Valmir Santos - Foto reprodução/Internet |
Em 2022, o povo da cultura voltou às ruas, mas isso nem de longe foi o suficiente para recuperar o setor. Houve um processo lento mas no final deste ano vias ser aprovada a Lei Valmir Bispo, devidamente revisada, para instituir o Sistema Municipal de Cultura. Também no finalzinho do ano, a lei que institui Sistema Estadual de Cultura também foi sancionada, mas há algumas críticas sobre ela, enquanto que a Valmir bispo pode ser considerada, desde já, diz Valmir, como uma referência para o país.
"Acho que as perspectivas para 2023 para a Cultura são muito positivas. Sobretudo tendo em vista as mudanças projetadas para 2023 com um novo governo federal eleito, com a vitória de Lula e de uma ampla frente democrática. Somente o fato de ter derrotado o governo de extrema-direita do Bolsonaro, que tinha uma agenda destrutiva para a Cultura, já trouxe um enorme alento", diz Valmir Santos.
No âmbito federal, temos a volta do Ministério da Cultura, extinto no governo Bolsonaro, e a execução da lei de Política Nacional Aldir Blanc (2) de Fomento à Cultura, que vai garantir repasses anuais de R$ 3 bilhões da União a estados e municípios para incentivar o setor cultural, durante cinco anos, e a lei Lei Complementar 195/22 Paulo Gustavo, que direciona R$ 3,86 bilhões do superávit financeiro do Fundo Nacional de Cultura (FNC) a estados e municípios para fomento de atividades e produtos culturais em razão dos efeitos econômicos e sociais da pandemia de Covid-19.
"A vitória de Lula traz auspícios muito bons para o povo da Cultura. E não somente por conta da recriação do MinC, mas sobretudo porque traz consigo a reconstrução e fortalecimento das políticas culturais democráticas e inclusivas que foram construídas durantes as gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira à frente do MinC, no primeiro e segundo mandatos de Lula", continua.
Doutor em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ (2015), Mestre em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido pela Universidade Federal do Pará - UFPA (1997), Especialista em Desenvolvimento de Áreas Amazônicas pela UFPA (1991) e Graduado como Bacharel em Ciências Econômicas pela UFPA (1986), Valcir Santos é professor associado da Faculdade de Ciências Econômicas (FACECON), ligado ao Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA) da Universidade Federal do Pará (UFPA). Confira!
Uma realidade em 2023! |
Valcir Santos: Em especial, isso quer dizer que na agenda da Cultura vão estar de volta programas como “Cultura Viva” e, sobretudo, o fortalecimento do Sistema Nacional de Cultura (SNC), que possibilita uma integração entre as políticas culturais de Municípios, Estado e União. Além disso, o SNC possibilita uma ampla participação social na gestão da política cultural, além de conter uma visão mais abrangente de Cultura.
A indicação do nome de Margareth Menezes sinaliza uma inclusão mais ampla e diversificada, sobretudo dos segmentos pretos, mas também LGTQI+++, indígenas e quiçá ribeirinhos, o que pode ser uma grande novidade para os povos amazônicos. Por outro lado, o orçamento da Cultura vai estar muito turbinado, sobretudo com a execução das Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2.
A previsão é de um aporte de recursos acima de 10 bilhões de reais para a Cultura. Aliás, esse deve ser outro grande diferencial, pois nem nos melhores momentos da gestão do Gil e do Juca no MinC se conseguiu tantos recursos para a Cultura! Portanto, há muitos motivos para estar bem otimista com o cenário para a Cultura em 2023, sobretudo tendo em vista que estamos saindo de um governo federal dominado por grupos extremistas e fascistas e que foi muito tenebroso para a Cultura.
Primeiro encontro com a nova Secult, em 2019. |
Valcir Santos: Sim, espero que os Sistemas de Cultura Municipal de Belém e Estadual do Pará consigam, enfim, funcionar em 2023. Mas com algumas diferenças importantes. Em comum, há o fato de que ambos foram aprovados e estão sendo sancionados praticamente na mesma época e recentemente. Outro fato em comum é que ambos devem começar a funcionar a partir da eleição dos Conselhos de Cultura – no caso de Belém, por meio do CMPC (conselho municipal de política cultural) e no Pará por meio do Conselho Estadual de Cultura. Em ambas, as eleições dos conselheiros deve ocorrer por meio da efetivação dos Fóruns Setoriais de Cultura, que deve possibilitar uma participação maior e mais direta dos fazedores de cultura.
