24.5.19

Novas tendências e caminhos ao futuro dos museus

Fotos: Cristina Lacerda
À convite do Oi Futuro, o Holofote Virtual esteve no Rio de Janeiro, na última quarta-feira, 22, participando do lançamento de uma pesquisa inédita sobre a percepção dos brasileiros sobre os museus nacionais. O trabalho foi realizado pelo instituto de inovação e criatividade da Oi, em parceria com a Consumoteca.

Vou pegar carona na letra de "O Tempo não Para", de Cazuza. O Brasil é um "museu de grandes novidades". Assim nos demonstra o resultado da pesquisa encomendada pelo Instituto Oi Futuro, que teve como objetivo trazer questões e apontar novas tendências que sirvam para o desafio de repensar o papel das instituições e acervos museológicos do país, para engajar o público e atrair mais visitantes.

Os pesquisadores queriam saber ‘O que o público pensa atualmente sobre os museus brasileiros, por que muitas pessoas não os frequentam, como os museus podem atrair mais público, como a tecnologia pode ajudar, qual é o papel da escola nessa relação e como o museu pode estar conectado com a comunidade.

600 brasileiros, frequentadores e não frequentadores de museus, das classes A, B e C, moradores de cinco capitais: Rio, São Paulo, Porto Alegre, Recife e Belém, responderam às questões, sendo ouvidos no segundo semestre de 2018, em setembro, logo após a tragédia ocorrida com o Museu Nacional.

Dados quantitativos e qualitativos confirmam o que já suspeitávamos há tempos. 50% dos entrevistados acham que museus são lugares para visitar uma só vez, os vêm como locais elitizados, monótonos e sem novidade. Em relação ao papel da educação, a pesquisa revelou que muita gente teve o primeiro contato com museus em excursões escolares. E o que era para estimular, porém, acabou gerando frustração. 

55% dos entrevistados disseram que voltaram para casa com uma visão de rigidez, entendendo os museus como locais onde não se pode tocar em nada nem fazer barulho, e onde a aprendizagem ocorre de forma passiva, tendo como objetivo a transmissão de conhecimentos a serem cobrados em provas.

A situação que se repete é agravada na contemporaneidade em meio à velocidade de um cotidiano absorvido pela tecnologia. Isso exige dinâmicas e mais poder de atração do público. Fui a museus com a escola, e era ótimo aprender e ver coisas novas fora da sala de aula. Nunca perdi meu interesse por esses espaços, mas os tempos eram outros.

A pesquisa diz nas entrelinhas que as instituições precisam colocar a criança no dia a dia do museu e que se deve investir na preparação dos professores e participação das famílias, incluindo-os nos movimentos de criação e recriação do museu. A comunidade deve se ver representada, sendo uma peça viva daquele espaço.

Seis especialistas em áreas como museologia, patrimônio, educação e história participaram do levantamento. Eles acreditam que é preciso que os museus se reinventem como espaços onde o público possa viver experiências, que não podem ser reproduzidas virtualmente, com ciclos mais dinâmicos de exposição, inspirados na rotina dos centros culturais.

Já disponível para download, o levantamento traz essas e muitas outras informações e dados que são fundamentais para os 3.000 museus brasileiros registrados no IBRAM (Instituto Brasileiro de Museus), com o público. É preciso buscar novos caminhos e reverter esta realidade.

Especialistas debatem os resultados da pesquisa

No auditório do Oi Futuro do Flamengo, que lotou com público formado por estudiosos da área social, da museologia e da educação, além de autoridades, imprensa e público em geral, foi realizado um bate papo sobre a pesquisa.

Conduzido por Bruna Cruz, museóloga do Instituto Oi Futuro, contou com a participação de Michel Alcoforado, do Instituto Cosumoteca, que apresentou detalhadamente a pesquisa, além dos especialistas Marília Bonas, historiadora e mestre pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias e de Mário Chagas, diretor do Museu da República (RJ), poeta, museólogo e ativista, Mestre em Memória Social pela Unirio e doutor em ciências sociais pela Uerje.

Mario Chagas é responsável por uma experiência inovadora no Museu da República do Rio de Janeiro, hoje considerado um Museu Clube, que desperta o gosto e o amor do público pelo lugar, encadeando uma relação afetiva e amorosa entre ambos. “Hoje, as pessoas até fiscalizam os cuidados com o espaço”, diz Mário Chagas que dirige o museu, buscando, aos longos dos anos, compreender e inovar o espaço museológico como um espaço também de relações sociais. 

