24.3.12

A hora e a vez da MPB no documentário musical

Mautner, ontem, na abertura do Tudo é Verdade no RJ
Cinema e música, casamento perfeito. Assim, entre Maracatus Atômicos e Panis et Circencis foi declarado aberto, esta semana, o 17º Festival É Tudo Verdade. Na quinta, 22, em São Paulo, e ontem, 23, no Rio de Janeiro.

O festival, que em 2008 premiou “Pan-cinema Permanente”, sobre o poeta e compositor Waly Salomão, de Carlos Nader, vem reafirmar, este ano, a  maturidade do gênero documentário musical, cada vez mais consolidado no país.

Foram exibidos, respectiviamente, nas sessões de abertura,  “Tropicália”, de Marcelo Machado, e  “Jorge Mautner - O Filho do Holocauto”, de Pedro Bial, que aliás, só conseguiu chegar no final da sessão carioca, segundo o também diretor do filme,  Heitor D´Alincourt, porque estava confinado no reality show.  Enfim,  o festival começou este ano duas vezes musical e tropicalista.

Neste sábado, 24, também será exibido no Rio, “Tropicália”. Para quem foi à abertura de ontem, vai ficar impressão de que um é a continuidade do outro. Caetano e Gilberto Gil, por exemplo (expoentes do movimento que traz ainda Mutantes, Gal, Tom Zé e Bethania), também participam ativamente de “O Filho do Holocausto”, realizado com a co-produção do Canal Brasil.

Afinal, faz parte da história deste compositor, o filme “Demiurgo”, uma espécie de pornochanchada filosófica, segundo Caetano e Mautner, feito no exílio deles em Londres, no final da década de sessenta, sem falar nas inúmeras parcerias, onde Gil e Caetano interpretam Jorge Mautner, cuja obra também marca profundamente o movimento tropicalista. Justo! Para o crítico Amir Labaki, idealizador e diretor do festival, os filmes escolhidos para abrir o evento dialogam, apesar de serem muito diferentes em suas linguagens estéticas. 

"A coincidência de terem ficado prontos ao mesmo tempo mostrou que são filmes que rimam, que dialogam – têm até sequências de arquivo comuns. Por outro lado, são estilisticamente muito diferentes.  ‘Tropicália’ se estrutura sobretudo sobre a articulação de um raro material de arquivo e deixa a ferramenta da entrevista apenas para a parte final do filme. Já o filme do Pedro Bial e do Heitor D’Aliconcourt se estrutura sobretudo em cima de depoimentos e músicas, com inserção muito pontual de material de arquivo”, diz.

O astral daquele finalzinho dos 1960, porém, não estava só na tela. Não. Prestigiando a sessão carioca estavam, entre outros, Gilberto Gil, o próprio Maunter, Nelson Jacobina, Eduardo Coutinho, Jards Macalé.

No filme, Mautner conta a própria história, narrando trechos de seu  livro de memórias, mas também traz a filha do músico, que fala de sua infancia com o pai. O primeiro assunto da conversa gira em torno do nome da moça: Amora - sem referencia à fruta, mas sim com o feminino de Amor, segundo Mautner. "Ainda bem que vocês me colocaram na psicanálise aos 8 anos. Isso salvou a minha vida, além de todo o amor que vocês me deram", disse.

O filme faz uma longa reflexão em cima dos pensamentos filosóficos, anárquicos e de amorosidades de Mautner. "Quando ele chegou em Londres foi amor à primeira vista", diz Caetano. "Ele veio para nos enterter, inventava tudo", arremata Gil e todos caem na gargalhada. Com gosto de alegria e entremeadado por imagens de arquivo e conversas de Maunter com amigos, o filme traz 26 músicas do repertório surpreendente do violinista, interpretado por ele e por Caetano e Gil, acompanhados pelos músicos Kassim, Jacobina, Pedro Sá,  Berna Ceppas e Domenico Lancelotti.

Em cartaz Vale dizer que não é somente dentro de festival È Tudo Verdade que os documentários musicais estão literalmente pipocando. 2012 abriu com chave de ouro, tendo as estreias de dois longas que passeiam pela obra de dois importantes artistas da música nacional.

O Começo, o fim e o Meio”, que estreou nesta sexta, 23, retrata os loucos anos de Raul Seixa e “A música, segundo Tom Jobim”, já desde o início de janeiro, que vem fazendo jus à carreira emblemática e ímpar do maestro compositor de Garota de Ipanema, uma das canções mais tocadas em todo o mundo e que, aliás, acaba de completar 50 anos.

