Na última sexta-feira, 29, enquanto centenas de professores adentravam no Hangar Centro de Convenções da Amazônia protestando contra o corte em seus cheques como represália à greve na educação, que já dura mais de dois meses, estudantes, artistas, produtores e cidadãos de modo geral, também ecoaram suas vozes em outras manifestações, ao lado do Bar do Parque, com o ato realizado pelo PROA, e no Solar da Beira, com a ocupação Solar das Artes.
Artistas, professores, produtores, cidadãos. A sexta-feira, 29 de maio, foi marcada pelo exercício de cidadania, com ações legítimas em defesa da educação e da cultura, dois setores que há muito vêm sofrendo cortes e carecendo de políticas públicas sérias que contemplem a sua importância para a construção de um país melhor.
Quem não participou, foi para o facebook para acompanhar as diversas imagens, fotos e postagens de apoio aos professores que adentraram no Hangar Centro de Convenções da Amazônia, onde era realizada a abertura da 19ª Feira Pan Amazônica do Livro. Ficou claro que nem professores e nem estudantes admitem mais a situação a que chegou a educação neste país.
Enquanto isso, na calçada do Bar do Parque, conhecido reduto de convergência de ideias e diversidade cultural, situado ao lado do Theatro da Paz, outra manifestação, com revindicações tão legítimas quanto a dos professores, reunia mais de 1000 pessoas, que passaram, circularam e pararam para assinar e ouvir as falas do movimento PROA – Produtores e Artistas Associados.
O movimento vem sendo construído há meses, com reuniões semanais para estudos de leis públicas de apoio à cultura existente em outros estados brasileiros, que já aderiram ao Sistema Nacional de Cultura, principal ferramenta para a democratização e acesso à cultura, que vem sendo negada ao Pará. Nossos Sistemas de Cultura, tanto municipal quanto estadual, não estão implantados e se encontram com seus processos emperrados por falta de interesse dos respectivos governos.
A programação cultural, que atraiu o público para o ato, teve, entre outros, a presença de Dona Onete, uma das maiores representantes da cultura do Estado, no país e atualmente no exterior, de Bruno B. O. representando a voz social de excluídos e Gang do Eletro, entre outros artistas que representam a classe artística na cadeia produtiva da música.
Nem só de música, porém, evoluiu o Ato do PROA, que recolhia também assinaturas em petições públicas em prol da implantação dos sistemas municipal e estadual de cultura e exibiu um vídeo em que artistas e produtores revindicam os diretos de todos à cultura em nosso estado. No mesmo dia em que foi postado, ganhou mais de 10 mil visualizações e hoje (31 de maio) já tem mais de 12 mil, e mais de 400 compartilhamentos.
A crise na cultura não é um problema isolado do Estado do Pará. Em nível nacional a Funarte vive talvez um dos piores momentos de sua história. Está com todos os processos emperrados. Há projetos aprovados, que vêm sendo realizados sem recursos recebidos, pra não atrasar suas agendas, e há outros que também já foram contemplados e não puderam iniciar.
O setor cultural passa por mau momento nas três esferas de governo. As leis de incentivo não funcionam, possuem inúmeras contradições e não encontram eco no empresariado, deixando produtores e artistas com cartas na mão.
Lúcio Flávio Pinto, em noite também de boas falas
Na noite de 29 de maio de 2015, que com certeza entrou para a nossa história, entre outros, foram ao microfone, a jornalista Úrsula Vidal, o geógrafo e músico Cincinato Marques, o produtor cultural Pedro Vianna e o sociólogo, jornalista e professor Lúcio Flávio Pinto. Ele chamou atenção para a situação do poder econômico do Pará não direcionado a investimentos públicos que poderiam ser feitos a partir do aproveitamento de nossas riquezas.
Ao falar em riqueza, Lúcio levantou uma comparação das mais pertinentes que ouvi naquela noite. A Era da Borracha e a Era do Ferro. Dois ciclos “áureos” da nossa história e de como os governantes de cada época soube ou sabe aproveitar a riqueza que o estado exporta para outros estados brasileiros e outros países.
