3.7.18

Alberto Silva Neto entre pesquisa, teatro e cinema

"Pureza" (Foto: Divulgação)
Trinta anos de trajetória. Ator, diretor e encenador de teatro, jornalista e apresentador, professor, mestre, atualmente também fazendo um doutorado. Paralelamente, do ano passado para cá, interpretou papéis em uma série de televisão, prestes a estrear, e dois longas metragens. Todos eles com temáticas universais que dizem respeito e se desenrolam na região amazônica, lugar no qual Alberto Silva Neto se reconhece e se reinventa. É sobre esses processos e seu mais novo mergulho no cinema que conversamos na entrevista a seguir.

O teatro entrou muito cedo em sua vida, no final da década de 1980, aos 17 anos, quando ele estreou como ator. Até aqui já atuou em 19 espetáculos, passou por cinco grupos da capital paraense, teve oportunidade de conhecer a visão de encenadores e diretores de três gerações, vive em constante trocas de experiência que agora também são transportadas ao seu fazer no cinema. 

Na série “Pacto de Sangue”, que traz como temas o tráfico de drogas, turismo sexual, mas principalmente mostra como o sensacionalismo da televisão pode custar vidas. Alberto interpreta um alcoólatra. A série estreia no dia 13 de agosto, pelo Canal Space. 

“Eu Nirvana”, longa metragem com direção do paraense Roger Elarrat, tem previsão para estrear final deste ano. Conta a história de uma ribeirinha que sofre um acidente de barco e fica em coma durante muito tempo, quando acorda se depara com uma realidade, segundo a sinopse, mutilada e assustadora. Alberto interpreta o marido da personagem de Manuela Monte.

Já “Pureza”, longa de Renato Barbieri, que ainda está sendo filmado, Alberto encarna um aliciador. O roteiro é baseado na história real de Dona Pureza, cujo filho saiu do Maranhão em busca de trabalho no Pará, na década de 90, e acabou vítima do trabalho escravo. Pureza denunciou a prática a três presidentes da República e em 1997 ganhou um prêmio em Londres de Direitos Humanos.

"Pureza" (Foto: Magno Barros)
Intenso em tudo que faz, seja o teatro, televisão, jornal e agora no cinema, ele também é rigoroso e exigente com seus parceiros, mas principalmente consigo mesmo, não à toa, mergulhado na academia, vem investigando seus próprios processos criativos e artísticos, assunto abordado na entrevista a seguir onde ele também conta como está sendo seu reencontro com o cinema, e que este vai além da atuação para a câmera.

“Tenho planos de criar um projeto para cinema com uma adaptação de Chove nos campos de Cachoeira pelo Usina. Já estou dialogando com realizadores da área”, adianta ele o assunto que a gente aprofunda no bate papo a seguir, onde ele fala ainda das pesquisas acadêmicas, onde investiga atualmente xamanismo e teatro, e sobre a recente premiação do Rumos Itaú Cultural, que levará seu grupo de teatro a percorrer regiões ribeirinhas no Pará, e de seu doutorado que ele defende junto com a estreia de Pureza. 

Mergulhar na vida e na arte tem sido uma constante na trajetória de Alberto Silva Neto, com quem já tive a experiência de trabalhar no Diário do Pará, e de forma mais densa também na TV Cultura do Pará, onde fazíamos o programa Cultura Pai D’ Égua, uma revista cultural que nos cinco anos em que ficou no ar marcou época e desbravou linguagens na televisão. O jornalismo não ficou de fora da  nossa conversa.

ENTREVISTA

Holofote Virtual: Para quem estudou jornalismo e está há trinta anos fazendo teatro, como está sendo esse outro mergulho no cinema?

"Pureza" (Foto: Magno Barros)
Alberto Silva Neto: Realmente, de uma forma surpreendente pra mim, tenho atuado bastante em produções audiovisuais, aqui. Embora todas sejam feitas com verba federal ou privada, já que a atual gestão da nossa Cultura que se perpetua no poder é o fiasco que bem sabemos. No ano passado gravei Pacto de Sangue para o canal Space, e logo depois a Jerusa Franco, preparadora de elenco da série, me indicou para o produtor da Rede Globo que estava em Belém fazendo os testes para a novela A força do querer. Fui lá, passei no teste e fui chamado para uma pequena cena. Depois, tive a sorte de ser selecionado para dois longas quase em sequência.

No início do ano atuei em Eu, Nirvana, com roteiro e direção do Roger Elarrat, que considero um dos melhores cineastas paraenses da atualidade. Foi uma parceira incrível com ele e o preparador de elenco Claudio Barros, meu companheiro de criação há tantos anos, além do aprendizado de contracenar com Manuela do Monte, numa das trocas humanas mais belas que já vivi num processo criativo. 

