15.12.21

Trajetória de Simões na pesquisa de Vera Pimentel

Simões, em 2008, abertura da exposição "Redesenho"
Doutoranda da Pós graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura da UNAMA, a pesquisadora investiga a trajetória de três artistas vencedores do Grande Prêmio do Salão Unama de Pequenos Formatos, entre eles, José Augusto Toscano Simões, ou melhor, Simões, como ele assina suas obras atualmente. 


Na entrevista a seguir, concedida ao HOLOFOTE VIRTUAL, Vera Pimentel fala sobre o percurso de sua pesquisa e das dificuldades encontradas para acessar as obras e definir as fases do artista.

O interesse de Vera Pimentel pelas artes não surge na academia, onde, ela se especializa, torna-se mestra e em breve, Doutora. Nascida em Belém do Pará, em maio de 1963, Vera é a 3ª filha de Carlos e Ghislaine Pimentel, tem três irmãos e uma irmã.  Em relação a trajetória profissional, ela diz que sempre foi muito ligada às artes, incentivada por sua mãe. “Devido ter tido pé chato, ingressei no ballet aos 5 anos de  idade e dancei até o início da vida adulta. Além disso, também aprendi piano no Conservatório Carlos Gomes, mas devido a rigidez do ensino teórico, logo me desinteressei". 

Depois de estudar administração, largar o curso e ingressar numa faculdade em São Paulo, casar, ter filhos e se divorciar, Vera Pimentel voltou para Belém e ingressou no mestrado no Programa de Comunicação, Linguagens e Cultura da Unama, pesquisando a construção do Salão Pequenos Formatos. Foi neste momento que ela conheceu a obra de Simões e de outros artistas locais e nacionais. Com o mestrado concluído, ela decidiu seguir em frente e realizar o doutorado no mesmo programa, optando por aprofundar a pesquisa focando três artistas paraenses que venceram o Grande Prêmio do Salão UNAMA de Pequenos Formatos: Simões, vencedor da primeira versão do Salão em 1995; Danielle Fonseca, vencedora da versão de 2011 e Victor La Rocque, vencedor da versão de 2008.

Simões se configura enquanto artista sob o signo dos anos 1970, destacando-se na década seguinte, como um dos expoentes da geração Oitentista da arte paraense. Já participou de inúmeras exposições, individuais e coletivas, ganhando prêmios importantes, até o final dos anos 1990, quando ele desaparece do cenário tendo, como divisor de águas a criação e gestão do Bar Galeria Café Imaginário, lugar sonoro e gastronômico, onde a música instrumental e a pizza de jambú, que ele criou, reinavam absolutas na noite não convencional de Belém. Vera considera que foi uma época em que ele mesmo não pintando ele soube se manter próximo das artes, uma vez que no Café Imaginário se foi galeria para exposições, palco para performances, projeções e outras artes.

Em 2008, depois de nove anos sem pintar, ele retoma a trajetória com a exposição "Redesenho", na casa Fundação Antar Rohit, no bairro da Campina, seguindo depois para a Taberna São Jorge, da fotógrafa Walda Marques, na Cidade Velha. Em 2009, expôs a série “Natureza Imaginária” no Hall do Tribunal Regional do Trabalho, em frente à Praça Brasil e em 2014, nos apresentou  “Fogo Sagrado”, exposta no Museu do Estado. Nessa época ele já tinha resolvido sair do centro urbano e se sediou na Ilha de Mosqueiro, próxima a Belém, onde segue até hoje, produzindo. 

No primeiro semestre deste ano, Simões exibiu em seu canal no Instagram, imagens de uma nova série intitulada “Cerimônias Privadas”. As curvas e erotismo contido nos desdobramentos das imagens são características já presentes em fases anteriores e que foram pontuadas pela pesquisadora. Mais recentemente, o artista enviou para alguns amigos quatro imagens de uma novíssima série, feita neste final de ano, intitulando-as: “Cardume”, “Para observar a Lua ou Perfil do jovem poeta”, “Rede” e À Margem”. “Todos são 50 x 50 cms. Telas. Novas experiências. Uma pegada abstrata com muita economia de cores”, escreveu via wzp.

