Fotos: Rogério Folha |
Você acha que já viu este show e não está enganado. "Vida é Sonho" já foi apresentado outras vezes em Belém, mas nunca como você vai ver nesta quinta-feira, 17, quando o cantor e compositor Renato Torres o lança nas plataformas digitais, pela manhã e, às 19h, ao vivo, no Centro Cultural Sesc Boulevard.
O lançamento conta com a participação de vários artistas colaboradores do projeto, que nasceu da necessidade de fazer escoar uma parte da volumosa produção do músico, mas que acabou gerando e realizando muitos outros sonhos. Gravado entre 2015 e 2018, o disco traz camadas instrumentais na percussão de João Paulo Pires, os baixos de Rubens Stanislaw, os pianos de Rodrigo Ferreira, os bandolins de Diego Xavier, além dos violões de Renato Torres, vozes, participações.
São 10 parcerias diferentes de três gerações da música paraense, em 12 canções. Da velha guarda, há parcerias com Ronaldo Silva, Jorge Andrade e Edir Gaya. Da geração do compositor, parcerias com Valéria Fagundes, Henry Burnett, Paulo Vieira e Dionelpho Jr. E ainda da novíssima geração, como a mineira Alice Belém e Daiane Gasparetto.
O show de lançamento vai contar com a participação de alguns deles. O palco terá Armando de Mendonça, Camila Honda, Carol Magno, Dionelpho Jr, Jade Guilhon, Valéria Fagundes e Daiane Gasparetto, todos acompanhados pela “Banda do Sonho”, com João Paulo Pires (percussão), Rubens Stanislaw (baixo), Diego Xavier (bandolim, percussão e vocais) e Rodrigo Ferreira (teclado).
É o primeiro disco solo autoral de Renato Torres, que iniciou o projeto em 2012, incentivado por amigos como o violonista e compositor Henry Burnett e a cantora e instrumentista Iva Rothe. “Eles diziam que eu devia mexer nesse volume de composições que tenho”, diz Renato que na época estava atuante com o Clepsidra, banda autoral, com pegada do rock e do experimental. “Muita coisa que eu compunha e que tinha outra via, outra cara, eu decidi trabalhar e dar um formato, tendo o violão em seu papel primordial nos arranjos centrais”, comenta Renato Torres.
O músico bateu um papo com o blog. Falou das inúmeras tentativas de financiamento para a gravação do disco e de como as dificuldades o levaram a criar o Guamundo, seu home stúdio, onde já foram gravados trabalhos de outros artistas, como Sonia Nascimento, Les Rita Pavone, Henry Burnett e mais recentemente o novo disco de Lucas Guimarães e o primeiro de Edir Gaya. Inquieto como já dissemos outra vez aqui, enquanto gravava Vida é Sonho, ele também lançou um livro de poemas, o Perifeeéico (Ed. Verve, 2014).
Holofote Virtual: É intenso e longo o percurso do Vida é Sonho. Foram várias tentativas de financiamento por lei de incentivo e programas de editais. Quando e como você realmente decidiu gravar em sua própria casa?
Renato Torres: Foi um processo longo mesmo, vai fazer sete anos em abril. Depois de decidir apostar no trabalho solo fiz shows e escrevi o projeto do disco na Lei Semear. Consegui a carta durante dois anos, mas não consegui captar. Em 2013 tentei o Natura Musical,mas também não consegui, ao que parece o orçamento ficou alto.
Não consegui e entrei em crise, desacreditando e achando que meu trabalho não tinha interesse. Foi um par de semanas assim até que resolvi me erguer. Olhei para o lado, vi que tinha equipamentos ali e disse, quer saber, eu vou gravar esse disco, eu sei fazer isso. Comecei a gravar, subi algumas para a internet e as pessoas ouviram e começaram a perguntar onde eu estava gravando. Era em casa e foi como nasceu o Guamundo, pois gravei vários artistas dessa mesma cena independente.
Em 2014 eu também lancei meu livro de poemas o Perifeérico, que é também um filhote do Vida é Sonho. Também tentei financiamento coletivo, fui fazendo pequenas apresentações, a última em 2017, já falando em financiamento afetivo e assim lancei um ‘promo’ com três canções. No final de 2018 é que realmente fechamos o disco.
Renato Torres: Diversos altos e baixos, participações cotadas que tiveram de ser substituídas (Dulci Cunha não pôde gravar flauta transversal em "Manhã de Janeiro", e foi substituída por Jade), outras que surgiram ao longo do processo (decidi chamar Camila e Carol pra gravar depois de suas últimas participações no "Vida é Sonho" em palco).