E, agora, estou tendo uma aula de cinema ao participar das filmagens de Pureza, de Renato Barbieri, com um elenco maravilhoso que tem a frente Dira Paes, essa atriz genial e generosa na mesma medida, além de uma equipe técnica de primeiríssimo nível, para trazer ao debate de forma inédita no cinema o tema do trabalho escravo contemporâneo em zonas rurais. 

Holofote Virtual: Como está sendo essa experiência para você como ator que vem do teatro?

Eu Nirvana, contracenando com Manuela Monte
(Foto: Divulgação)
Aberto Silva Neto: Em relação à experiência enquanto ator, estou tendo a oportunidade de perceber o quanto atuar no cinema é tão visceral como no teatro. Na essência, é a mesma coisa: a arte de contar a vida de um ser humano com a máxima verdade possível. Mas, por outro lado, as diferenças são imensas em questões de ordem técnica. Por isso a grande dificuldade que atores de teatro encontram na hora de pisar num set. Diferentes linguagens exigem processos criativos específicos e isso a gente só aprende fazendo. Como disse certa vez a Fernanda Montenegro, em nossa arte se aprende muito pouco a cada dia. 

Holofote Virtual: Descreve teus papéis em Eu Nirvana, Pacto de Sangue e Pureza. O que marcou a construção dos personagens?

Alberto Silva Neto: Em Pacto de Sangue faço um marido alcoólatra e violento, contracenando com minha amiga e ótima atriz Vandiléa Foro. Tentei fazer uma composição de forte base física, com ênfase no desequilíbrio daquele corpo embriagado. No dia da gravação tudo estava ótimo até o momento em que o diretor me disse que naquela cena ele não estava bêbado (risos). 

Senti um frio na espinha. Tive que reelaborar tudo em segundos e descobrir como era aquele homem sóbrio, que nunca tinha feito. As cenas são em flashback e narram a terrível infância de Edinho, um dos personagens centrais da trama, feito pelo ator Adriano Garib. E aviso logo que o desfecho é terrivelmente surpreendente. 

Já em Eu, Nirvana eu faço o marido da personagem Liane, da Manuela, que sofre de um câncer terminal e é acompanhada no hospital pelo companheiro. Fisicamente é alguém bem próximo de mim, então meu mergulho foi interno, processo no qual a participação do Claudio como preparador foi fundamental. Eu e Manu temos uma cena de emoção funda e tivemos que nos preparar muito pra ela. Tomara que fique bonito. 

E agora, em Pureza, faço João Leal, um aliciador de trabalhadores para a escravidão, mais conhecido como “gato”. É um homem cruel, então tentei evitar cair no estereótipo do mau, buscando nele um tom sarcástico, jocoso. Mas, na prática, foi a troca de informações com os trabalhadores rurais que participam do filme que me deu os elementos que precisava para compor alguém com um comportamento físico tão diferente do meu. 

Holofote Virtual: Falastes que estás querendo produzir um filme inspirado na obra do Dalcídio Jurandir – Chove nos Campos de Cachoeira. Estar na frente das câmeras já não te basta?

Eu Nirvana (Foto: Divulgação)
Alberto Silva Neto: Pela primeira vez, tenho o desejo de mergulhar mais fundo na experiência com o cinema, e isso começa pelo que você quer dizer, que histórias você quer contar. Um dia encontrei por acaso com o Roger numa praça de alimentação, conversamos bastante e falei a ele que achava instigante pensar numa versão cinematográfica para a obra de Dalcídio Jurandir, que já abordei duas vezes no teatro com o grupo Usina. 

Ficamos de conversar no final do ano. Engraçado é que, voltando no mesmo voo de Marabá a Belém com o Claudio, que também participa de Pureza como ator e preparador de elenco, fui contar dessa ideia a ele e soube que o Roger já tinha falado antes de mim. Aí o Claudio já me contou que comentou sobre a ideia com a Dira Paes lá em Marabá e ela teria perguntado qual seria o papel dela no filme. Impossível não sonhar com essa atriz extraordinária fazendo uma personagem feminina de Dalcídio. Vamos ver no que vai dar. Mass, antes de tudo, teríamos que negociar direitos autorais. 

Holofote Virtual: O Usina foi um dos cinco projetos selecionados no Pará pelo edital Itaú Rumos Cultural. Vocês pretendem percorrer comunidades ribeirinhas em um barco. Já era uma vontade antiga? 

Alberto Silva Neto: Faz muito tempo que o Usina, grupo que dirijo desde 2004, busca uma poética que expresse a vida do homem da floresta, do povo caboclo. Então essa circulação é uma forma de devolvermos todo esse conhecimento que vimos produzindo com nossa poética às pessoas que nos inspiram e cuja existência é a razão, até certo ponto, de nosso próprio fazer artístico. Sou suspeito pra falar, mas o projeto é bem bonito. Vamos descer o rio Amazonas de Belém até Santarém, aportando em 12 cidades com quatro espetáculos e oficinas para artistas da cena. 

