6.6.16

Festival de Primavera destaca cultura do salgado

O município de Primavera, na zona bragantina, viveu neste final de semana, uma programação intensa envolvendo os moradores num festival criado para resgatar a cultura e identificar artistas e produtores culturais da região. O Festival Arte de Primavera teve Carimbó, Marujada, Artesanato e apresentou ainda a culinária típica do município. 

Pratos inusitados foram destaque no Festival Arte de Primavera, que se despediu neste domingo, 5, do público. Na região, a cultura alimentar preserva antigas práticas e surpreende com a criação de pratos com o uso de ingredientes inusitados, como as flores, e também com aqueles conhecidos por todos, como o pescado e a macaxeira que serve de base para a criação de um macarrão.

Nascida em Primavera, Dalva Monteiro, 31, herdou da mãe o gosto por cozinhar. “Ajudava a mamãe na cozinha e fui gostando. E foi trabalhando com a Pastoral da Criança que fiz alguns cursos de especialização na cozinha e fui aprendendo a não desperdiçar a comida, fui aprendendo a aproveitar tudo dos alimentos. Da macaxeira a gente aproveita tudo”, ensina.

E contra o desperdício, Dalva segue produzindo novos pratos, como o macarrão de macaxeira. A receita é simples: depois de se retirar a casca da macaxeira (aquela grossa, de cor escura), retira-se a segunda casca com cuidado para não despedaçar, pois é dela que o macarrão será feito. 

Depois de retirada, corta-se a casca em tiras finas. Leva-se ao forno para escaldar por cinco minutos. “A gente escalda pra retirar algumas impurezas. Você pode ver que a água vai ficar um pouco escura”, completa Dalva. 

Em seguida, cozinha as tiras com sal a gosto por cerca de quinze minutos. “Depois de pronto você come e é igual o macarrão de todo o dia. Você vai do seu gosto em misturar com o molho que você quiser”, ensina.

Outro prato inusitado é o preparado com flores. Lucimar da Silveira, 51, encontrou na cozinha o sustento para criar os cinco filhos depois do término de um casamento de mais de 20 anos. “Sem casa e tendo que criar meus filhos, saí de Primavera e fui pro Atalaia, em Salinas pra trabalhar nas barracas da praia. Lá, aprendi a fazer tudo,” conta.

As flores utilizadas na culinária são facilmente encontradas na região e são conhecidas como Trepadeira (Clitoria ternatea L. e também conhecida como Flor de Ervilha) e a Maravilha. A primeira de um azul forte e a segunda, alaranjada. As flores são utilizadas no preparo da salada, no refogado do arroz. 

“Pra salada você só lava com água com algumas gotas de água sanitária pra tirar as sujeiras. Depois é só preparar a salada com pepino, cebola, tomate e alface. Para o arroz, você coloca no refogado junto com o alho, a cebola e o sal”, completa Lucimar. 

Empolgada com os resultados, Dalva foi experimentando novos usos. 

“A gente começou a usar nos pratos. Depois eu pensei, porque não se faz um suco da flor também? Eu já fiz e aprovei”, complementa. Os pratos chamam a atenção não só pelo colorido das flores, mas também pela qualidade do alimento. A flor de ervilha é rica em vitaminas A e E. 

“Isso é uma maravilha porque a gente planta e vai direto pra nossa mesa. Aqui não tem agrotóxico, é tudo orgânico. É pura saúde e faz muito sucesso. Agora estamos também trabalhando com mudas para venda”, explica.  O comércio é feito através da Cooprima, a Cooperativa de Agricultura Familiar do Município de Primavera. É através da cooperativa que as agricultoras recebem cursos de capacitação e incentivo para a divulgação e comercialização de sua produção que ainda está no início. 

Pescado - Localizada na região do Salgado, Primavera também é influenciada pelas águas fluviais, sendo banhada pelos rios da Taboa, da Chácara, das Pedras e do Caqueiro. 

Situação que garante pescado o ano inteiro o que se reflete na culinária local. Peixes de água salgado, como a gó, a tainha, o bandeirado e a corvina são facilmente encontrados no mercado municipal ao lado do pescado dos rios, como traíra, o giju, tamuatá e o jandiá.

Maria Odete, 49, é uma empreendedora na Vila da Telha, comunidade de pescadores. O marido traz do mar os peixes preparados por ela nos restaurante da família. Ali, Odete pesquisa novas receitas e, com muita criatividade, vai criando novos pratos que fazem sucesso entre os clientes. 

“Adoro peixe! Faço de todo o jeito: cozido, frito e com molho. A tainha no tucupi deu muito certo. Todo mundo gosta. Outro prato que também o pessoal pede muito é a salada de siri. Faço com macarrão parafuso. Fica uma delícia. Você tem de provar!”, convida.

O Festival de Arte de Primavera  surgiu da reunião das associações de moradores, agricultores, costureiras e artesãos que tomaram a iniciativa de criar um festival envolvendo a participação das comunidades para destacar a cultura local e promover novas alternativas de renda no município com a realização de oficinas e palestras sobre arte e empreendedorismo.

“Com o crescimento do município para a indústria foi-se deixando de lado outros recursos. Nossa intenção é mostrar que a região possui outras matérias primas a serem exploradas. 

Queremos destacar as características culturais de Primavera”, destaca Javier Marcelo Villegas, empresário e um dos coordenadores do Festival.

Desde 2010, a Votorantim possui uma indústria de produção de cimento no município, o que garantiu um aumento na renda e na geração de emprego para os moradores, mas que também pode fazer com que os mais jovens esqueçam antigas práticas culturais da região. “Não queremos ficar só na dependência da indústria do cimento. Porque acaba esquecendo-se de explorar alternativas, como a cultura para ampliar seu desenvolvimento, como o turismo”, finaliza Marcelo Villegas.

O nome do município é uma referência às flores que nascem com facilidade na região, como o buganvile (bougainvillea glabra), também conhecido como Três Marias e Primavera. Aos 57 anos de idade, Tia Rica, como é conhecida Raimunda Augusta Galvão Bezerra é uma das poucas moradoras que conhece a história do surgimento do município. 

"As primeiras casas foram construídas pelos filhos do casal formando um quadrado, o que resultou no primeiro nome da localidade: Vila dos Quadros. Depois passou a ser conhecida como Vila Poranga, em referência a um lago que já não existe”, diz Raimunda. 

Hoje com cerca de 10 mil habitantes, guardada no km 12 da PA 456, o município de Primavera segue sua rotina de cidade de interior desde que foi povoada, no início do século 20, por  Antônio Maximiniano e Georgina, um casal de bragantinos. 

(Com informações do jornalista Wanderson Lobato, que esteve no festival)

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