Quarto prêmios conquistados e mais uma indicação ao ESSO de Jornalismo. Há quatro meses, mais enfaticamente, que Ismael Machado vê suas séries de reportagens figurarem entre as melhores do país, sem falar na premiação literária do Instituto de Arte do Pará, que ele acaba de arrebatar, na categoria reportagem. Nesta terça-feira, 22, em São Paulo, ele receberá o Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, que chega a sua 35ª edição. A solenidade será às 19h30
, no Auditório Simon Bolívar do Memorial da América Latina. Antes de viajar, porém, o jornalista conversou com o Holofote Virtual.
Mergulhado na Amazônia, Ismael Machado vem cobrindo de maneira diferenciada a região. O olhar atento e a sensibilidade de um jornalista que traz a literalidade nas veias, ele leva através das palavras, o leitor para o cotidiano real dos que vivem o dia a dia ribeirinho ou urbano, no Pará.
Nos últimos meses, em meio a uma greve de jornalistas e a semana agitada do Círio de Nazaré, o reconhecimento de seu trabalho, que vem sendo evidenciado nacionalmente, teve novas repercussões.
Em julho, ele venceu o I Prêmio Paraense de Jornalismo Científico, com uma série que abordou o problema da água e do saneamento em Belém e alguns outros municípios.
“Importante porque é a primeira edição desse prêmio. Já vale pelo ineditismo”, diz Ismael. Em setembro saiu o resultado do Prêmio Líbero Badaró, no qual ele havia inscrito duas séries de reportagens, o “Dossiê Curió”, menção honrosa ano passado no Prêmio Vladimir Herzog.
“Quando anunciaram que eu era finalista, já achei uma grande vitória, porque a concorrência era com pesos pesados como O Globo, Folha de São Paulo e Zero Hora, por exemplo. O Diário era o único do norte, nordeste e centro-oeste. Acabou que levamos”, diz Ismael.
Recebendo prêmio em 2012 |
Logo em seguida veio mais uma premiação, o Vladimir Herzog, no qual o jornalista levou o primeiro lugar, na categoria Jornal, com a série Os Suruí e a Guerrilha do Araguaia, trazendo a premiação também para à equipe do Diário do Pará, que o acompanhou.
“Foram 89 reportagens inscritas na categoria impresso, se não me engano, vindas de todas as partes do país”, lembra o repórter.
Anualmente, o Vladimir Herzog premia nove categorias: Artes, Fotografia, Jornais, Rádio, Revista, Internet, TV – Documentário, TV – Jornalismo e Tema Especial. Já foram agraciados com o Herzog, inúmeros profissionais que militam nos principais veículos impressos e eletrônicos do país. Na capital paulista, Ismael Machado vai participar de uma programação extensa, que inclui roda de conversa com os vencedores, gravada e depois exibida no programa Observatório da Imprensa e a participação no Seminário Internacional sobre Violência Contra Jornalistas.
Já estão confirmadas as participações de Jim Boumelha, presidente da Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ); Celso Schröder, presidente da Federação dos Jornalistas da América Latina e Caribe (FEPALC) e da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ); da jornalista mexicana Anabel Hernández (“Os Senhores do Narco”); e do presidente executivo do Newseum e Freedom Forum de Washington D.C., James C. Duff.
Foram os ideais democracia, justiça e liberdade que motivaram a criação do Prêmio Vladimir Herzog.
A primeira edição, lançada 1978, três anos do assassinado do jornalista, nas dependências do DOI/CODI, em São Paulo, marcava o surgimento do primeiro prêmio jornalístico explicitamente antifascista do país, sendo um dos mais antigos do Brasil vinculado à luta pelos Direitos Humanos e Cidadania.
Além do Herzog, Ismael Machado está entre os finalistas do Prêmio Esso, concorrendo com duas series. Além da já premiadíssima “Suruí…” e a reportagem “Marcadas para morrer”, sobre mulheres na luta do campo ameaçadas de morte. O resultado do Esso será divulgado no dia 13 de novembro.
