9.10.10

Histórias que assombram os principais templos do Círio de Nazaré

A seguir você vai ler um texto escrito originalmente para a Revista Latitude, em uma edição comemorativa de outubro de 2009. Aqui, porém, ele segue com nova versão, em homenagem as nossas lendas e ao Círio de Nazaré. As fotos que o ilustram não são originais da matéria publicada. Mostram as páginas da revista e imagens do Auto do Círio feitas ontem , durante o cortejo pelo Centro Histórico de Belém.

Extra, extra! Túneis subterrâneos são encontrados em Belém durante as escavações da construção do prédio do Banco Central, em plena Av. Presidente Vargas. A notícia poderia ter saído das páginas de algum jornal de muitas décadas atrás, mas o que sabemos sobre isso é o que o povo conta pelas ruas da cidade e o escritor Walcyr Monteiro reconta nas páginas de “Visagens e Assombrações de Belém”.

A obra atrai tanto interesse do público, que chega a ser “roubada” das bibliotecas públicas de Belém, que tal? A situação, embora não recomendada, demonstra o quanto o povo paraense tem apreço por histórias fantásticas. Várias delas povoam nosso imaginário e aguçam a curiosidade de visitantes.

No mês de outubro, por exemplo, em clima nazareno, a população costuma reviver os tempos em que se ficava na porta de casa ouvindo o que os mais velhos tinham para contar sobre uma Belém antiga. Assim foram surgindo histórias como as de cobras gigantes, freiras sem cabeça ou estas de túneis subterrâneos que atravessariam a cidade.

Interessante perceber que muitas dessas histórias teriam acontecido em espaços chaves desta época de Círio de Nazaré, como o Colégio Gentil Bittencourt, de onde sai a procissão da trasladação no segundo sábado do mês de outubro; a Igreja da Sé, de onde parte a procissão do domingo, e a Basílica de Nazaré, onde chega finalmente a imagem de Nossa Senhora de Nazaré.

Algumas estão nos livros do escritor Walcyr Monteiro. De acordo com ele, uma das que mais provocam o imaginário coletivo popular é a dos túneis que teriam sido construídos abaixo da cidade.

Em uma dessas versões se diz que foram construídos na época dos escravos e serviam como rota de fuga sob a proteção de padres que queriam protegê-los dos senhores brancos.

Espalhados pelos subterrâneos de Belém, interligariam diversos pontos da cidade. Em outra maneira de se contar, eles interligariam os colégios Gentil e Nazaré e eram corredores que serviam para encontros amorosos e proibidos entre os alunos internos do Nazaré e as alunas do Gentil Bittencourt.

Uma terceira versão diz ainda que uma companhia européia teria escavado os túneis nos tempos áureos da borracha, à pedido dos governantes para que fossem estratégicos num momento de invasão inimiga.

O fato é que nunca se conseguiu provar a existência dos túneis, muito menos encontrá-los pois a empresa, que teria se desativado com a decadência do látex na região, teria levado consigo a planta da construção.

Mas isso não é nada. A mais escabrosas e assustadoras dessas histórias do imaginário paraense é contada a partir da catedral metropolitana de Belém, a Igreja da Sé, uma jóia que desponta na paisagem do bairro da Cidade Velha, em frente à Praça Frei Caetano Brandão, e que representa a devoção católica do povo paraense.

Quem diria que neste patrimônio arquitetônico, referência cultural das mais importantes do Pará, guardaria consigo a temerosa lenda de que uma certa cobra grande, a tal da boiúna, teria sua cabeça acomodada bem debaixo do altar mor.

Imagine. Imagine. A construção é da segunda metade dos anos 1700, um projeto do arquiteto italiano Antonio José Landi e é até hoje uma fonte inquestionável para estudos da arte no período colonial. Quando será que esta cobra grande se acomodou ali, sumano?

Ainda mais que de tão grande que é, reza a lenda que se estende pela cidade inteira. Dizem, até que ela não pára de crescer e que sua calda já esteve escondida sob a igreja do Carmo, da Igreja de Santo Antônio e finalmente, hoje, diz-se que está sob os alicerces da Basílica de Nazaré.

O grande temor que causa é o seguinte. Ela está dormindo e não pode ser acordada ou a cidade inteira pode tremer e até afundar.

De tão grande, em sua extensão, cobre todo o trajeto da procissão do Círio, que aliás, vista do alto, esta mais se parece com uma serpente feita de gente a se arrastar pelas ruas da cidade.

Essa boiúna escolhe nossos principais edifícios históricos para se esconder. Será que é uma apaixonada por arquitetura? A Basílica de Nazaré é tombada como Patrimônio Histórico e Cultural do Estado do Pará.

Foi construída a partir de 1909, mas demorou mais de 40 anos até sua inauguração, o que se explica pelo fato de estarmos falando de um período em pleno ciclo da borracha, quando extravagantemente os mármores eram trazidos da Europa em navios, assim como todas as outras peças de sua decoração. Coloca aí quantos meses de navegação?

O templo religioso mais importante de Belém, belo com seus vitrais, medalhões, mosaicos, pastilhas e colunas incríveis, torres de 42m e nove sinos, também estaria enfeitiçado pela presença da calda da boiúna.

Pois é. Mas tem outra história de arrepiar, desta vez envolvendo o colégio Gentil Bittencourt. Com mais de 200 anos, ele funcionou muito tempo como internato feminino.

Fundado pela congregação criada pela Beata Madre Rosa Gattorno, chamada Filhas de Sant’Ana, o colégio tem estilo neoclássico, também é uma riqueza do auge da borracha na Amazônia.

Por fora, tem um belo jardim e uma escadaria. Dentro, além de longos corredores a capela, de onde sai a imagem de Nossa Senhora para a trasladação. Pequena, mas grandiosa em sua arte, possui um teto feito de um tecido italiano. Exatamente, tecido.

Nos seus anos como internato, as alunas vinham de vários cantos do estado. E havia muitas freiras que lecionavam e tomavam conta das internas. E foi daquela época, que o colégio trouxe consigo vários mistérios sobre seus enormes porões.

O mais famoso deles, que já foi publicado na coleção “Belém Conta....”, da Universidade Federal do Pará, fala de uma freirinha que ficava na frente do colégio olhando para o movimento da avenida.

Certa vez, ela viu que havia um marinheiro que sempre passava por ali. A jovem freira o olhava e às vezes o via sentar próximo à grande do portão que cercava o terreno. Ficava ali, horas a fio, o observando.

“...de farda branca e quepe azul-marinho ficava espreitando o jardim.

Os olhares se foram cruzando, os suspiros se tornaram mais profundos e demorados e o friozinho da coluna passou a perturbar o antigo sossego da menina antes destinada a tornar-se a esposa de Cristo”, lê-se na história coletada por Socorro Simões, Coordenadora do IFNOPAP , projeto desenvolvido pela UFPA.

De acordo com o relato que recebeu a professora, a freira acabou perdendo a cabeça de tanto amor e deixou-se envolver pelo marinheiro, mas como era impossível uma união entre eles, ela acabou morrendo de paixão.

E desde então, a freira sem cabeça assombraria os porões do Colégio Gentil Bittencourt.

Diz-se que até hoje se ouve barulhos estranhos ali em baixo, como se a freirinha se movimentasse sem conseguir enxergar nada, numa procura desesperada por seu grande amor perdido. Verdade? Mentira? É o que menos importa. São histórias antigas, memórias de um imaginário paraense. Um bom Círio pra Todos Nós!

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