Quando ele fala de governantes, lembra imediatamente de Antônio Lemos, até hoje a maior referencia da administração pública de Belém. Fala de sua atuação, que chegou a inspirar o carioca Francisco Pereira Passos (1836 – 1913), que revolucionou em saneamento e urbanização do Rio de Janeiro, entre 1902 e 1906.
“Estou fazendo essa referência porque nós costumamos dizer que Antonio Lemos foi o nosso melhor prefeito. E a cada novo prefeito, a gente tem mais razão de achar isso. Mas não conseguimos perceber que, o que nós estamos vivendo agora é uma época mais importante do que a era da borracha”, chama atenção, Lúcio Flávio.
Antônio Lemos, Intendente que administrou Belém de 1897 a 1912, período de apogeu do comércio da borracha, foi precursor do que Pereira Passos fez no Rio de Janeiro e que até hoje a projeta como Cidade Maravilhosa. Assim, como Belém está sempre associada a sua Bélle Époque, feito de Lemos.
O intendente foi buscar na França, centro irradiador da cultura mundial, os fundamentos para o seu plano de modernização, transformando a capital paraense em uma Paris N’Àmérica, impressionando o escritor viajante Euclides da Cunha de passagem por aqui em 1904: "nunca esquecerei a surpresa que me causou aquela cidade. Nunca São Paulo e Rio de Janeiro terão as suas avenidas monumentais, largas de 40 metros e sombreadas de filas sucessivas de árvores enormes. Não se imagina no resto do Brasil o que é a cidade de Belém, com os seus edifícios desmesurados, as suas praças incomparáveis e com a sua gente de hábitos europeus, cavalheira e generosa. Foi a maior surpresa de toda a viagem".
E Lúcio continuou. “Se nós formos ver o quanto representa o minério de ferro, hoje o principal produto de exportação do Brasil, e que a borracha só foi o principal produto de exportação do Brasil durante um ano, o resto foi a Era o Café de São Paulo, nós vamos ver que a história está nos dando a oportunidade de fazer aquilo, que nem o Lemos, nem os intelectuais que falavam fluentemente francês e impressionaram Euclides da Cunha, conseguiram. No entanto, nós achamos que o melhor da nossa história foi o período da borracha e não o da mineração”, disse o jornalistas, um dos maiores defensores dos direitos da Amazônia, editor do Jornal Pessoal.
O jornalista ressalta que já temos meio século de mineração no Pará. E que se no início disso tudo o Estado exportava em torno de R$ 200 milhões de dólares, em 2014, exportamos R$ 14 bilhões de dólares. Em 2013, foram R$ 18 bilhões de dólares.
“O Ferro é o maior produto do país, somos o quinto exportador do Brasil, o segundo que mais dá divisas e dólares pro Banco Central. E nós estamos felizes, ricos, desenvolvidos? Não. Nós somos o 16º estado brasileiro em IDH - Índice de Desenvolvimento Humano, e somos o 21º, junto com os estados nordestino, sendo o único estado da Amazônia, em renda per capta, que é a divisão de riqueza pela população”, disse.
Embora estejamos em um ciclo muito mais importante do que o da borracha, de valor econômico muito maior, não estamos conseguindo transformar isso em riqueza. Lúcio Flávio diz como entende isso. “Não estamos conseguindo isso porque nós não somos personagens da história. Sem entender o que está acontecendo é evidente que não vamos conseguir mudar os rumos das coisas", comenta.
"E os rumos do que está acontecendo na Amazônia e no Pará, em particular, são os rumos do velho processo de exploração e sangria das riquezas naturais. Então eu estou aqui ao lado do Theatro da Paz e estou tentando dizer pra vocês que hoje no cotidiano da história, temos a oportunidade de fazer uma grande e nova história. Vamos ver se a gente consegue recuperar este desafio e responde-lo adequadamente, muito obrigado”, encerou aplaudido pelo público presente.
Em defesa da cultura paraense, assinem as petições, manifestem-se nos links abaixo:
Clique para assinar pelo Sistema Estadual de Cultura
Clique para assinar pelo Sistema Municipal de Cultura
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