7.5.15

Ceronha Pontes desvela a cena de Camille Claudel

Contemplado pelo Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz 2014, na categoria de circulação, “Camille Claudel” agora ganha duas apresentações em Belém, nos dias 8 e 9 de maio, às 20h, no Teatro Cláudio Barradas.  O espetáculo também será mostrado em São Luis (MA), Vitória (ES) e São Paulo (SP), trazendo à tona o gênio de Camille, impresso nas formas que esculpiu, e em sua exuberante e implacável personalidade complexa e conflituosa.

Em cena, a atriz Ceronha Pontes, que concebeu o projeto e no qual ela atua de muitas formas. “Pesquisar, escrever, atuar, dirigir, produzir. São muitas as minhas funções no espetáculo. Em todas, no entanto, sou uma atriz realizando. Não me esqueço disso e fico muito atenta aos meus limites”, diz ela, que está vindo a Belém, pela primeira vez. “Não faço isso porque tenho super poderes. Faço porque é inevitável”, complementa.

Camille Claudel morreu em 1943, aos 79 anos de idade, pobre, sozinha numa cama de hospício, onde ficou por mais de 30 anos. Em vida, foi atormentada por um amor impossível, pelos preconceitos da sociedade francesa do século 19 e pela doença que a levou ao isolamento. A própria família a renegou. 

A história da escultora já conhecida também pelo cinema e literatura, na narrativa do espetáculo de Ceronha Pontes, não segue uma ordem cronológica. Em discussões às vezes dóceis, às vezes acaloradas, a atriz revela o rancor que corrói Camille Claudel, que em cena se confronta com as injustiças a que foi vitimada e o preconceito de gênero que permeou toda a sua trajetória, além do tolhimento artístico que lhe impunha Rodin e a sociedade.

Uma marca no espetáculo são as esculturas de Camille. “Quis que meu corpo pudesse representá-las de modo que, aquela legião de criaturas extraordinárias atravessassem o gestual, com toda naturalidade.

Quem conhece as obras vai identificá-las. Quem não conhece, vai pressenti-las. Camille ficou na sua obra. Mais do que em qualquer biografia que se escreva. Seu sofrimento e seu talento raro, seu amor e sua solidão, esculpidos em mármore. Para sempre”, comenta a atriz que utiliza barro e terra em cena.

Após o primeiro dia de apresentação, o público será convidado a um debate com a atriz Ceronha Pontes sobre Arte e Loucura, com participação do ator, artista visual e performer Nando Lima, do Estúdio Reator, e de Lia Navegantes, Lia Navegantes é psicanalista, Membro da Associação Lacaniana Internacional.

Ceronha Pontes é formada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará. Iniciou sua carreira no teatro em 1991, no Curso de Arte Dramática da Universidade Federal do Ceará, concluído com a montagem de “Viúva, Porém Honesta”, de Nelson Rodrigues, sob a direção de Bruno Correia Lima. 

O Coletivo Angu de Teatro, grupo que ela integra, esteve em Belém com o espetáculo “Angu de Sangue”, em 2008. Na época, ela ainda não era da trupe, por isso, será sua primeira vez em Belém. E quanto a isso, há entusiasmo.

“Todos me dizem da alegria e amabilidade de sua gente. Além disso, quero comer de tudo e dançar o seu carimbó. Não por acaso Belém foi a primeira cidade escolhida para a nossa circulação. Obviamente, que é uma super oportunidade de mostrar nosso trabalho, mas principalmente de ampliar nossos conhecimentos sobre nosso próprio país, tão grande, tão diverso e rico”, diz a atriz, que esticou mais ainda o papo com o Holofote Virtual.

Holofote Virtual: Como iniciou o seu interesse pela história de Camille Claudel. 

Ceronha Pontes: Apesar de ter nascido de mãe escultora, só atentei para a obra de Camille depois dos vinte anos. Até lá tudo o que eu sabia era que ela tinha sido amante de Rodin. Foi quando uma amiga me mostrou a imagem de Sakuntala.

Eu perguntei quem tinha feito e ela me que disse que Camille Claudel. E seguiu me apresentando outras figuras: A pequena Castelã, A Valsa, A Implorante... Foi nesse dia que fui apresentada à artista Camille Claudel, e ela me arrebatou. Esta mesma amiga me apresentaria a sua correspondência e então não pude mais parar. 

Holofote Virtual: Você imaginava que faria um espetáculo?

Ceronha Pontes: Não percebi de imediato que uma investigação já havia começado e que resultaria numa peça de teatro porque eu, indignada, não saberia me calar. Demorei nove anos, porque nesse momento eu sabia que não estava madura o bastante para leva-la à cena. Nem como atriz, nem como mulher. Precisava viver mais, dentro e fora de cena até me sentir preparada. 