“Compreendi que, se a museologia que não servir para a vida, não serve para nada. Falo da vida social e, neste sentido, o nosso desafio é pensar e praticar a museologia como espaço de relação e convivência", disse.

Ele, porém, ressalta que cada caso é um caso e cada espaço tem suas especificidades. "O Museu da República é diferente de um museu sem um jardim. Então fiz uma operação conceitual muito simples. Havia práticas e falas das pessoas de que o Museu da República era o Museu do Catete, e não é isso. O palácio chama-se Palácio, o jardim chama-se Jardim, o cinema chama-se Cinema e tudo isso é o Museu da República”, continuou o diretor. 

Para ele museus não são só acervos, e deve viver promover práticas sociais e discutir sobre elas. Mário Chagas disse que após essa mudança conceitual, o Museu da República, que antes estava abaixo do quinto lugar, subiu para o terceiro no rank do IBRAM, com mais visitação no país. 

Um dado que chama atenção de Marília Bonas, em outras pesquisas, é o conceito sobre acervo. Tudo que está dentro do museu ou do centro cultural, inclusive as próprias pessoas, pode ser considerado acervo.

“Os museus são repositórios vivos de humanidade, e com objetivo vivo, ativo e ativadores de territórios como camadas de memória”, diz a especialista. Ela explica que o objeto imaterial só existe porque há camadas e camadas de materialidade e vice-versa.

“Um objeto tem uma vida que te antecede e te sucede, foi passado por muitas mãos invisíveis, muitos elementos da natureza, técnicas, saberes e fazeres, é um vetor de relações humanas. Isso é um vetor que ativamos trazendo estas camadas de informações materiais”, diz ela que também acredita que hoje, um objeto vivo pode ser melhor preservado e divulgado ainda com o uso das novas tecnologias. 

“Já tivemos oportunidade para discutir museus e pertença, pertencimento. Já temos esse legado, e agora é pensar como esses objetos podem ser ativados em novas perspectivas e abordagens. Por isso, a discussão da cultura digital é muito importante.

O que você, na sua trajetória, pode trazer as diversas janelas que abrem um objeto. Algumas te pertencem e outras não. Acho que essa discussão do objeto vivo e do papel do museu e sua ativação como um espaço de fato devotado à sociedade é absolutamente integrante”, continua. 

A pesquisadora diz que os museus adiantam tendências, respondem a tendências e precisam seguir comprometidos com o seu tempo e suas questões “a partir de vetores que podem ser objetos materiais ou imateriais, e aí dentro desse contexto é muito interessante pensar a facilidade da tecnologia para este uso. Dentro dessa discussão, um objeto vivo traz camadas e camadas de informações e isso precisa ser preservado. Antigamente, era mais difícil, mas hoje com um celular o público também pode trazer essas informações e ajudar a preservar a memória e pensar o objetivo vivo”, conclui.

Identidade e história no Museu das Telecomunicações

No campo dos museus, o instituto Oi Futuro atua através do Museu das Telecomunicações – pioneiro em interatividade e gamificação – e na geração de conteúdos e articulação de redes para formação de novos públicos, promovendo pesquisas, seminários e cursos.

Para 2019 estão previstos o upgrade tecnológico e modernização em suas instalações físicas e expográficas, com novas atrações de interação e gamificação para o público, além do lançamento do edital “Hipermuseus”, com foco na formação de profissionais para os desafios do museu do século 21.

Também tivemos a oportunidade de visitar o museu, que já tem 12 anos de história, é pioneiro no uso de interatividade e tecnologia integradas à museologia no país, recebendo cerca de 19 mil visitantes por ano, com entrada gratuita.

O espaço reúne passado, presente e futuro de forma arrojada em um mesmo ambiente e leva o visitante a uma viagem pela história da comunicação humana no Brasil e no mundo. Em 210m², ele traduz o conceito moderno de museu, com o máximo de informação no mínimo de espaço, causando experiências de identificação no público de visitantes.

São cerca de 130 mil itens, entre objetos, fotografias, gravações e documentos de diversas épocas. É possível viajar no tempo por meio de um acervo que traz telefones, aparelhos de telex, cabines telefônicas, além de vídeos, fotografias de época, textos e programas interativos, permitindo ao público navegar por uma infinidade de janelas de conteúdos diversos.

