16.5.22

Amazônia Encena na Rua vem de Rondônia ao Pará

O Amazônia Encena na Rua sai de sua casa, em Porto Velho, Rondônia, pela primeira vez, e chega ao Pará no mês de junho. Em Belém haverá uma vasta programação, entre os dias 5 e 12 de junho, com apresentações no anfiteatro da Praça da República, em escolas e comunidades, e com ações formativas, incluindo debates com a realização do IV Seminário Amazônico de Teatro de Rua. As inscrições para as oficinas iniciam nesta semana, acompanhem pelo site e confiram desde já os espetáculos que estarão em cartaz. É tudo gratuito. Depois de Belém o evento ainda segue para tres outros municípios paraenses, com programação entre os dias 15 e 25 do mesmo mês.

Este é o 13º festival, edição que inaugura o formato de uma itinerância que além da Amazônia tem pretensões de chegar também à América Latina, em um futuro próximo.  Por enquanto, além de passar por Belém, o festival ainda seguirá para mais três municípios paraenses: Xinguara, Marabá e Parauapebas, numa iniciativa desafiadora. 

O festival reúne grupos do teatro de rua dos nove estados que integram a Amazônia Legal: Pará, Rondônia, Roraima, Amazonas, Mato Grosso, Acre, Amapá, Maranhão e Tocantins. Desde seu surgimento, o evento mantém as suas três principais metas: oferecer espetáculos de teatro, circo e dança; ações formativas e ciclos de debates. Além dos grupos amazônidas, também há espetáculos convidados, este ano vindos do Rio de Janeiro e do Distrito Federal.  

A edição tem patrocínio do Instituto Cultural Vale, com realização da Secretaria Especial da Cultura, Ministério do Turismo e Governo Federal. A iniciativa é do O Imaginário, fundado em 2005 com o objetivo de pesquisar e investigar as diversas linguagens artísticas. Em seus trabalhos, discute a relação entre o público, o teatro e a cidade. 

“O primeiro grande foco é fazer com que esses grupos de teatro da Amazônia Legal possam, uma vez ao ano, se encontrar, pra discutir as questões relacionadas a estética, e toda sua forma de conteúdo”, diz Chicão Santos, artista, professor e militante cultural, que criou e coordena o festival. 

Nascido na cidade de Cacoal, no interior de Rondônia, Chicão Santos é  palhaço, diretor e produtor teatral, que se mudou em 1995 para a capital Porto Velho, onde deu continuidade a suas atividades artísticas, que sempre dialogaram em transversalidades, tendo o teatro como elemento condutor de transformação pessoal, social e cultural. Em 2005, ao funda O Imaginário, ampliando seu alcance e criando os embriões e alicerces para o Amazônia Encena na Rua .

Na entrevista a seguir, ele, que só chega na semana que vem a Belém, nos conta mais sobre o surgimento do festival e suas missões, desafios e expectativas, afinal é um retorno às ruas, após dois anos de clausura pandêmica. O clima é de celebração, expectativas pelo encontro, que de certo será de muita troca cultural. Confira!

Chicão Santos em ação (Porto Velho-RO)
Foto: Reprodução, Internet

Holofote Virtual: Belém já está na expectativa da chegada do Amazônia Encena na Rua. Eu já conhecia o festival de longe, mas queria saber como foi exatamente que surgiu o projeto e o que te levou a realizar um festival de teatro amazônico, e na rua?

Chicão Santos: Foi em 2007, quando estive na Bahia e participei da criação do movimento brasileiro de teatro de rua, foi quando tive clareza de que deveria realizar um festival de teatro em Porto Velho, onde não havia nenhum. 

A gente circulava já por outros festivais da Amazônia, como no Acre, em Manaus, e em Belém e a ausência de um festival em Porto Velho foi ficando cada vez mais evidente. Então quando retornei da Bahia, a Caixa tinha lançado um edital para premiar festivais. Inscrevemos o projeto e fomos contemplados.  

O primeiro festival aconteceu em 2008, com baixo orçamento, trazendo grupos para Porto Velho (RO), vindos do Acre, Roraima e Amazonas, além da participação de Narciso Telles, ator, diretor e professor atualmente do curso de teatro da UFU (Uberlândia-MG), mas na época ele ainda morava no Rio. Fizemos  a programação durante uma semana, e no final de semana fizemos cinco rodas de apresentação em praça pública  e em cada uma tinham pelo menos 800 pessoas, foi uma coisa linda.  

Holofote Virtual: E já são 13 edições com esta. Nesse percurso todo, como esse festival te atravessa e como se cruza com a sua própria trajetória?

Chicão Santos: Eu sempre fui um provocador da cena, sempre nas minhas ações e nos coletivos que participo, discutimos a questão do teatro, do público e da cidade, e canalizamos para a popularização do teatro. 

Naquela primeira edição, nós colocamos mais de 8 mil pessoas na programação. E assim fazendo trabalhos em escolas, blitz e levando o teatro pra todo lugar. 

Eu coordenei também um projeto chamado Escola Aberta, onde a gente reunia as comunidades nas escolas, dando oficinas. Era um lugar de muitas atividades em todos os lugares, também fazendo caravanas pelos rios e na BR, sempre discutindo essas questões. Então na minha trajetória, o festival passa por esse lugar da popularização do teatro, da inclusão, da promoção do acesso às pessoas tudo oferecido gratuitamente.