Os vocais do álbum seriam feitos pelo Diego, mas por questões de agenda, eu mesmo acabei gravando todos. Por conta de ser uma autoprodução onde estou envolvido em todas as fases do processo diretamente (compus, toquei, cantei, arranjei, dirigi, mixei e masterizei), o processo precisou necessariamente dessa oxigenação de tempo, pra que eu pudesse compreendê-lo e levá-lo a cabo até o fim. O Rodrigo Ferreira, a Carol Magno, e os meninos da banda de uma maneira geral auxiliaram no processo dando opiniões, e me ajudando a ouvir o disco sob diferentes perspectivas.
Holofote Virtual: Nossa, uma saga e tanto. E como ficou o repertório do disco, do que fala esse trabalho?
Renato Torres: O conceito e o repertório são os mesmos desde o inicio. Mudaram poucas musicas, teve apenas uma do primeiro repertório que saiu, mas o disco versa sobre a necessidade que temos da arte no cotidiano, para transformar, a dureza do dia a dia, em sonho, magia e encantamento, e que promove encontro. É a canção funcionando como esse vetor que possibilita a gente viajar nessa máquina do tempo, que leva a gente para texturas, ambientes e memórias, nessa função imprescindível da poesia, ainda mais agora nesse tempo escroto de muitos absurdos acontecendo no país. O disco representa a necessidade que temos de afirmar esse lugar de encontro e celebração.
Renato Torres: No espetáculo ao vivo apresentamos a dissolução da barreira entre artistas e público. Acontece nessa figura do Brincante, que é um alter ego que eu visto e que sou eu mesmo, e que chamo de Renato Torres Superlativo, o eu lírico que vai para o palco, dialogando com a performance dos artistas convidados e com a plateia. O show tem poesia, canção e muita performance.
Holofote Virtual: O que caracteriza o álbum em seu conjunto estético musical?
Renato Torres: O álbum dialoga essencialmente com a tradição acústica da música popular brasileira, construída em torno do violão de cordas de nylon como instrumento preferencial dos compositores do cancioneiro popular. A ele se aliam os timbres do piano (evocando a música clássica), bandolim (de origem lusa), baixo elétrico (oriundo da música pop norte-americana) e a percussão (que estão na base cultural formativa da música brasileira).
Outro traço determinante do álbum são os arranjos vocais, que se referendam nas atmosferas da música mineira, latino-americana e gitana. Por fim, as canções valorizam especialmente a palavra, por serem as letras poemas musicados, ou seja, as palavras vieram antes das melodias, ou no mínimo simultaneamente.
Holofote Virtual: De alguma forma, o álbum traz em sua essência também a musica amazônica?
Renato Torres: Em "Vida é Sonho" eu afirmo como em nenhum trabalho anterior uma estética musical que se embebe de texturas e determinados ritmos amazônicos que considero fundantes, como o boi bumbá, por exemplo, que já se apresenta na canção de abertura "Eu que não sei de nada". Essa canção, aliás, determina de cara o universo poético da canção popular e do artista popular onde o trabalho todo se apoia. Evidentemente, não faço concessões a nenhuma emulação gratuita de nenhuma expressão dita "típica", ou explicitamente "folclórica", pelo fato simples de eu ser um compositor e músico da Belém urbana.
O trabalho, desta forma, traz todo o meu referencial da música brasileira, com todo seu arrojo e apuro musical (confirmado pela competência dos instrumentistas que gravaram este trabalho comigo), entregando as sutilezas e belezas da música amazônica, expressas especialmente pela percussão. Em última análise, como venho dizendo há anos em entrevistas, minha música é paraense e amazônica, mas não se compromete em ser nem ufanista, nem em deitar-se confortavelmente em nenhum lugar-comum. Estou comprometido com minha visão artística, e creio que "Vida é Sonho" expressa bem isso.
Holofote Virtual: Foram sete anos para conseguir chegar ao disco físico, que aliás ainda chegará em mãos, não é isso?
Renato Torres: O disco sairá pelo selo Na Music. Era pra estar aqui, mas quando enviamos já beirava final de ano e teve recesso, enfim, atrasou. Quando chegar devemos fazer um novo show, provavelmente no Núcleo de Conexões Na Figueredo. Nesta quinta-feira, porém, já vamos acordar ouvindo tudo no Spotfy, Deezer, Apple Music.
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