Mais uma vez haverá vem aquela impressão de continuidade, pois Gil, Gal, Caetano, mais uma vez os Tropicalistas, estão inseridos nos dois filmes, como protagonistas de uma época. O filme sobre Tom Jobim, por exemplo, traz Gal cantando a primeira música do filme “Se todos fossem iguais a você”. Linda, sedutora, ela ganha toda a atenção da plateia. Com narrativa musical plena, a obra de Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim traz momentos que na verdade todos nós já vimos alguma vez na vida, como o duo de Tom com Sinatra, com Elis.

No entanto, a pesquisa mergulhou mais fundo e na tela também estão imagens raríssimas do compositor e seus diversos interpretes espalhados pelo Planeta Terra. Sem nenhum diálogo, este é um filme que faz valer a máxima de que as imagens, e eu acrescento ainda a música, valem mais do que mil palavras. É imperdível.

Em “O Início, o fim e o meio”, dirigido Walter Carvalho e Evaldo Mocarzel, está "a vida e obra do maior ícone do rock brasileiro, desvendando suas diversas facetas, as parcerias com Paulo Coelho, os casamentos e os fãs que ele continua a mobilizar 20 anos depois de sua morte".
Ainda não fui ver, mas é fato que, mais uma vez, na tela, se verá Tropicalistas, uma vez que as imagens do Festival Phono 73, do qual, além de Raul, participaram Caetano, Gal, Bethania e Gil. Aliás, querendo ver, tem este DVD nas locadoras.

Bem, se a gente for contabilizar, com certeza veremos que isso tudo faz parte de uma coisa só, com várias pontas que se entrelaçam e se estendem soberanas para além da linha do horizonte.

E como um filme único sobre a música brasileira seria algo impossível e interminável de se fazer, o jeito é ir contando aos poucos esta maravilhosa história da MPB.  Paulinho da Viola, Tom Zé, Wilson Simonal, Nana Caymmi, Maria Bethania já foram biografados no cinema, graças a nova febre do documentário musical que se fortifica no pais.

Mas ainda falta fazer muito. Quero saber agora, quando é que surgirão focadas as histórias de Jorge Bem Jor, Tim Maia e Rita Lee, Baden Powell, além de outros ícones, e indo além, amplificando as sonoridades vindas também de regiões extras ao eixo Rio São Paulo. No Pará, há projetos em andamento, como o de Mestre Viera, ícone das Guitarradas do Pará, e a de Mestre Damasceno, do carimbó marajoara.

Em meio a festa, também houve a tristeza da despedida. No mesmo dia em que abriu o festival no Rio de Janeiro, também morreu Chico Anísio, cuja história também invadirá os cinemas em 2013, trazendo além dos inúmeros momentos da trajetória humoristica do artista, sua última entrevista concedida aos diretores Fábio Porchat e Ian SBF. "Qual é a Graça" vai trazer ainda, mais de 100 entrevistas com personalidades do humor brasileiros, diretores e cartunistas de diversas gerações. Há também um quê de musical. Lembram de Chico Anísio - Baiano e Os Novos Caetanos? Pois, é. Vai por aí.

Abertura do festival, no Espaço Itaú de Cinema Botafogo
É Tudo Verdade – Enquanto isso, o principal festival brasileiro de documentários, já considerado também um dos mais importantes na América Latina, acontece simultaneamente no Rio e em São Paulo, até 1° de abril, com sessões competitivas de filmes longas e de curta metragem nacionais e internacionais, além de programas especiais e retrospectivas imperdíveis.

Em uma delas, está a mostra "Coutinho - O Caminho até 'Cabra'", que homenagea o grande Eduardo Coutinho, exibindo além de Cabra Marcado para Morrer, Coutinho Repórter, Crônica de um Verão, Exu, Uma Tragédia Sertaneja, O Pistoleiro da Serra Talhada, Seis Dias de Ouricuri e Theodorico – O Imperador do Sertão. Tudo com direito a debate com o documetnarista, no Instituto Moreira Salles, nos altos da Gávea.

Ao cumprimentar o público, Amir Labaki ressaltou o crescimento do evento e os parceiros, como o Oi Futuro, o BNDES e o Centro Cultural Banco do Brasil, além claro, da Petrobrás e Ministério da Cultura. Todos eles, acreditando cada vez mais no gênero documental como difusor da cultura brasileira. A novidade deste ano fica por conta da realização do festival novamente em Brasília (abril) e também, pela primeira vez, em Belo Horizonte (maio).

Para saber mais da programação, do É Tudo Verdade, entre no site do evento.

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