Holofote Virtual: Como surge a ideia de tornar este projeto itinerante? 

Se deixar, ela canta (Circo, Amapá))
Foto: Divulgação
Chicão Santos: A gente já havia discutido essa possibilidade de itinerância no 3º seminário, e feito algumas propostas de circulação. Em 2020 o projeto foi aprovado no edital da Vale, só que veio a pandemia e não conseguimos realizar naquele ano. Efetivamente, estamos realizando isso agora. Foi um processo de construção. Nossa expectativa é somar com os coletivos. 

Além do mais, Belém é muito importante para Amazônia. Sempre é desafiador e muito difícil organizar eventos em qualquer cidade do Brasil. E lógico que quando saímos do lugar da gente, os desafios aumentam, pois precisamos estabelecer novas relações com fornecedores, parcerias, grupos, setor público, além do próprio público e coletivos da cidade, mas a gente tem tido boa receptividade e temos estabelecido ótimas conexões. 

Holofote Virtual: Quais são as expectativas de vocês com Belém?  

Chicão Santos: Nossa expectativa é aprofundar nossa relação com a cidade de Belém, tão importante para toda a Amazônia. Queremos estabelecer vínculos com a cultura, tenho muitos amigos aí em Belém. Vamos ter com certeza uma troca muito legal e isso acaba tornando menores os desafios. Esperamos que as pessoas participem e partilhem suas experiência.

Sodade (Dança, Amazonas)
Foto: Divulgação

Holofote Virtual: O que podemos esperar da programação em Belém, sendo que depois vocês ainda seguem para outros municípios paraenses? É um fôlego e tanto...

Chicão Santos: Temos várias frente de trabalho, em Belém. A Praça da República será a arena principal, onde haverá as apresentações noturnas, no anfiteatro. Durante o dia vamos fazer o bate volta em escolas e comunidade, com os grupos que vão fazer apresentações, e também teremos três oficinas, uma delas dentro de escolas e outra na Praça da Republica, além do IV Seminário Amazônico de
Teatro de Rua, que fecha a parte formativa, trazendo o debate sobre as políticas públicas voltadas às artes cênicas. 

Depois iremos para Xinguara, Parauapebas e Marabá. Estamos levando três espetáculos e uma oficina; e também estamos fazendo registro audiovisual para gerar um documentário sobre todas essas questões do festival. Vamos enfrentando as distancia e celebrando as conexões.

Fashion Fake (Pará)
Foto: Carol Abreu

Holofote Virtual: Qual tua visão acerca de teatro de rua no Brasil e mais especificamente na Amazônia?

Chicão Santos: Nós temos trabalhado ao máximo para dissolver essa visão de que nos somos periferia do país ou que nos somos o patinho feio, excluídos do processo. É bom lembrar que nós representamos 74% do território nacional, então nós estamos mais para ser o teatro brasileiro, acaso isso fosse calculado pela territorialidade. 

Anos atrás isso passava despercebido, porque RJ e SP dominavam todo o tipo de teatro, uma cultura que vinha desde o Império, mas depois da criação da Rede Brasileira de Teatro de Rua e da Rede Teatro da Floresta a gente conseguiu demarcar muitas estratégias e questões no cenário nacional.  O teatro está numa efervescência, voltando às ruas, ocupando os espaços. A gente vai fazer com que esse teatro cresça e conquiste mais espaços pra gente falar da nossa cena, trazer esses temas da transformação do ser humano, da sociedade dos lugares da cidade.

O Cavaleiro Perfumado / Foto: Beatriz Brooks

Holofote Virtual:
 Tem muita gente fazendo teatro de rua no país?

Chicão Santos: Temos várias experiências exitosas, como no Cariri, no Nordeste, no Acre, SP, RJ, Brasília e Bahia. Temos um movimento muito forte de teatro de rua e com o Amazônia Encena, a gente quer consolidar isso de forma mais abrangente que integre todas as regiões. Pena que os recursos são poucos,  poderíamos possibilitar mais grupos, mais trocas, mas os custos são muito altos, e assim fica impossível sair do Rio Grande do Sul, por exemplo, para vir ao norte do país. É sempre uma dificuldade esses custos, mas vamos superando. 

Vamos ter também uma conversa na Escola de Teatro e Dança da UFPA. Estarão conosco, três atores, professores doutores em teatro, André Carreira (Santa Catarina), Narciso Telles (Uberlandia) e Michele Cabral (Maranhão), numa mesa redonda com os alunos, demonstrando esse prazer de trabalhar também dentro das academia nesse momento de retomada. 

Holofote Virtual: A itinerância já vinha sendo gestada. E porque resolveram iniciar por Belém?

Chicão Santos: Por conta das nossas conexões, foi fácil escolher por onde começar. Belém é a capital que foi porta de entrada para a ocupação também do nosso estado (Rondônia), trazendo os navios, barcos e os trabalhadores pra construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, uma obra civil da maior importância em todos os tempos, e que possibilitou a formação da sociedade rondoniense, então esse vinculo com Belém, pela água nos torna bastante próximos e também com certeza temos que celebrar isso.  É como a gente estivesse devolvendo algo à cidade de Belém. Estamos muito felizes e contentes com a realização do projeto. E este ano será um divisor de águas, queremos celebrar com os coletivos. 

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