiquei quase um ano em uma emissora de TV no Japão e, lá, fiz um vídeo, “Blondies in kimono”. Em São Paulo, fiz esses dois trabalhos que citaste, o documentário sobre o bairro da Vila Madalena (em parceria com a diretora Ana Luiza Penna), em 2006, que ganhou um edital da prefeitura de São Paulo e foi exibido pela TV Cultura; e, antes, o filme “Voo cego rumo sul”, exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2004.
Recentemente, fiz outros dois trabalhos, na área do audiovisual: em 2010, participei do projeto “Água – Mídia locativa”, da Val Sampaio, um trabalho com vídeo e tecnologia a partir de uma residência artística de dez dias, com vários artistas e pesquisadores, em um barco, sobre os rios Amazonas e Tapajós, uma experiência incrível; e, em 2015, colaborei no roteiro do longa-metragem “Amores líquidos”, da Jorane Castro, outro trabalho que gostei muito. O filme foi feito entre Belém e Salinas e será lançado este ano. E que mais roteiros venham em 2016!
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