A performance gastronômica foi a segunda ação realizada pelo projeto “Kiuá Nangetu!”. A jornalista ativista Luiza Cabral estava lá e nos relata, no texto abaixo, como tudo aconteceu.
O sol castigava quem passeava pelo Ver-O-Peso naquele sábado, dia 21 de março.
Feirantes e transeuntes andavam pelos corredores da feira, sons de conversa e música se confundiam no ar. Era hora do almoço e uma possibilidade inusitada de refeição se mostrou possível aos que ali estavam. “Magudiá – À margem do alimento”, intervenção do artista de terreiro Carlos Vera Cruz, ofereceu, despretensiosamente, a sagrada comida do candomblé à quem se interessasse.
Omolocum: feijão e camarão, em preparo tradicional em uma grande travessa de barro. Quem servia os pratos individuais a serem distribuídos era Mametu Nangetu, abençoando o alimento por ela preparado. Carlos conduzia a ação, balbuciando um discurso, na tentativa de explicar o ato solidário.
“Na nossa religião é assim, entendemos que o alimento precisa ser compartilhado. Com isso , levamos aos que nos cercam o verdadeiro espírito de nossa crença”, dizia em tom intimista o artista, em meio ao agito da feira. Todos vestidos de branco, respeitando a tradição das religiões de matriz africana. Ao redor, muitos olhos atentos e curiosos ao que acontecia ali.
Seu trajeto de pesquisa e experimentação em artes, guiado principalmente pelas expressões cênicas, levou Carlos a hoje utilizar o teor combativo da performance para aprofundar o debate sobre a identidade afro-amazônida tradicional.
Seus recentes trabalhos, como o “Negra Luz”, que vem sendo desenvolvido em seu projeto de mestrado, aponta essa direção. A obra em questão parte de uma leitura da fotografia “Negra Luz”, de Alan Soares, para induzir uma leitura sobre os orixás. “Neste trabalho os orixás foram significados no corpo nú, nas ações e nos mínimos elementos utilizado”, conta.
Na sua proposição para o “Kiuá Nangetu!” o caminho não poderia ser diferente. “Com a performance feita no Ver-O-Peso me propus a compartilhar uma comida de santo, no caso de Dandalunda (Oxum), com os transeuntes, os feirantes, compradores, enfim, todos que circulam aquele universo da feira. Compartilhar é uma coisa que nós das tradições de matriz africana fazemos, e dividindo o alimento esse conceito ganha potência”.
As reações à ação foram diversas. Alimentando-se do Magudiá, alguns deleitavam-se no sabor, outros se mostravam desconfiados – indicando a linha tênue entre aceitação e preconceito. Veja aqui o video da performance: https://www.youtube.com/watch?v=aN-6tEsy_GA
Sobre Carlos Vera Cruz - Ator, diretor, professor e pesquisador de teatro. É formado em Licenciatura Plena em Teatro pela Universidade Federal do Pará. Iniciou carreira em 1999 na Usina de Teatro da Unama – Universidade da Amazônia.Integrou como ator os grupos de Teatro Palha, Verbus - A poesia se fez carne, e Teatro de Apartamento.
É também cenógrafo e iluminador; já tendo concebido e executado cenário e iluminação dos shows de artistas locais. Atualmente, além de ministrar oficinas de artes cênicas, desenvolve pesquisa e criação performática com cultura afro-brasileira, performance de gênero, e intervenção urbana.
Saiba mais - “Kiuá Nangetu! Poéticas visuais de resistência negra” é um projeto de vivências poéticas, interferências midiáticas e intervenções urbanas com artistas do terreiro “Mansu Nangetu” e também de outros terreiros convidados, com obras e poéticas oriundas do cotidiano das práticas tradicionais dessa comunidade de terreiro afro-amazônico e seus parceiros. As ações iniciaram em março e se estendem até o mês de maio de 2015, culminando com o encerramento das comemorações dos 10 anos de criação do Instituto Nangetu.
Apoio na divulgação: Blog Holofote Virtual
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