12.8.11

Quando o repórter sai da redação para ver e ler a Amazônia de perto

Bolívia (foto: Beetohven Delano)
‘Uma viagem pela Amazônia profunda’. É esta a definição de Ricardo Kotscho para “Sujando os sapatos - O caminho diário da reportagem”, o novo livro do repórter Ismael Machado. “Ao terminar de ler este livro, eu me senti como se estivesse voltando de mais uma reportagem pelas profundezas da Amazônia, com a vantagem de não ter saído de casa”, disse um dos mais importantes repórteres do país a respeito do livro, que será lançado neste sábado, 13 de agosto, no Instituto de Artes do Pará (IAP), a partir das 19h.

Ficou difícil iniciar a introdução à entrevista feita com Ismael Machado, sem citar este trecho do Kotscho no prefácio do livro, pinçado, inclusive para o próprio release de divulgação desta obra. É que ele consegue resumir tudo que se vai dizer adiante.

O blog já tinha divulgado, recentemente, a publicação desta entrevista na semana passada. Feita em junho, na casa de Ismael, na presença de Michele Maia, sua grande companheira, amada, amiga e muitas vezes produtora, a pauta foi também anunciada, naquele mesmo mês, pelo próprio Ismael, em sua coluna Parabólica. É claro, muita gente cobrou. Mas depois de tanto atraso, ficou resolvido que sairia na véspera do lançamento do livro.

Tanto melhor, pois nestes últimos dias pude acompanhar, ainda que on line, um pouco da bagunça na vida desse repórter. A rotina do jornalista foi quebrada. Ao invés de fazer perguntas e observar, como ele prefere na maioria das vezes, ele respondeu perguntas, foi observado. Sim. Dias nervosos e de agitação total para que tudo esteja ‘de cima’ nesta noite de autógrafos, onde certamente ele se emocionará com os encontros e reencontros que terá com amigos, leitores e fãs de seu trabalho. Em sua coluna desta sexta-feira, 12, a Parabólica, no Caderno Por Aí do Diário do Pará, o próprio confessou sua tensão.

Abaetetuba-PA (foto: Carlos Silva)
“Há 14 anos eu estava na mesma correria. Tenso, Nervoso, Feliz...”, escreveu referindo-se ao primeiro livro, de contos, "Vapor Barato". Nesta época, Bill (gente, é um apelido das antigas, do finalzinho dos anos 1980 e do qual não consigo me desfazer, pois Ismael assim me foi apresentado quando o vi, pela primeira vez, beirando a orla da UFPA, próximo ao Vadião) morava em Porto Velho, Rondônia, lugar onde ele também exercitou o jornalismo cultural.

E esta vivência talvez tenha contribuído para outro trabalho, “Decibéis sob Mangueira” (2004), que veio em seguida, outros sete anos depois, tratando do circuito roqueiro dos anos 80 em Belém. Este equilíbrio no espaço de tempo entre um lançamento e outro também lhe chamou atenção e foi citado na coluna de hoje. Verdade, Bill, é muito cabalístico isso.

Assim como, de certa forma, devem estar contaminadas as reportagens coletadas neste livro, que reúne ao todo 19 textos, publicados no Diário do Pará, onde ele trabalha desde 2008, como repórter especial. Realizadas em garimpos, comunidades quilombolas, aldeias indígenas, as matérias trazem a marca de sua escrita.

Foto: Tarso Sarraf
No livro, porém, o repórter vai mais longe e além dos textos publicados na íntegra, ele tece comentários a respeito de cada um deles. Para chegar a este número seleto de reportagens, Ismael contou com a colaboração de 10 outros jornalistas, que o ajudaram a encontrar o melhor entre os 30 textos que ele já havia pré-selecionado.

Ainda não vi o livro, mas certamente li muitos de seus textos, que adentram pelo universo amazônico focado sob o olhar do repórter. Com certeza valerá à pena para todos. Abaixo a conversa discorre sobre o pensamento de Ismael sobre o jornalismo brasileiro, sobre o próprio livro, internet, sobre sua carreira e entrada no mercado jornalístico depois de ter abandonado psicologia e feito turismo.

Mas a entrevista não traz o conteúdo total, na íntegra, que é bem maior. Foram mais duas horas de gravação, acreditem. Por isso, precisei dar uma enxugada como se diz no jargão jornalístico. Ficaram de fora citações e coisas que permanecerão em off, para quem sabe, um dia no futuro, figurarem numa biografia não autorizada (risos).

Holofote Virtual: Qual tua opinião sobre o jornalismo que se faz, hoje, na imprensa brasileira e mais especificamente na Amazônia?