Em sua pesquisa sobre Simões, Vera Pimentel divide os diversos momentos de Simões em três fases que marcam mudanças na sua forma de pintar ou reforçam características que passam pelo uso de cores fortes e a presença da figura humana. A seguir o bate papo em que conta um pouco de sua própria história e ligação com as artes e sobre a jornada para qualificar a tese a ser defendida em 2022, e que na minha opinião já se consagra como contribuição preciosa à pesquisa em arte no Pará. 

ENTREVISTA

Holofote Virtual: Você poderia falar um pouco mais sobre o seu contato e interesse pelas artes?

Vera Pimentel (Foto do acervo da pesquisadora)

Vera Pimentel: Sempre fui apaixonada pelas artes visuais, tanto que após estudar 6 meses de Administração no CESEP, hoje UNAMA, ingressei na UFPA, no curso de Educação Artística em 1981, cuja primeira turma teve início em 1980. Fui aluna de grande nomes deste período, como Osmar Pinheiro, Emanuel Nassar,  Neder Charone, La Roque, entre outros e o estudo  estimulou ainda mais  meu interesse pelas artes, todavia não como artista, apesar de ter pintado um pouco, mas principalmente como leitora, historiadora e pesquisadora. 

Ao mesmo tempo que fazia a graduação em Educação Artística e sempre estudei Inglês em cursos livres e com isso comecei a ministrar aulas particulares muito cedo, aos 15 anos.  Após finalizar a graduação na UFPA, cheguei a ministrar aulas de artes, todavia o campo de Inglês era mais proeminente e com isso passei algum tempo ministrando o idioma em curso livre, quando decidi estudar Design Industrial  em São Paulo. Infelizmente o curso foi descartado em virtude do custo da FAAP e assim, trabalhei nos aeroportos de Guarulhos e Congonhas como recepcionista da Sala VIP, esquecendo um pouco meu lado professora. 

Holofote Virtual: Como foi para você iniciar a pesquisa sobre o Salão Pequenos Formatos?

Vera Pimentel: Após casar, ter filhos e divorciar, retornei à Belém e  voltei a trabalhar como professora, primeiramente em cursos livre de Inglês, fiz especialização em Linguística Aplicada e no mesmo período, iniciei minha trajetória no ensino superior  na Unama, ministrando História da Arte para o curso de Design de Interiores. Nesse momento, o viés de historiadora aguçou novamente e decidi fazer o mestrado no Programa de Comunicação, Linguagens e Cultura da Instituição, pesquisando a construção do Salão UNAMA de Pequenos Formatos, momento que conheci a obra de Simões e de outros artistas locais e nacionais.

Holofote Virtual: Os três artistas que você pesquisa são instigantes, mas a nossa conversa agora vai se debruçar sobre seus achados acerca do Simões. Como você o define após esse mergulho em sua obra?

Vera Pimentel: Um artista irreverente, irrequieto, sempre em busca de novas experiências. Um ser mutável, cujas experimentações o ressignificam sempre, sem abrir mão de suas características principais e que, mesmo depois de tantos anos de estrada, se mantém fiel a uma linguagem: a pintura.   Um sujeito corporificado de  Eros, cujo  prazer, entranhado nas suas veias,  são transferidos  para as telas por meio de pinceis e tintas, em uma fatura policromática e ao mesmo tempo explosiva. Por mais que tente ser mais comedido, Simões é pura cor, pura sensualidade. 

Holofote Virtual: Quais são as três fases identificadas na trajetória do Simões, até o momento em que você o investigou? 

