28.8.18

Lendas urbanas em mini espetáculos de caixas

Fotos: Fabrizio Rodriguez
Sob a batuta de Jeferson Cecim, na coordenação, e consultoria de Aníbal Pacha e Marilea Aguiar, dois jovens atores mergulharam no universo do teatro de miniatura. E o público agora vai poder mergulhar também. O Encaixotando Lendas estreia nesta sexta, 31, no Curro Velho -  Feira da Beira, e no sábado, 1º de setembro, no Ver-o-Rio - 18h, gratuitamente. 

O Encaixotando Lendas foi premiado pelo Programa SEIVA da Fundação Cultural do Pará para desenvolver a dramaturgia de lendas urbanas para a linguagem do teatro de formas animadas em caixa. Assim surgiram as histórias da “Matinta Pereira”, “O Fantasma do Casarão Bibi Costa” e “A Moça do Táxi”. O  processo teve caráter de experimentação e formação aos participantes. Além de Jeferson Cecim, contou com a Biank Brito e Geovane Serra, atores que ainda não tinham tido nenhum tipo de contato com esse tipo de teatro. 

O Casarão Bibi Costa fica na Governador José Malcher, esquina da Joaquim Nabuco.  Essa lenda não é tão conhecida do grande público, diferente das lendas da Matinta Pereira e da Moça do Táxi, histórias que já foram contadas e recontadas não só na oralidade, mas também no cinema e até no teatro, mas nunca em miniatura de caixas.

Todas as criações trazem cenas em clima de mistério. “A ideia foi trazer o lado mais sobrenatural, mas sem enveredar pelo terror. Cada um ficou responsável por uma caixa individualmente, sendo que uma é criação mais coletiva”, explica Jeferson Cecim, ator, diretor e coordenador do projeto. 

Em dois meses de trabalho e experimentações o grupo discutiu e promoveu imersões no teatro de formas animadas, que contaram com apoio, repasse de conhecimento e relatos de experiência de Aníbal Pacha (In Bust) e Mariléa Aguiar (atriz), que já possuem, assim como Jeferson Cecim, uma vasta experiência com esse tipo de teatro.

“É tudo bem especial e desafiador. Quando estamos com nossas caixas, até o modo de chamamento das pessoas para verem as cenas por um buraco feito numa caixa, é cuidadoso. Aníbal Pacha diz que é preciso fazer o acolhimento do espectador, depois o espectador faz o mergulho, ele vê a cena e por fim vem o momento de celebração, após a apresentação”, explica Cecim, que trouxe para sua caixa, a da Matinta, o teatro de sombras.

Experiências pessoais e gritos de liberdade

Biank Brito e Geovane Serra são jovens artistas que começaram as trajetórias em áreas da iniciação artística, cênicas e plásticas, da Fundação Curro Velho. Eles também já se inserem no fazer teatral na cidade de Belém do Pará. 

Participar do Encaixotando Lendas trouxe novas informações e formação aos dois dentro de um processo criativo, que trouxe o conceito da dramaturgia do ator, no qual o ator se configura como o centro do processo criativo, compartilhando suas experiências cênicas com os outros artistas colaboradores.

“Essa é uma primeira experiência. Entrar nisso sem ter conhecimento da linguagem é uma entrega total, tu não tem ideia do que vais fazer e chega a ser desesperador determinados momentos, mas o que me tranquilizou foi trabalhar com o Jeferson, que é alguém com experiência”, diz Geovane


Para ele, o mais desafiador foi o trabalho de síntese e de comunicação de uma história. Foi preciso uma pesquisa mais profunda sobre o Casarão Bibi Costa, entender essa história do escravo e traduzir através disso uma história que mexeu intimamente com sua própria história.  O ator contou a história de um escravo que foi torturado e morreu no Casarão Bibi Costa, uma edificação construída na Bélle Époque paraense, na base do trabalho escravo.

“Quando eu pego essa história percebo que ela tem muito mais do que só um fantasma e precisei entender essa história de forma mais ampla para tentar passar isso para as pessoas. Na minha concepção a ideia não é mostrar um palacete grandioso, construído na base do trabalho, numa época em que muitos morreram nos seringais e isso mexe comigo, sou negro. 

Por isso, minha caixa é um grito de socorro e de revolta contra a escravidão”, diz o ator, que já atua nas artes que trabalham com a consciência negra através da percussão (criação e execução), é capoeirista, aderecista, assistente de direção de arte, dentre outras funções. 

“Tenho uma experiência mínima em construir cenários e adereços, mas criar a cena de caixa é muito diferente, não é só pensar na construção de uma caixa para contar uma história, mas colocar coisas pessoais tuas nisso, o que é mais difícil ainda. Depois dessa experiência vejo que não tem como contar histórias sem aplicar algo teu e assim o pequeno mundo da caixa, onde tudo é em miniatura, se torna enorme”, finaliza Geovane.

Moça do Táxi traz a questão feminina

A dramaturgia da caixa também expandiu o processo de criação de Biank para a sua caixa da lenda A Moça do Táxi. Nivelando sua pesquisa, ela também foi levada a se colocar ativamente como criadora e não apenas a cumprir seu papel de interpretar a criação de outros. O ator, aqui, é também fio condutor do processo de atelier e de vida.

“No início parecia simples. Criar uma caixa cênica para desenvolver uma cena ali, mas os desdobramentos me levaram a várias questões”, diz Biank, que pesquisou a lenda da Moça do Táxi e constatou que a mesma lenda é contada em diversas cidades, mas somente aqui ela ganhou nome e sobrenome. Josefina Conte era filha de um empresário do ramo de calçados. 

“Ela era muito jovem e gostava de viajar ou passear pela cidade. O pai dava de presente a ela todos os anos um passeio pela cidade, de carro. Isso me levou a pensar que ela não sai do cemitério para assustar as pessoas. 

E naquela época as meninas não podiam sair sozinhas, as mulheres não tinham não tinham o direito de ser quem elas eram ou fazer o que queriam. Então a minha caixa traz essa conotação de grito de liberdade de Josefina”, diz Biank. A atriz diz que se identificou muito com a história. 

“Sou andarilha nata. Adoro passear para ver coisas, a arquitetura e os azulejos da cidade, de certa forma assim me sinto um pouco Josefina. O meu processo trouxe esse canto de libertação e de ressignificação dessa mulher diante de uma sociedade que oprime”, finaliza ela que iniciou seu fazer artístico intuitivamente através de suas observações de seu bairro, amigos, a própria cidade de Belém e os demais locais de convívio onde a arte circula. Atualmente ela participa do grupo de teatro Virarumos na função de atriz, figurinista e aderecista.

Ficha Técnica

Artistas criadores: Biank Brito, Geovane Serra, Jef Cecim 
Figurinos: Jef Cecim
Costura de figurino: Mariléa Aguiar
Maquiagem: Cristina Pessoa
Montagem das trilhas sonoras: André Butter 
Vídeos de processo em atelier: Claudio Castro
Montagem de vídeo : André Marçal 
Produção: Bianka Brito, Edielson Goiano, Geovane Serra, Jef Cecim 
Fotografia: Fabrizio Rodriguez
Escritura do projeto: Edielson Goiano 

Serviço
Encaixotando Lendas – apresentações nesta sexta, 31 de agosto no Curro Velho, dentro da programação da Feira da Beira, e no sábado, 1º de setembro, no Complexo Ver o Rio. A partir das 18h.

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