Mas creio que o Sistema Municipal de Cultura de Belém (SMC Belém) vai ser mais completo e com instâncias mais democráticas e participativas do que o Sistema Estadual de Cultura do Pará. Isso porque, com a aprovação da Revisão da Lei Valmir Bispo Santos pela Câmara Municipal de Belém no dia 5 de dezembro deste ano, conseguiu recuperar os avanços e inovações democráticas mais importantes do texto original da Lei Valmir. É importante lembrar que a Lei Valmir, em seu texto original aprovado em 2012, foi elaborada pelos movimentos culturais de Belém. Por isso, provavelmente o Sistema Municipal de Cultura de Belém é provavelmente o mais avançado em termos de capitais brasileiras.
Valcir Santos: O grande desafio vai ser efetivar a Lei e os seus principais mecanismos e instrumentos. Entre os seus instrumentos principais, destaca-se o chamado “CPF da Cultura” (Conselho, Plano e Fundo municipais de cultura). No caso dos recursos para a Cultura, a Lei Valmir prevê um patamar básico (mínimo) de pelo menos 2% da receita líquida do município para a Cultura.
Nenhum município prevê tantos recursos proporcionais do orçamento municipal destinados à Cultura. Além disso, pelo menos 40% do orçamento da FUMBEL (ou do órgão gestor da cultura municipal) seja destinado ao Fundo Municipal de Cultura. E isso é importantíssimo, pois vai possibilitar um acesso mais amplo e democrático para o financiamento de projetos culturais, especialmente por parte de coletivos, grupos e artistas ligados à cultura popular e regional e da periferia de Belém, que são excluídos historicamente ao acesso de recursos oriundos das leis de renúncia fiscal, como Tó Teixeira (municipal), Semear (estadual) ou Rouanet (federal).
Outra grande inovação democrática da Lei Valmir é o funcionamento dos Fóruns Setoriais e Distritais de Cultura, que vão ser permanentes e possibilitar uma participação direta dos fazedores de cultura na discussão e definição das políticas culturais. Isso vai estabelecer um modelo inédito de democracia participativa e de governança na área da Cultura. Isso se o Sistema Municipal de Cultura de Belém funcionar tal como estabelece a Lei Valmir.
Valcir Santos: Nenhum desses instrumentos tão avançados do SMC Belém estão previstos no Sistema Estadual de Cultura do Pará. Aliás, o SEC Pará tem um grande “furo” e que ainda precisa ser consertado. Isso porque o projeto enviado pelo Governo do Estado/SECULT não prevê a criação do Fundo Estadual de Cultura, que é um dos elementos basilares do sistema de cultura. Diga-se de passagem que o Fundo é um instrumento obrigatório do Sistema Estadual de Cultura, e a sua ausência é inexplicável.
Por mais que a SECULT possa argumentar a existência do FEPAC, que é um fundo ligado à Lei Semear, não se pode comparar um instrumento ligado à lei de renúncia fiscal com um fundo público. Há várias diferenças, entre as quais a que o Fundo requer uma conta própria, regras claras de uso dos recursos e possibilidade de receber recursos do Fundo Nacional de Cultura que um instrumento da renúncia fiscal não tem.
Além disso, as atribuições do Conselho Estadual de Cultura foram limitadas nesse projeto do Governo do Estado, inclusive retirando a competência de fiscalização sobre o sistema estadual de financiamento da cultura. Por tudo isso, se faz urgente que se faça uma Audiência Pública para definir claramente como pode ser aprimorado o arranjo pelo qual foi aprovado o Sistema Estadual de Cultura do Pará.
Michel Pinho na Fumbel - Memorial dos Povos |
Valmir Santos: Acho que há problemas de gestão tanto da FUMBEL, em Belém, como da SECULT, em termos estaduais. De certa forma, há um grande desapontamento com as gestões dos dois órgãos de cultura por parte dos fazedores de cultura e dos movimentos culturais, de forma geral. Esperava-se que a direção da FUMBEL estivesse à frente das principais bandeiras do programa de governo municipal na área da Cultura, que eram, sobretudo, a Revisão da Lei Valmir e a efetivação do Sistema Municipal de Cultura.
Estamos praticamente no meio do mandato do Prefeito Edmilson Rodrigues, e só agora, no final do segundo ano de governo é que foi enviada à Câmara Municipal o projeto de Revisão da Lei Valmir. E isso só ocorreu por conta da pressão dos movimentos culturais, sobretudo do Fórum de Culturas do Pará, que desde o início do governo Edmilson propôs para a direção da FUMBEL a formação de um Grupo de Trabalho paritário entre o governo municipal e a sociedade civil para a elaboração de uma proposta conjunta de Revisão da Lei Valmir.
