Fotos: Divulgação |
A intervenção artística da artista Isabela do Lago deu início às atividades do projeto “Kiuá Nangetu! Em "Poéticas visuais de resistência negra”, a artista convidou os transeuntes a vivenciar uma saudação à figura feminina, em sua proposta representada por Mikaia, senhora das águas, amplamente conhecida como Iemanjá. O vídeo resultado da intervenção já pode ser acessado no canal Youtube. Gravado nas areias da praia de São Francisco, em Mosqueiro, no dia 8 de março. O blog publica a seguir, mais uma matéria, da série de textos de Luiza Cabral
Sob o título “Mikaia te espera na Kalunga”, Isabela evocou a divindade das águas e a ela concedeu como oferenda seu processo artístico.
O caminho que levou a artista até aqui foi traçado ao longo de quase vinte anos de experimentação no campo das artes, tendo como foco principal a pintura. O resultado deriva de um longo processo de descolonização, em busca de uma identidade libertária que prestigie a produção e a vivência que contemple a negritude e a potencialidade da mulher.
“Inicialmente, eu precisava dar fim à série de pinturas ‘Mulheres Líquidas’, onde eu catava portas abandonadas na rua e pintava nessas portas imagens de mulheres, de entidades, de aparições-acontecimentos, mulheres sagradas e me autorretratava nisso, mas sentia a necessidade de romper com algumas coisas, como o uso da influência eurocêntrica na minha pintura.
Era um desejo de morte, mas não desse formato de morte que a gente aprende que é uma morte-fim, eu queria uma morte-recomeço, eu precisava morrer! Daí veio a ideia da Kalunga, que muito embora o senso comum veja a Kalunga como morte, nós bantus, sabemos que é a infinitude, um lugar de ‘eterno retorno’”, conta a artista.
Nesta busca, Isabela encontrou a melhor representatividade em Mikaia. “Ao dividir esse pensamento com irmãos mais velhos, percebi que havia algo ainda maior, havia a simbologia matriarcal das deusas das águas profundas, Mikaia, Iemanjá, e nisso tudo, uma história trilhada com resistência afrofeminina, então minha pintura virou um grão de areia diante da grandeza desse mar, dessa Kalunga”, explica.
Influenciada pelo embalo da maré, Isabela e sua pintura se demoraram à beira das águas, deixando que o rio decidisse a hora de lavar seus cabelos e levar sua obra. “Depois de mergulhar, depois de pintar, me botei ali na beira e esperei que a maré enchesse até cobrir a minha cabeça e levar a pintura, mas as águas não a levaram, o objeto boiava indo e voltando, a imagem de Mikaia dançava para mim”. No registro da ação, Isabela contou com o apoio das artistas Luana Peixe e Evna Moura.
Isabela do Lago - Aos 37 anos, Isabela já tem quase duas décadas de atuação artística. Começou como bailarina, mas sempre pintou e desenhou. Nos últimos anos, sua produção passou a se relacionar mais estreitamente com sua religião, o candomblé. Expôs pelo “Nós de Aruanda”, em 2013 e 2014.
“De modo geral, minha produção tem a ver com minha retomada a religiosidade de matriz africana, não tenho uma organização cronológica certa, mas posso dizer que desde 2008 eu já vinha frequentando casas de santo no Marajó, e foi quando comecei a catar objetos de madeira na rua e retratar essas experiências, momento em que nasceu ‘Mulheres Líquidas’, em que eu já pensava o lugar da mulher afroamazônida, e já me questionava sobre a ausência desta mulher no circuito de arte, sem me dar conta de que nossa religiosidade não está separada da arte, nem da política.
Essa consciência veio com a vivência entre terreiro e galeria. Com o ‘Nós de Aruanda’ me atirei dentro do movimento negro, quando eu estava me perdendo e me achando entre pesquisadora, produtora, curadora e adepta... É difícil pensar em trajetória pontualmente quando se está enegrecendo, volto a responder daqui há 20 anos”, brinca.
Veja o video: https://www.youtube.com/watch?t=143&v=sdTKQi8sJek
Saiba mais - “Kiuá Nangetu! Poéticas visuais de resistência negra” é um projeto de vivências poéticas, interferências midiáticas e intervenções urbanas com artistas do terreiro “Mansu Nangetu” e também de outros terreiros convidados, com obras e poéticas oriundas do cotidiano das práticas tradicionais dessa comunidade de terreiro afro-amazônico e seus parceiros. As ações iniciaram em março e se estendem até o mês de maio de 2015, culminando com o encerramento das comemorações dos 10 anos de criação do Instituto Nangetu.
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