O Cena Aberta foi um dos mais importantes grupos do teatro contemporâneo do estado. Formou pelo menos duas gerações de artistas e segue influenciando outras. Para quem ainda não conhece essa história ou para quem costumava ir aos Festivais de Teatro Amador, em Belém, no final dos anos 1980, a exposição promete surpreender.
O projeto parte do acervo organizado durante 16 anos por Luiz Otávio Barata, um dos fundadores do grupo. São fotos, documentos e cartazes e programas, dos 23 espetáculos realizados entre 1976 e 1991, além de vídeos com entrevistas de atores e depoimento de pesquisadores. Um QRcode em cada painel leva o visitante da exposição a mais informações num site..
“O público vai ver um recorte desse acervo. Luiz Otávio Barata recortou cada reportagem, cada foto, programa, certificados da censura. Quando decidimos fazer o projeto, até para preservar esse acervo, tudo sobre cada um dos espetáculos já estava rigorosamente catalogado por ele”, disse Margaret Refkalefsky, em entrevista ao Holofote Virtual.
Pioneirismo, inovação e contestação
O Quarto de Empregada Cenário de Luís Otávio Barata |
Zélia Amador de Deus |
O projeto "Teatro Cena Aberta - Memória da Cena Paraense" conta com Margaret Refkalefsky e Cezar Machado, que conversa a seguir com o blog e também foi do Teatro Cena Aberta, e com Elaine Oliveira, Marcilio Caldas Costa, Wladimir Moura, Cláudio Didimano e Nonato Moreira, do coletivo do IMARÉ.
Teatro como resistência num país sob a Ditadura
Zélia e Margaret, final dos anos 1960 Escola de Teatro da UFPA |
“Eu entrei para a Escola de Teatro da Ufpa, em 1969. Nós tínhamos tido um ano de 1968 muito agitado, no final veio o AI-5 e ficamos numa situação mais complicada ainda como estudantes engajados que éramos. Eu achava que o teatro poderia ajudar a gente a questionar, inclusive toda a perseguição que já sofríamos. O teatro era como se fosse uma porta que se abria pra gente discutir e questionar a realidade, manter o engajamento político”, diz Margaret Refkalefsky.
É influenciado por esse anseio de liberdade e resistência que surge o Cena Aberta, em 1976, no Brasil sob a Ditadura Militar. Fundado por Margareth Refkalefsky, Zélia Amador de Deus, Walter Bandeira e Luiz Otávio Barata, jovens politicamente engajados, a ideia era trabalhar com o teatro para sensibilizar e tocar as pessoas, dando-lhes um choque de realidade.
Margaret Refkalefsky, do Teatro Cena Aberta |
No palco, tratavam de forma inteligente e contundente, o que não podia mais ser dito nem mesmo dentro de casa. O grupo viveu restrições, mas resistia em manter sua postura de crítica social e política. Os textos encenados vinham da dramaturgia brasileira e de clássicos da dramaturgia mundial, mas nada disso ia para o palco sem antes passar pelo rigor da Censura, uma "senhora" que estava sempre na plateia, à espreita.
“Os textos todos passam antes pela censura, iam para Brasília, voltavam, depois a função da censura em Belém era ir ver se tínhamos respeitado os cortes do texto. E quando os cortes se mantinham, ainda assim, depois de assistir às estreias eles cortavam coisas como figurino, postura do ator em cena. Era uma censura rigorosa. As primeiras cadeiras eram reservadas à censura”, conta Margareth.
A Trilogia do Corpo, do Amor e da Paixão
“Os espetáculos dessa trilogia tratavam da questão da sexualidade e causaram polêmicas pois colocavam o corpo em evidência, algo que já havia sido experimentada em espetáculos anteriores, como na peça ‘Theasthai Theatron’, de 1983", observa Cezar Machado.
Dirigido por Zélia Amador, a peça explora a expressão poética sexual do corpo nu, com os atores e atrizes despidos no palco se relacionando pelo toque. A peça foi, naquele início dos anos 1980, censurada. O grupo refez a montagem e reestreou com os atores cobrindo as regiões expostas com tapa-sexos.
Houve um hiato depois disso e, em 1987, veio "Genet, O Palhaço de Deus", baseado na obra do escritor e dramaturgo francês Jean Genet. "O processo de criação foi coletivo. O Luiz Otávio selecionava textos e os distribuía aos atores que se dividiam em grupos e apresentavam sua versão das cenas. A partir daí, ele ia montando", continua Cezar.
O grupo Teatro Cena Aberta |
O terceiro espetáculo dessa trilogia, “Em nome do amor”, era inspirado nos textos Apócrifos do Novo Testamento, também conhecidos como "evangelhos apócrifos", uma coletânea de textos, alguns dos quais anônimos, escritos nos primeiros séculos do cristianismo, mas vetados pela igreja católica.
Imaré - coletivo reunido para pesquisa |
“Era um espetáculo muito bonito. Tinham textos do Roland Barthes sobre o amor. Dos três espetáculos, plasticamente, pensando em figurino e tudo, era o que eu mais gostava, mas fizemos uma única temporada, de 15 dias, apenas dele, e mesmo assim, junto com "Genet...", é um dos espetáculos mais lembrados pelo público. Fez muito sucesso”, finaliza.
O último espetáculo do Cena Aberta, foi A Mulher Dilacerada, que estreou em 1991, com direção de Cezar Machado. Trazia como protagonista a Margareth Refkalefsky, e direção de Cezar Machado para o texto cujo nome original é Mulher Desiludida, de Simone de Beauvoir, livro publicado em 1967, reunindo três histórias independentes.
Homenagem e reconhecimento
Anfiteatro da Praça da República |
Realizado com apoio de emenda parlamentar do então deputado federal e hoje prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, o projeto além de dar acesso público a este acervo e homenagear aqueles que já se foram deixando seu legado à cultura, reconhece ainda a contribuição de todos os demais que escreveram com o Cena Aberta, um capítulo revolucionário da história do teatro paraense.
Ainda há muito que o coletivo Imaré deseja realizar, como um livro e um documentário com as entrevistas gravadas, além de uma exposição ampliada, dada a riqueza do acervo, que conta com mais de 700 fotografias, cartazes, croquis de figurino e de cenários.
Curtiu o conteúdo? Compartilha o link e segue o blog no Instagram: @holofote_virtual e @holofotevirtual. A exposição "Teatro Cena Aberta - Memória da Cena Paraense abre nesta quarta-feira, às 19h, no teatro Popular Nazareno Tourinho. Entrada gratuita. Apoio da Fadesp e Prefeitura de Belém, via Fumbel.
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