Entre os principais objetos em exposição estão uma réplica do aparelho experimental criado por Graham Bell, aparelhos telefônicos de diversas décadas, incluindo a coleção de telefonia pública, uma das mais completas do Brasil. Há também listas telefônicas digitalizadas que revelam os endereços de cariocas ilustres e arquivos sonoros inéditos, com vozes de Clarice Lispector, Freud e Thomas Edison, entre outros.

Um passeio pelo Espaço Oi Futuro do Flamengo

Antes da coletiva de imprensa realizada no Café Teatro, houve uma visita ao espaço Oi Futuro do Flamengo, onde estão em cartaz três exposições temporárias e que podem ser vistas até domingo, dia 2 de junho. Em "Ressonâncias", experimentamos, sentimos e exploramos a obra sonora "Neurocórdio", de Paulo Nenflidio.

Incitado pela relação entre o corpo e a tecnologia, cada visitante cria a própria expressão a partir dessa criação inovadora. A obra criada especialmente para o projeto, efetiva a proposta da poética do artista, a interação e participação do público. 

Composta por um leitor de ondas cerebrais, um módulo de controle, 10 monocórdios infinitos, amplificadores e circuito eletrônico com bluetooth é um instrumento que produz música a partir da leitura das ondas cerebrais do visitante. O leitor de ondas cerebrais (EEG) é um capacete que mede o estado de concentração e o piscar de olhos do usuário, e ainda envia as informações por bluetooth para o módulo de controle. Conforme pisca os olhos, o visitante pode escolher com qual monocórdio infinito deseja interagir. Cada monocórdio possui uma corda com afinação de uma nota musical diferente em uma escala crescente. 

Já em "Narrativas", do artista carioca Chico Cunha, com a curadoria de Alberto Saraiva, outra experiência.  A instalação de 52m2 com esculturas feitas de balas transparentes coloridas e dois vídeos é de encher os olhos de cores e a boca d´água. As figuras produzidas com as balas são personagens inspiradas nas pinturas do artista renascentista Pieter Bruegel e do pós-impressionista Henri Rousseau.

As obras referem-se às pesquisas pictóricas e espaciais desenvolvidas por Chico Cunha desde a década de 1980 até os dias de hoje, em que trabalha com as possibilidades da narrativa na pintura.

Por fim, "Palavra-Movimento", de Eduardo Macedo, que integra o Programa Poesia Visual e Digital, com curadoria de Alberto Saraiva, vislumbramos 17 poemas dos artistas, relacionados à palavra ou à ideia de "movimento". O público assiste a sequências de movimentações feitas pelo autor e exibidas em 10 monitores. Os áudios dos poemas estão em off no ambiente.

De acordo com o curador, “a poesia de Eduardo Macedo aborda as sensibilidades relativas ao corpo num espaço definido entre os movimentos propulsores da dança e a palavra ‘falada-escrita’. Seu corpo é o motor de seus poemas numa perspectiva que incorpora a tradição da dança passando pelo clássico até o contemporâneo”.

Eduardo tem influência do Poema-Processo de Wlademir Dias-Pino, que abordava o poema como uma produção corporal, performática, imagética; nesta direção e a partir dela, o artista construiu o poema aqui apresentado. “Trata-se de uma caligrafia corporal que separa a imagem do corpo de sua oralização no ambiente físico, criando um ruído entre aquilo que é falado e o que é visto, na tentativa de confrontar as duas nuances e reuni-las em camadas de imagem e de som”, completa Alberto Saraiva.


A programação da press trip Narrativas para o futuro dos museus contou com jornalistas convidados de veículos de comunicação de impressos e digitais, de Recife, Bahia e Belo Horizonte, além de Belém.

O blog agradece o convite da Oi Futuro e considera que a pesquisa relevante por chamar atenção da nossa contemporaneidade, que vem perdendo as referências do passado como peça de construção para um futuro melhor.

Numa prática que já vem há algum tempo causando perdas e danos a acervos importantes, mais recentemente vimos o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e a Catedral de Notre-Dame, em Paris, arderem em chamas. Acredito que enquanto o público não estiver ocupando, interagindo e se sentindo parte desses espaços, mais facilmente haverá motivos de descaso, por parte de governos que não possuem nenhum apreço pela história, pela memória ou muito menos pelo futuro da humanidade.

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