15.11.23

O simbólico batuque que ecoa há 30 anos na praça

 

Quem vai hoje em dia aos domingos à Praça da República, já deve ter visto e ouvido o famoso Batuque da Praça animando as suas manhãs, mas muitos desconhecem o quanto é simbólico que ele exista justamente naquele lugar. A seguir te convidamos para mergulhar nessa história.

 

O BATUQUE DA PRAÇA

          Por Clei Souza*


A referida praça antes foi chamada de D. Pedro II e, antes ainda, era o Largo da Pólvora que antes era da Campina, mas antes de tudo isso, ali foi um cemitério de escravizados e pobres que deveriam ser enterrados em separado dos senhores brancos no início das invasões europeias. 

No tempo do cemitério, Belém era dividida entre a Cidade e a Campina, periferia para pobres, negros, indígenas e outros não brancos. Não por acaso, ali perto, no hoje bairro da Campina, os negros ergueram, no tempo da Colônia, a igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos Mina, hoje somente conhecida Igreja de Nossa Senhora do Rosário. 

Álbum Belém - Fotografia Fidanza, 1902
A cidade foi crescendo e veio a Independência e, com ela, a Cabanagem que abalou e dividiu a cidade, mas a Belle Epoque, que veio em seguida à derrota revolucionária, passou uma borracha na memória da luta Cabana. 

Os pobres então foram empurrados para o Umarizal, Jurunas e outras periferias. Veio para o antigo cemitério o Teatro da Paz, inspirado no indianismo europeizante, com busto de José de Alencar e Gonçalves Dias vindos de Paris e uma Diana indígena de De Angelis pintada no seu forro, e a celebrada presença de Carlos Gomes, que transformou O Guarani de Alencar em ópera. 

Mas tanta pompa ainda era somente para a elite da borracha. Benedito Nunes lembra que as “mucamas seguravam as saias das senhoras, iluminando-lhes o caminho para o teatro, e iam esperá-las até que o espetáculo terminasse na última ordem de lugares, nas alturas do ‘paraíso’”. 

Reprodução/Internet - A Praça da República, hoje
Depois veio a República que deu nome à praça, mas a República não significou a remissão dos séculos de escravidão indígena e negra, ao contrário; a memória oficial na cidade fez um trabalho de apagamento. Isso explica a transformação da Travessa do Pelourinho em Sete de setembro. 

A Praça do Pelourinho, onde acabava a rua que lhe dava nome, vizinha ao Ver-o-peso, e que teve a contribuição de Antônio Landi, foi apagada da História. E assim como a República não mudou a situação da maioria da população, a praça que lhe homenageia não foi de início do povo. 

Lembro que nas gestões governamentais passadas, em um passado recente, mesmo após o tombamento do Carimbó como Patrimônio Imaterial Brasileiro de origem afro-amazônica, os Batuques da Praça eram constantemente interrompidos pela Polícia e pela Guarda Municipal. Mas a luta por se manter nesse território ancestral venceu a força e o racismo institucional. O batuque até hoje resiste. 

Neste mês em que o calendário oficial e os livros de história nos lembram da proclamação da República, o Batuque da praça tem uma simbologia poética e política, nos lembrando que sobre a ordem e o progresso há muitos ossos e ruínas e injustiças. Os tambores e as maracas e os banjos e os corpos recuperam a ancestralidade indígena e negra do lugar, celebrando os antepassados e afirmando a vida. 

Clei Souza é escritor, pesquisador, professor de literatura, crítico literário. 

Nota do Blog

O Batuque da Praça é Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do município de Belém, por Lei (nº 9.746) sancionada pelo Prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, em abril de 2022. 

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