Já não bastasse isso tudo, na semana passada, surge mais uma conquista de Ismael, o Prêmio IAP de Literatura, na categoria livro-reportagem, com ‘Golpes, contragolpes e guerrilhas: o Pará e a ditadura militar’, onde ele faz um recorte de 64 a 89 no Pará. Na entrevista que segue, o jornalista fala das premiações, reflete sobre o jornalismo atual e dá sua opinião sobre as tomadas de decisões do Diário do Pará em relação aos profissionais que gritaram por seus direitos na recente greve dos jornalistas do Pará.
Dedicação ao jornalismo na Amazônia |
Holofote Virtual: Um prêmio já é uma felicidade. Foram quatro prêmios e mais uma indicação. Imagino e também não faço ideia. Como estás te sentindo?
Ismael Machado: Há uma sensação de estar fazendo a coisa certa e do jeito certo. Esse é um ponto. O outro é o aumento de um reconhecimento profissional que vem num crescendo. Mas ao mesmo tempo, a sensação de felicidade não é totalmente completa por conta do turbilhão de coisas vividas recentemente no Diário do Pará, que acarretaram alguns problemas.
Holofote Virtual: O jornalismo literário no Brasil é uma tendência?
Ismael Machado: Não sei. O que penso é que ele é uma boa saída para os jornais impressos por fugir da instantaneidade da notícia e por ir fundo nas histórias. É um caminho que gosto de trilhar, tropeçando aqui e ali, mas aprendendo a fazer.
Holofote Virtual: E o que dizer de estar na Amazônia fazendo jornalismo?
Ismael Machado: Que estamos no melhor lugar do mundo para se fazer reportagens, mas que não conhecemos absolutamente quase nada dessa região".
Com Marina Silva |
Holofote Virtual: Há mais uma indicação a prêmio, o ESSO, por duas reportagens. Os Suruí e a Guerrilha do Araguaia e Marcadas para Morrer. Podes falar um pouco a respeito delas?
Ismael Machado: A dos Suruí remete ao período da ditadura militar e da Guerrilha do Araguaia. Nos anos 70 esses índios tiveram as terras invadidas pelos militares e foram obrigados a caçar guerrilheiros comunistas. Há relatos de violência dos mais diversos tipos. A reportagem conta essa história. O ontem e o hoje dos Suruí.
A série ‘Marcadas para morrer’ trata da questão da luta pela terra no sudeste do Pará. De uma lista de 38 pessoas ameaçadas de morte, num levantamento feito pela Comissão Pastoral da Terra, dez eram mulheres. Fui atrás de cada uma delas e tracei um perfil, mostrando um pouco do cotidiano de quem vive sob a sombra da morte, da ameaça, da violência. Essa reportagem foi feita numa parceria inédita do Diário do Pará com a agência Pública de Jornalismo Investigativo, uma das saídas que vejo para as grandes reportagens.
Na Rio +20 (foto: Everaldo Nascimento) |
Holofote Virtual: O Diário do Pará, jornal em que você escreve, parece não estar em sua melhor fase, depois de ter dispensado e mexido em seu time de profissionais por causa da recente greve. Você, como repórter especial do jornal, teve qual conduta em meio a isso?
Ismael Machado: É complicado falar disso, mas sim, apoiei a greve, apesar de não passar pela mesma situação dos repórteres que encabeçaram o movimento. Mas como deixei bem claro à chefia no período, o meu lado do balcão é o de cá, ao lado dos repórteres, de quem, com talento, ajuda o jornal a ser o que é hoje.
Isso não quer dizer e nem significa que há deslealdade contra o jornal. Pelo contrário. Sou leal ao jornal, mas isso não significa que vá assinar embaixo de atitudes que considero erradas e injustas.
Não faço julgamentos morais de quem aderiu ou não ao movimento grevista dentro do jornal, mas faço sim, quando após a greve, colegas aceitam ocupar funções que não foram conquistadas pelo esforço e sim como retaliação aos grevistas.
Ou quando esses mesmos colegas que não apoiaram a greve, mas serão beneficiados pelos resultados dela, aceitam bônus financeiro por não terem participado do movimento. São pequenas coisas que determinam o teu lugar ético na história. E é lamentável que isso ocorra.
Varando rios e florestas |
Holofote Virtual: Houve retaliações ....
Ismael Machado: Acho que houve, desde o início, um péssimo ‘conselho de orientadores’ à direção do jornal em relação ao movimento. Acho que faltou o chamado ‘gestor de crises’. Tanto antes, como durante e agora, depois do fim do movimento.
Acabou o jornal fechando um acordo que aumenta em 50% o valor do salário dos repórteres, fotógrafos etc.
Ora, no dia seguinte eu teria colocado um anúncio de página inteira no jornal. Afinal, qual foi a categoria que ganhou esse percentual no Brasil?
Na semana de recomeço de trabalho teria reunido todo mundo e buscado remendar minimamente as fraturas. Mas o que ocorre? A mesquinharia pequena de retaliações. Isso é muito atrasado, coisa de quem na redação não age como liderança efetiva. Isso é um fato.
No meu caso, o discurso no Líbero Badaró em homenagem aos profissionais que estavam em greve, foi visto em alguns setores internos como uma traição ao jornal. Bobagem. O jornal já estava exposto na mídia nacional pela inabilidade na condução do movimento. Pela miopia e pela omissão entranhada em algumas pessoas que estavam do lado de lá do balcão, mesmo que na origem esqueçam que na verdade estão do lado de cá.
Faltou uma liderança efetiva no sentido amplo e faltou alguém que realmente soubesse gerenciar crises naquele momento tão importante. O jornal poderia se orgulhar de ter tido algo tão adequado à democracia, mas perdeu a oportunidade por fazer mais do mesmo nessa hora.
Lançamento do livro "Sujando os Sapatos" |
Holofote Virtual: Pois é. Eu estaria comemorando e gritando aos quatro ventos... Você acaba de receber inúmeras premiações que ligam seu nome ao do jornal. O Diário também te deu apoio ao lançamento de seu livro "Sujando os sapatos - O caminho diário da reportagem”, que reúne grandes reportagens, também publicadas no jornal. Você apoia a greve dos colegas de redação, e acaba sendo atingido. Não te parece tudo uma ironia?
Ismael Machado: Penso que retribuo o apoio recebido com um trabalho de qualidade, de responsabilidade e de profissionalismo. Ou seja, houve uma troca. Tenho levado o nome do Diário a ficar em pé de igualdade com os grandes jornais do país.
Podes dizer que isso é fruto de um trabalho de equipe. Sim, é, mas isso por si só não garante nada, se não houver iniciativa, boas ideias, qualidade na reportagem, ousadia de cair na estrada.
Há um trabalho muito solitário de diariamente ficar tentando catar uma história que renda, que dê fruto. E depois começar a produzir essa pauta. Essa produção, no sentido amplo, é feita por mim também. Mas é isso que me cabe enquanto repórter especial. É para isso que existimos no contexto de um jornal.
É por isso que ele, o repórter especial, precisa ficar afastado das matérias do dia.
É necessário esse tempo maior, essa maturação. E o resultado é a possibilidade de o jornal ter uma visibilidade nacional. Por conta desse trabalho, o Diário encabeçou os principais prêmios jornalísticos do país esse ano.
Novos planos e horizontes |
Holofote Virtual: Premiações, reconhecimento e novos projetos. Quais seus planos a partir de agora?
Ismael Machado: Não tenho pensado muito nisso. Na verdade, o que penso como plano é tentar continuar a fazer o que faço, sem que haja interferência negativa no caminho. Isso não ocorrendo, já é uma grande ajuda. Tem um documentário sobre o músico Pio Lobato, sendo feito devagar, já que sem recursos, tem o livro que o IAP vai publicar ano que vem, tem uma ideia de outra coletânea de reportagens.
Fiz algo novo pra mim que foi escrever uma peça de teatro, adaptada do meu primeiro livro, o Vapor Barato. Estou começando a discutir com a jornalista Ângela Gomes um documentário a quatro mãos. Planos há muitos. Ideias não faltam. Vamos ver o que acontece.
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