Quem vai hoje em dia aos domingos à Praça da República, já deve ter visto e ouvido o famoso Batuque da Praça animando as suas manhãs, mas muitos desconhecem o quanto é simbólico que ele exista justamente naquele lugar. A seguir te convidamos para mergulhar nessa história.
O BATUQUE DA PRAÇA
Por Clei Souza*
No tempo do cemitério, Belém era dividida entre a Cidade e a Campina, periferia para pobres, negros, indígenas e outros não brancos. Não por acaso, ali perto, no hoje bairro da Campina, os negros ergueram, no tempo da Colônia, a igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos Mina, hoje somente conhecida Igreja de Nossa Senhora do Rosário.
Álbum Belém - Fotografia Fidanza, 1902 |
Os pobres então foram empurrados para o Umarizal, Jurunas e outras periferias. Veio para o antigo cemitério o Teatro da Paz, inspirado no indianismo europeizante, com busto de José de Alencar e Gonçalves Dias vindos de Paris e uma Diana indígena de De Angelis pintada no seu forro, e a celebrada presença de Carlos Gomes, que transformou O Guarani de Alencar em ópera.
Mas tanta pompa ainda era somente para a elite da borracha. Benedito Nunes lembra que as “mucamas seguravam as saias das senhoras, iluminando-lhes o caminho para o teatro, e iam esperá-las até que o espetáculo terminasse na última ordem de lugares, nas alturas do ‘paraíso’”.
Reprodução/Internet - A Praça da República, hoje |
A Praça do Pelourinho, onde acabava a rua que lhe dava nome, vizinha ao Ver-o-peso, e que teve a contribuição de Antônio Landi, foi apagada da História. E assim como a República não mudou a situação da maioria da população, a praça que lhe homenageia não foi de início do povo.
Lembro que nas gestões governamentais passadas, em um passado recente, mesmo após o tombamento do Carimbó como Patrimônio Imaterial Brasileiro de origem afro-amazônica, os Batuques da Praça eram constantemente interrompidos pela Polícia e pela Guarda Municipal. Mas a luta por se manter nesse território ancestral venceu a força e o racismo institucional. O batuque até hoje resiste.
Neste mês em que o calendário oficial e os livros de história nos lembram da proclamação da República, o Batuque da praça tem uma simbologia poética e política, nos lembrando que sobre a ordem e o progresso há muitos ossos e ruínas e injustiças. Os tambores e as maracas e os banjos e os corpos recuperam a ancestralidade indígena e negra do lugar, celebrando os antepassados e afirmando a vida.
* Clei Souza é escritor, pesquisador, professor de literatura, crítico literário.
Nota do Blog
O Batuque da Praça é Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do município de Belém, por Lei (nº 9.746) sancionada pelo Prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, em abril de 2022.
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