Vera Pimentel: O recorte que procuro realizar é verificar o antes e o pós Salão de Pequenos Formatos, analisando as premiações, as exposições e as transformações estabelecidas nas obras  do artista ao longo desse percurso. Simões inicia seu processo criativo com temáticas voltadas para a família, como nas obras vencedoras do Arte Pará ( Beth, Matheus e eu e sem título – que aborda o aniversário de 1 ano de Matheus), alguns trabalhos do interior de casas afetivas, como das suas tias e naturezas mortas.

Em outro momento, verifica-se o Simões erótico-místico, em que se percebe um misticismo predominante, porém sempre voltado para a paixão, o amor ‘endeusado’ por sua ex-esposa como nos trabalhos A Guardiã da Luz (acervo do MABE), um momento do artista como Lombra nossa de cada dia (vencedor do Arte Pará/1989)  e a obra vencedora do Salão UNAMA, também mística, que pode ser interpretado pela luta de Jacó e o Anjo, quando o ‘diabo’ tenta desvirtuar Jacó de conseguir o perdão do Anjo.

Após o período de hiato, posterior ao Café Imaginário, Simões retorna mais erótico, sensual, ainda utilizando cores fortes, revelando a grande influência de Matisse. O figurativismo é uno, não há predominância de elementos,  e está carregado de curvas e languidez, com muita volúpia, porém não tão policromático, não mais abordando as reuniões ou atividades familiares   e nem o misticismo. Seus trabalhos atuais ainda possuem uma fatura de cores fortes, porém mais bicolores e não  policromático.

Holofote Virtual: De que forma essa fase consta na pesquisa?

Vera Pimentel: Hiato e Retorno..... abordo o Café Imaginário como um deslocamento de Simões na sua trajetória, que se afasta dos pinceis para se tornar empresário da noite. Segundo Simões, foi um sonho realizado, porém apesar de passar 10 anos sem pintar, ele não se afasta da cultura, visto que o Café foi um espaço de experimentações culturais, tanto nas artes, como na música e na culinária. Mas, pode-se considerar que  foi um período de ressignificar, repensar e reconstruir sua pintura, pois no seu fechamento, o artista muda para o Mosqueiro, se afasta do turbilhão do cotidiano na cidade,  e retorna a pintar totalmente diferente do Simões antes do Café. 

Holofote Virtual: Tua pesquisa chama atenção para a necessidade de se mapear artistas que como o Simões ainda carecem de catalogação. Como você percebe isso? 

Vera Pimentel: Temos leque muito grande de artistas paraenses, que deixaram um legado de trabalhos artísticos, que nunca foram registrados e ainda uma geração emergente que precisa ter seus trabalhos divulgados, no âmbito acadêmico e social. 

Há um tempo, ouvi numa palestra, o Afonso Medeiros afirmar que precisamos contar a história da arte do Pará e é isso que pretendi com a minha tese...... contar a história da arte de 3 grandes expoentes em suas linguagens: Simões na pintura, Danielle Fonseca na fotografia, vídeo e instalações e Victor La Roque, na performance. Mas há a necessidade de se manter esses trabalhos arquivados ou documentados, e no caso do Simões isso inexistia, até porque, nas décadas de 80 e 90, o custo de fotografar e construir catálogos era muito alto.  

Essa dificuldade não tive em relação aos trabalhos da Danielle Fonseca, visto a artista possuir tudo registrado, principalmente nas redes sociais, o que facilita o acesso do pesquisador, com a sua devida autorização. Portanto, ressalto a necessidade do artista registrar, catalogar e arquivar, e das instituições manterem um centro de documentação para que outros pesquisadores possam ter acesso e só assim, a história da arte paraense poderá ser revelada e divulgada cada vez mais.

Holofote Virtual: Você teve que dificuldades e que facilidades para levantar essa trajetória do Simões? 

Simões, em 2014, divulgação da exposição 
"Fogo Sagrado, no MEP.
Vera Pimentel: Muito mais dificuldade do que facilidades. Primeiro o fato de o artista não possuir arquivos ou registros dos trabalhos e muitas vezes não lembrar dados das obras para compor a ficha técnica; segundo, colecionadores que possuem obras de Simões, porém sem ficha técnica; terceiro a pandemia, que prejudicou muito o acesso aos museus e ao contato com o artista, devido a necessidade de isolamento. E o fato das próprias Instituições não possuírem documentos ou registros das exposições realizadas, sendo necessário contar com a colaboração de várias pessoas para que pudesse ter acesso as obras. 