O primeiro texto resultou muito longo, e nada atraente, pois minha necessidade de ser fiel à história era muito forte. Numa leitura para convidados percebi que eu ainda não tinha a peça. Disseram que o texto parecia uma biografia e, pior, autorizada por Rodin, de tão cautelosa que fui. Que eu não devia ter medo da “loucura” de Camille.

Depois desta conversa abandonei a cronologia e segui a lógica das minhas lembranças. Abandonei o papel e fui escrever com meu corpo na sala vazia. Através desses improvisos eu pude descobrir o que mais me perturbava e convocava em Camille.

Em cena, indo e vindo de um ambiente a outro como numa costura em linhas tortas, Camille aparece na Villeneuve da sua infância, no ateliê (o seu e também o de Rodin), no hospício e no Inferno. Rodin concebia As Portas do Inferno, quando conheceu Camille. Uma escultura inspirada na obra de Dante, e também nos Paraísos Artificiais, do Baudelaire. Sobre este último autor, eu havia feito antes um trabalho curto a partir de Um Comedor de Ópio e não creio em coincidências.

Holofote Virtual: Após a apresentação do primeiro dia, o público será convidado a participar de um debate sobre arte e loucura. Como tem sido estas discussões por onde vocês passam, e qual a tua visão acerca do assunto?

Ceronha Pontes: São sempre muito enriquecedoras. Esse assunto não se esgota. A arte e a loucura se avizinham na medida em que são modos diferentes e quase sempre incômodos de enxergar e exercer a realidade. Camille traz essa discussão, sobretudo porque sua internação foi uma perversidade. Um diagnóstico duvidoso, uma sentença cruel. Na verdade ela foi punida por causa de sua genialidade. Desafiava todas as convenções e impunha sua arte revolucionária numa época em que gênios de saia não eram bem-vindos. 

Holofote Virtual: O que te move para esta circulação com o espetáculo?

Ceronha Pontes: Uma obra que nasce da minha indignação, da minha devoção, do meu desejo, então eu sigo o instinto e me amparo na humildade e na busca de conhecimento. Eu só sei ir. E não vou sozinha. Nunca. 

Nada disso seria possível sem os esforços dos meus companheiros de trabalho. Desde aqueles que realizaram a primeira montagem lá no Ceará aos que hoje seguram todas as ondas comigo em Pernambuco.

Com Tadeu Gondim eu vou de olhos fechados. É um produtor com alma de artista. Sensível, tem muito respeito por esse trabalho, o que é fundamental. Não está aí para vender a peça, o que tornaria impossível a nossa relação, mas para fazer ecoar o clamor de Camille. “Eu exijo em altos brados a minha liberdade”, dizia ela. 

O Sávio Uchoa é um querido parceiro do Angu. Confiamos absolutamente na sua sensibilidade. E o Walter Façanha fez com que a peça tivesse duas atrizes: eu e a iluminação. E é uma alegria contracenar com todas as criaturas que sua luz sugere. E assim seguimos, em estado de alegria e aprendizagem constantes, encontrar o elemento que falta para que o teatro se faça: o público. 

Holofote Virtual: Além de teatro, você também atua em cinema, como é isso?

Ceronha Pontes: Fiz poucos filmes, mas foram experiências bem felizes, com as quais aprendi muito. Entre outras participações mais breves, já fui a Mulher Biônica, um filme inspirado no conto Creme de Alface, do Caio Fernando Abreu, do cineasta cearense Armando Praça. 

Também a Elisa, protagonista do ainda inédito Anedonia, do diretor estreante André Valença, de Pernambuco. Recentemente filmei uma participação no Big Jato, do Cláudio Assis e foi uma alegria, ele é mesmo um sujeito raro.

Holofote Virtual: Seja teatro, cinema, você respira tudo isso. E certamente deve estar envolvida em outros projetos... Quais?

Ceronha Pontes: Sim, estou montando um espetáculo musical ao lado de Gonzaga Leal, intérprete pernambucano por quem tenho enorme carinho e admiração. Gonzaga é o mentor do espetáculo e me confiou a dramaturgia, além de me convencer a cantar com ele. Um desafio e tanto. A direção é do André Brasileiro, com quem já trabalho no Coletivo Angu. É uma homenagem ao poeta Manoel de Barros e vai se chamar Concerto de Assobios. 

Além disso, estou investigando a vida e a obra da poetisa uruguaia Delmira Agustini, razão de minha vinda a Montevideo, para uma temporada de estudos de seis semanas. Uma mulher extraordinária que pretendo levar à cena em 2016.

Onde ver

Espetáculo “Camille Claudel”, com Ceronha Pontes (Recife-PE). Dias 8 e 9 de maio, às 20h, no Teatro Cláudio Barradas - Jerônimo Pimentel, 546, esquina com a Travessa D. Romualdo de Seixas. Ingresso: R$ 20,00 (R$ 10,00 meia). Mais informações: 91 98134.7719 (whatsapp).

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