Foram sete anos de ausênica, mas o 5º Amazônia Doc volta em abril e as inscrições ainda estão abertas, até dia 20 de fevereiro, no site www.amazoniadoc.com.br. A gente faz aqui uma retrospectiva das edições anteriores e bate um papo com a idealizadora do festival, Zienhe Castro.
Lembro perfeitamente. O primeiro Festival Pan Amazônico de Documentários – Amazônia Doc, realizado em 2009, trouxe exibições de longas, médias e curtas metragens, filmes de animação, sobre comunidades, movimentos sociais, costumes e identidades. Já conhecíamos o formato de festival voltado ao documentário, por causa do É Tudo Verdade, mas o foco, no caso do Amazônia Doc, é o cinema Pan-Amazônico realizado nos países da região: Brasil, Peru, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Guiana e Suriname.
O projeto se espalhou na cidade com sessões no Cine Olympia, Líbero Luxardo, Instituto de Artes do Pará (IAP), Instituto de Ciências da Arte (ICA/UFPA), Fundação Curro Velho, Estação das Docas e Cine-teatro Maria Sylvia Nunes. A programação, inteiramente gratuita. Naquele ano rendeu-se homenagem a Ruschi (1915 – 1986), cientista, agrônomo e naturalista considerado o Patrono da ecologia no Brasil. Ele deu nome ao Grande Prêmio, “Augusto Ruschi”, que consistia na quantia de R$ 15 mil, entregue ao documentário “Mataram Irmã Dorothy”.
Zienhe Castro |
Em 2010, a programação trouxe participação do animador gaúcho Otto Guerra, que exibiu Sexo, Orégano e Rock and roll, do teórico, crítico, escritor e cineasta Jean-Claude Bernardet, entre outras celebridades. Na tela, entre outros, vimos também “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo”, obra experimental dos cineastas Karim Aïnouz (Madame Satã e O Céu de Suely) e Marcelo Gomes (Cinema, Aspirinas e Urubus), e Lixo Extraordinário (Waste land), direção de João Jardim (Janela da Alma e Pro dia Nascer Feliz), da cineasta Karen Harley e da documentarista inglesa Lucy Walker.
A 3ª edição, em 2011, inscreveu mais de 200 filmes brasileiros e de outros países da pan-Amazônia, sendo que 19 deles foram selecionados, entre longas, médias e curtas metragens. O documentário “Soldados da Borracha” foi um deles, concorrendo na categoria “Melhor curta documentário”, vencendo no Júri Popular. Foi mais um ano em que o festival se espalhou na cidade, com mostras no Cine Olympia, Cine Líbero Luxardo, Sesc Boulevard e Colégio Ideal.
4a edição foi reduzida e viabilizada dentro da Feira do Livro
Foram três anos de um festival que deixou suas marcas positivas. Não dava para entender a ameaça dele não ser realizado em 2012. E de fato, sem patrocínio, chegou a ser realizado, mas de forma reduzida e dentro da programação da 22ª Feira Pan Amazônica do Livro.
“Na 4a. edição, já estávamos quase "jogando a toalha" por falta de patrocínio e apoio. Fui então convidada pela SECULT para realizar o Amazônia Doc, dentro da programação da Feira do Livro. O resultado não foi positivo, tivemos muitos entraves, pouquíssimos recursos, tanto na infraestrutura como na programação. No final dessa 4a Edição, avaliamos que não era válido continuar se não pudéssemos garantir a qualidade na curadoria, na exibição e na presença de alguns realizadores”, conta Zienhe, em entrevista ao Holofote Virtual.
A pausa, de sete anos, trouxe reflexão e foi um período em que Zienhe também saiu de Belém. Passou três anos fora estudando, mas sem deixar de produzir. O curta “Promessa em Azul e Branco” foi realizado fora daqui e teve lançamento em 2013. A cineasta retornou a Belém, em 2017 e decidiu tirar o projeto da gaveta e submetê-lo ao edital do MinC para Mostras e Festivais.
“A decisão de retomar o projeto veio em plena harmonia com o sentimento de que precisamos nos apropriar do que significa sermos filhos da Amazônia, então precisamos conversar sobre isso, daí um festival de cinema Pan-Amazônico, com vários países que nos devolve a imagem de nós mesmos, da nossa realidade. Foi uma enorme satisfação , pois acredito na importância do Festival como janela de exibição e debate sobre as problemáticas e potencialidades desse imenso território Amazônico, tendo nós amazônidas como protagonistas dessas questões”, continua.
Documentários e a força política da memória
Zienhe: set do curta sobre Eneida de Moraes |
Um festival de documentário é muito bem vindo, num momento em que vivemos a negação de nossa própria história, a serviço do discurso que tem a intenção de regular e silenciar a memória e muito mais que isso, atingir nossa identidade cultural, étnica e a própria liberdade.
“Existem forças políticas e interesses econômicos contemporâneos que necessitam reescrever ou apagar a memória coletiva de um país, e a Arte sempre foi e será um poderoso antídoto contra isso, mesmo quando oprimida.
Menos pelo poder político da arte, que é superestimado, mais pela sua capacidade de fixar memórias. Fazer arte, fazer cinema, fazer documentário, é memória. Histórias são formas elaboradíssimas de memórias. Em especial, o documentário de arquivo é um estudado resgate de memórias, de histórias esquecidas, de personagens, de vidas. Um pais que faz um cinema livremente é um pais que rejuvenesce nas suas memórias. Um governo que quiser apagar memórias tem que controlar o cinema, cercear as artes, essencialmente rebeldes”, diz Zienhe.
A cineasta chama atenção também para outras formas de apagar a memória. “Destruindo lentamente seus registros, suas obras, digo materialmente. O desprezo e descaso com a nossa memória arquivada, nas suas diversas formas, é tratada no Brasil, e tristemente resumida numa imagem que já se tornou icônica: O incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro. O fogo não foi apagado, nem nunca será, ironicamente, a memória dele. E vai virar documentário, com certeza”, conclui.
Fora do calendário da cidade todos esses anos, as expectativas para a 5a edição são as melhores, com oficinas, debates e mostras que abordam questões sociopolíticas, socioambientais, e socioculturais da região da Pan Amazônica. De 16 a 21 de abril, com realização é da Secretaria do Audiovisual, do Ministério da Cultura, com produção da Z Filmes e Instituto de Cultura da Amazônia (Culta).
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