Cito como exemplo a exposição Natureza Imaginária no TRT 8ª Região, cujo único documento da mostra era um DVD não encontrado pela ASCOM. Sendo assim, precisei contar com a colaboração do curador da exposição, Desembargador Mário Soares e sua assessoria para conseguir  dados. No MEP não foi encontrado nenhum registro, informação ou dado sobre a exposição Fogo Sagrado, o que dificultou ainda mais registrar uma individual tão importante do artista. Mais uma vez contei com a sua colaboração, do Armando Queiroz e de pessoas que ao tomarem conhecimento da minha pesquisa,  foram me enviando o que encontravam. 

Holofote Virtual: Você fez uma verdadeira 'escavação' em busca das obras para identificar as fases do artista Simões. Onde estão essas obras? 

Vera Pimentel: Muito mais com colecionadores do que em museus, apesar dos  nossos principais museus em Belém (MABE, MEP e  CASA DAS ONZE JANELAS) possuírem em seus acervos, obras do artista. Porém, encontrei trabalhos de Simões, principalmente dos anos de 1980 e 1990 em coleções como Jorge Alex Athias, Desembargador Jose de Alencar, Arquiteto Julio Lima, Eduardo Vasconcelos, Cláudio Acatauassú Nunes, Walda Marques e outros. Interessante destacar aqui que, muitas obras Simões não lembrava e que com meu trabalho de ‘arqueóloga’ (palavras do artista), muito da sua memória afetiva foi resgatada, a partir da revelação desses quadros.

Holofote Virtual: E como você analisa a cena artística em Belém no campo das artes plásticas hoje em dia?

"Sala da casa de minha avó, onde me criei.
Obra de 35 anos atrás". Simões
Vera Pimentel: Consolidada e sempre divulgando novos talentos. Apesar da proeminência na fotografia, nos vídeos e nas instalações, ainda há os que optam por linguagens mais tradicionais, como a pintura.  Em especial cito Jorge Eiró, Geraldo Teixeira, Ruma, Armando Sobral, Zoca, participantes regulares do circuito local e nacional e alguns mais novos como Gonçalves Filho, Lara Dahas, Yuri Dahas, Jéssica Soares, que vêm se destacando neste cenário, em algumas exposições.

Na fotografia possuímos um grupo de notáveis, como Alexandre Sequeira, Mariano Klautau, Guy Veloso, Chikaoka, Dirceu Maués, Danielle Fonseca  e alguns mais novos como Nayara Jinkins, que possui um trabalho maravilhoso no Ver-o-Peso. O cenário  artístico  de Belém ainda é  um grande difusor de novos  talentos e consolidador dos veteranos, pois percebo que estes artistas procuram estar sempre inseridos no circuito com excelentes produções, seja em individuais, seja em coletivas, estimulados também por  vários projetos, como por exemplo o Circular, que promove mensalmente, abertura dessa vitrine artística ao público de forma geral.  

Holofote Virtual: Quando será a defesa da Tese, há pretensão de publicar? 

Vera Pimentel: Pretendo defender até o final de 2022. Tenho pretensões de publicar sim, até porque é algo que precisa ficar registrado na história da arte do Pará e que leitores possam ter conhecimento. Espero com isso poder estimular outros pesquisadores a escreverem sobre os artistas paraenses e assim divulgar grandes feitos nas Artes Visuais Paraense. Agradeço a oportunidade da entrevista, e espero que minha tese possa ‘aguçar’ novas investigações sobre artistas paraenses, além de possibilitar aos futuros leitores, o conhecimento das estrelas das artes visuais paraenses, desconhecidas de grande parte da população na região.

Nenhum comentário: