15.10.23

Clei Souza nosso convidado da coluna de domingo


Estreando por aqui, como colaborador da coluna Crônicas Culturais no Holofote Virtual, o escritor e pesquisador Clei Souza, também professor de literatura, crítico literário e artista da palavra, que traz seu pensamento sobre a relevância da obra e trajetória de Paulo André Barata. O compositor partiu aos 77 anos, no último dia 25 de setembro, em Belém, comovendo toda uma cena cultural que continuará tendo-lhe como referência. 

 A contribuição de Paulo André Barata para a MPB

Paulo André Barata, em Mosqueiro
(Foto: Walda Marques)

O dia de ontem trouxe a notícia de uma perda irreparável para quem gosta da poesia cantada, a perda de Paulo André Barata. 

O que aqui escrevo tenta minimamente mostrar sua importância. Juntamente com seu pai Ruy Barata, ele escreveu ou tocou um capítulo importante da MPB, enquanto poesia cantada, pois apresentaram para o Brasil algo até então não visto, mergulhando suas letras nos mitos, florestas, vilas e cidades amazônicas, como outrora fizera o maestro Waldemar Henrique, mas também no cotidiano do trabalho do sujeito amazônico, como em Indauê Tupã, em que o remar mostra o tempo humano ligado ao tempo natural em um estreitamento entre homem e natureza. E principalmente foi vanguarda na denúncia da exploração e destruição da Amazônia, tema mais do que atual, como se percebe na própria faixa que dá título ao seu segundo álbum Amazon River, de 1980. 

Paulo André e Ruy Barata, em cumplicidade poética
(Foto/reprodução da internet: Januari Simões) 

Os dois fizeram uma releitura poética do carimbó com Esse rio é minha rua, mas com Porto Caribe mostraram também que há uma Amazônia atlântica que também é caribenha, com acreditava Gabo. Pai e filho também dialogaram com o bolero, que a Bossa Nova, em nome de um comedimento emocional negou. 

Esse diálogo está presente na canção Foi Assim, que ficou nacionalmente conhecida na voz de Fafá de Belém. Uma composição que merece destaque no primeiro álbum de Paulo André Barata, Nativo, de 1978, homônima ao título do álbum, e que chegou a ser tema de novela da extinta TV Tupi, juntamente com Pacará e Indauê-Tupã, em 1979, foi retirada do grande poema O Nativo de Câncer, de autoria de seu pai. Ruy Barata pretendia escrever um grande poema de dez cantos, mas que acabou ficando com somente dois por conta do seu falecimento. 

Paulo André, Fafá e Ruy Barata, parceria de três
(Imagem/reprodução da Internet)

O destaque é merecido por três motivos: o primeiro é fato de não se tratar, como na maioria das vezes, de uma letra feita pelo pai para uma melodia do filho, e sim um arranjo de Paulo André para um trecho do poema de Ruy Barata; o segundo motivo é que, mesmo abordando o tema do amor, comum tanto à canção como ao poema, o texto traz uma profundidade comum à poesia escrita, pelo fato de ser uma abordagem ontológica do amor, chegando a quebrar com o uso convencional da língua. 

Por sua vez, essa abordagem da dor amorosa pela ausência do ser amado recupera um elemento comum às narrativas ficcionais e não ficcionais sobre o vale amazônico, que são as grandes distâncias, presentes, por exemplo, em Euclides da Cunha, Inglês de Sousa, Ferreira de Castro e José Veríssimo, como está na passagem “Há sempre o que sortir nesses doendo de lonjura cilendo e sipurgando, amor é meses-mares ciregendo, amor é sipartindo e cichegando”. O último motivo é que seu pai, em entrevistas costumava afirmar que letra de música e poesia, em geral, eram coisas diferentes. Com essa composição Paulo André mostrou a possibilidade de fusão das duas coisas.

Há muito que ser dito ainda sobre a obra de Paulo André Barata. Ele colocou o Pará e a Amazônia no mapa da poesia cantada que marcava a MPB sua obra é imortal.

*O texto, enviado pelo autor, foi publicado originalmente no jornal O Liberal, no dia 27 de setembro.   

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