A gestão do presidente Michel Pinho, da FUMBEL, preferiu elaborar uma proposta por conta própria, e cuja primeira versão quase reproduzia o texto do ex-prefeito Zenaldo Coutinho, que adulterou completamente o texto original da Lei Valmir em 2017. Há uma dificuldade muito grande da atual direção da FUMBEL em dialogar com os movimentos culturais.
O Fórum de Culturas do Pará só conseguiu ter um diálogo melhor com a Prefeitura de Belém por meio da coordenação do Tá Selado (programa de participação social do governo municipal) e pela mediação dos conselheiros de cultura do Congresso da Cidade, que conseguiram abrir um canal de interlocução com a SEGEP (secretaria municipal de gestão e planejamento).
Essa dificuldade da atual direção da FUMBEL em dialogar com os movimentos culturais atrasou bastante a execução das principais propostas do próprio governo municipal na área da Cultura. Inclusive isso está emperrando a utilização de recursos do Fundo Municipal de Cultura, pois é preciso a autorização do Conselho Municipal de Política Cultura para isso.
No entanto, o mandato dos antigos conselheiros (ainda remanescentes da gestão Zenaldo, e cuja legitimidade era muito questionada pelos movimentos culturais) terminou em 2021, e com isso Belém está praticamente há dois anos sem o funcionamento adequado do Conselho Municipal de Política Cultural e utilização dos recursos do Fundo Municipal de Cultura.
Holofote Virtual: E no caso da gestão de cultura do Estado?Úrsula Vidal, como secretária em 2019.
Ao lado o seu adjunto Bruno Chagas,
atual titular da pasta.
Valcir Santos: No caso da SECULT, a situação também é ruim, pois durante todo o primeiro governo de Helder Barbalho e gestão de Ursula Vidal à frente da SECULT, o Conselho Estadual de Cultura não se reuniu uma só vez. Havia a expectativa de mudanças profundas com a nova gestão, sobretudo depois de duas décadas de domínio praticamente “absolutista” de Paulo Chaves durante os governos tucanos.
Portanto, era preciso mudar completamente a política cultural do Estado, tornando-a democrática e mais regionalizada. E a principal expectativa para isso seria por meio da implantação do Sistema Estadual de Cultura, pois o Pará é o Estado mais atrasado da Amazônia em termos de adesão ao SNC e de construção do seu sistema estadual de cultura. Mas a gestão de Ursula se mostrou muito tímida nesse aspecto.
A proposta do Sistema Estadual de Cultura só foi colocada na ALEPA por conta da inciativa da deputada estadual Marinor Brito (PSOL), que presidia a comissão de cultura da ALEPA e pautou o projeto de formação do SEC Pará. Outro fator importante se deve pelo contexto da pandemia do coronavírus e, sobretudo, à reboque da Lei de Emergência Cultural, conhecida como Lei Aldir Blanc. Segundo a Escola de Políticas Culturais, mais de 570 municípios brasileiros criaram sistemas municipais de cultura por conta da execução dos recursos da Lei Aldir Blanc. Isso também se refletiu no âmbito estadual, como no caso do Pará. E o grande sucesso social (e político) da Lei Aldir Blanc se deve à grande mobilização nacional que ela provocou, sobretudo por meio da atuação dos movimentos culturais.
Uma das Galerias do MABE, museu em reforma atualmente. |
Valcir Santos: Espero que haja gestões mais participativas e profissionais nos órgãos gestores da cultura, tanto no município de Belém, como no Estado do Pará. Em nível municipal, espero que com a constituição e efetivação dos instrumentos do Sistema Municipal de Cultura de Belém, se crie a Secretaria Municipal de Cultura. Já está mais do que evidente que a estrutura atual da FUMBEL é incompatível para gerir o SMC Belém.
E no caso da SECULT, também se faz urgente a capacitação de funcionários, técnicos e de seus dirigentes para que possam gerir o Sistema Estadual de Cultura. Uma prova do quanto isso se faz urgente é o fato de não ter sido prevista a criação do Fundo Estadual de Cultura no projeto do SEC Pará da SECULT/ Governo do Estado do Pará.
É uma falha tão bisonha que só pode ser explicada pela falta de conhecimento técnico básico. Ou intenção política. Enfim, espero que haja mudanças efetivas e urgentes na gestão desses órgãos culturais em nível local e estadual. Até para se tornarem mais compatíveis com as mudanças que devem ocorrer em nível nacional, com a recriação do MinC (inclusive de escritórios estaduais do MinC) e fortalecimento do Sistema Nacional de Cultura. A Cultura do Pará e da Amazônia agradeceria profundamente.
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