Holofote Virtual: Podes falar alguma coisa sobre o que está previsto?

Edgar Castro em "Dezuó", do Usina
Alberto Silva Neto: Vamos levar a trilogia do grupo Usina composta por Parésqui, com Valéria Andrade e Nani Tavares, Solo de Marajó, com Claudio Barros, e nossa mais recente criação, Pachiculimba, um espetáculo-cerimônia atuado por Claudio Barros e Claudio Melo, apresentado no final do ano passado no quintal de minha casa, em Mosqueiro. 

O quarto espetáculo, convidado do grupo, será Dezuó, breviário das águas, que discute os impactos da Usina de Belo Monte, com dramaturgia do filho de Itaituba Rudinei Borges e atuação do também paraense Edgar Castro, parceiro de teatro de longa data em Belém, mas que há muitos anos mora em São Paulo. No final, a ideia é produzir uma revista contando toda essa aventura e distribuir em nível nacional. 

Holofote Virtual: Divides teu tempo entre a academia e a prática do teatro. Essa última ficou um pouco de lado nestes anos em que vens mergulhando na pesquisa e na sala de aula?

Alberto Silva Neto: Acho que não. De 2009, ano em que entrei para a Universidade, até aqui, dirigi três espetáculos pelo grupo Usina. O que acontece é que eu tenho sido cada vez rigoroso com nossos processos criativos, e isso exige tempo. Então nossas criações têm sido mais espaçadas. 

Pra você ter uma ideia, Pachiculimba é resultado de cinco anos de pesquisa. E, pra mim, não teria a natureza singular que acredito que ele tenha se não fosse assim. Esse tempo está impresso na cena, creio eu. E isso é bastante saudável tanto para o artista quanto para aqueles que vão usufruir da obra. Afinal, num tempo de sociedade tão consumista, é urgente que a arte siga na contramão da produção em série, ditada pela lógica do mercado. A arte precisa ajudar as pessoas a reaprenderem como deixar o tempo jorrar. É necessário e transformador.

Holofote Virtual: Teatro e Xamanismo. Por onde percorres tua pesquisa de doutorado e o que pretendes discutir?

Cláudio Barros em "Pachiculimba" 
Foto: Alberto Silva Neto
Alberto Silva Neto: Estou no meio desse caminho. Devo defender a tese até março de 2020, na Escola de Belas Artes da UFMG. A pesquisa em arte é uma aventura tão visceral quanto é a criação em arte. Na verdade, a pesquisa e a escrita acadêmica são criação poética, também. Minha pesquisa se chama Peles para outras teatralidades. Procuro fazer um diálogo entre os processos de atuação no teatro e as práticas xamânicas. 

Para isso investigo alguns processos criativos do ator Cacá Carvalho, a quem considero um mestre, num cruzamento com minha própria trajetória artística sob a forte influência dele. Enquanto pesquisador, o que acho relevante nesse caminho é fortalecer esse território epistemológico ligado aos saberes da floresta, de modo a contribuir para a cada vez mais necessária “desocidentalização” do nosso pensamento. 

Holofote Virtual: Tens a experiência com a pesquisa na academia e na prática, com vasto currículo no teatro paraense. Esses dois lados se encontram mais uma vez neste teu doutorado?

Alberto Silva Neto: Meu fazer artístico e minhas práticas acadêmicas estão organicamente interligados. E a cada dia, mais. Minha tese de doutoramento, assim como o foram minha monografia de especialização e minha dissertação de mestrado, será um mergulho no meu próprio fazer artístico: seus princípios, seus processos, sua razão de ser. 

Por trás das questões investigadas, minhas escritas acadêmicas são uma grande registro da minha trajetória no teatro, que já tem 30 anos. Mas, isso não significa que não sirva ao outro como conhecimento produzido sobre a arte de ator. Mas é um conhecimento que construí no meu próprio corpo e, portanto, não posso acessá-lo sem esse mergulho pessoal, como acontece na criação. Como pesquisador, vou tão fundo em mim quanto em qualquer processo criativo como ato ou encenador.

Holofote Virtual: E não posso esquecer teu lado comunicólogo. Depois da TV Cultura do Pará, onde apresentavas o programa Cultura Pai D’Égua, onde está o jornalista Alberto Silva Neto? 

Alberto Silva Neto: Vontade de voltar à televisão não me falta, confesso. Acho que a programação local das nossas emissoras comerciais, no que diz respeito à cobertura de nossa produção artística e cultural, é muito ruim, não raro apegada a um exotismo de gosto duvidoso, o que caracteriza uma prática alienante. 

Então, eu sinceramente gostaria de voltar a pensar numa revista semelhante ao que era o programa Cultura Pai-D’égua. Mas, por outro lado, penso que um projeto como esse não está nos planos das emissoras, cujos objetivos são de outra natureza. Então, há um desejo quase utópico, eu diria, com o qual venho convivendo. Quem sabe um dia o destino muda isso.

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