Ismael Machado: Eu acho que o jornalismo se esqueceu de falar de gente, este é o problema. Os jornalistas querem falar deles mesmos, olhando pro próprio umbigo e esquecem que existe gente por trás. A minha intenção é mostrar o que está por traz da história, da política, da polícia, da cultura. Falar de gente interessa muito mais do que dar os números com os quais se enchem as matérias. O meu interesse jornalístico é saber o que estas pessoas que estão nas minhas matérias pensam.

Holofote Virtual: Notícia que se dá primeiro é a melhor?

Ismael Machado: Não me preocupo com a velocidade, ou de quem deu a primeira notícia de um fato, se foi o twitter ou o facebook, ou o site e tal. Não me interessa quem deu primeiro, mas quem deu a melhor. Não adianta dar primeiro. Eu quero saber quem vai dar com mais profundidade. É como sexo, nem sempre o primeiro é o melhor (risos).

Na floresta! (foto: Tarso Sarraf)
Holofote Virtual: Ei Bill, falando em internet, tu não tens twitter, não estás no Facebook. Como assim?

Ismael Machado: Parece que o mundo se reduziu na internet, mas ainda tem uma moçada fora, sem acesso. Todo mundo fica colocando no Twitter que fez isso ou aquilo. É tudo muito eu, eu, eu. Lembro que no livro “1984”, do George Orwell’s, em que ele diz que você começa a dominar um país, quando você reduz a linguagem, reduz a possibilidade de se expressar opinião. O que interessa o que eu estou fazendo agora? E o que isso representa pro cara que pesca lá no interior do Pará? O que isso diz pra alguém que mora no interior, em Curuçá, que sai às cinco da manhã para pescar?

Holofote Virtual: Mas como jornalista não te sentes cobrado pelos coleguinhas?

Ismael Machado: Eu me bato contra essas imposições. Eu vou lançar um livro com reportagens, onde em 90% delas me reporto ao interior do Pará. São vários garimpos, algumas comunidades quilombolas, aldeias indígenas e comunidade ribeirinhas. Esta é a nossa realidade e está tudo bem aqui perto da gente.

Holofote Virtual: Nem sempre é fácil extrair a informação, a notícia do nosso caboclo, do ribeirinho, dos nossos índios. Como é que tu costumas agir pra encurtar a distância entre o repórter que és (quase um invasor) e estas pessoas?

Carajás-PA (foto: Mário Quadros)
Ismael Machado: Eu entro nos lugares e procuro ouvir o que as pessoas dizem. Conheço muito repórter que já chega querendo ir embora. Outros vêm com a tese pronta e querem confirmar isso. O que eu vejo é que tu tens que te dispor a ouvir e ver. A observação é essencial. ´´E incrível como as pessoas não olham pras coisas que estão lá, bem na frente delas.

Não adianta ir fazer uma matéria onde a família que vai ser entrevistada nem tem o que comer naquele dia, e nada dizer sobre isso. Mas como dizer? Particularmente eu prefiro descrever o que vejo, como um fogão de duas bocas, feito de barro, uma panela que só tem feijão, nada de arroz. Fazendo isso você evita adjetivos. E não preciso dizer que isso está errado, que é um absurdo isso ou aquilo, que a culpa é do Governo. Basta descrever e eu mostro ao leitor algo que vai trazê-lo à reflexão. Para mim, o texto tem que emocionar, tem que dar raiva, alegria, tem que mexer com quem o lê. Não se pode deixar ser indiferente a ele.

Holofote Virtual: Na tua trajetória, sempre estivestes mais ligado ao jornalismo feito na rua, ou seja, na reportagem. É mesmo a tua preferência ou simplesmente foi rolando assim?

Ismael Machado: Eu quero ser repórter sempre. Mas quando já estava no Diário do Pará, certa vez conversando com o Jáder Filho, dono do jornal, eu disse que queria uma outra função, mas ele disse que, de antemão, não ia abrir mão do meu texto, pois sempre achou uma escrita, não só informativa, mas prazerosa de se ler. Fui ficando e agora deu neste livro.

Anapu-PA (foto: Raimundo Pacó)
Holofote Virtual: Tuas influências...

Ismael Machado: Eu não tenho muita regra, não me deixo levar pelas regras jornalísticas, mas sim pela dos textos, então minhas influências estão não só no jornalismo, mas também nos autores de ficção. Eu gosto de Ricardo Kotscho, Eliane Brum, Caio Fernando Abreu. Eu gosto de jornalistas que acabam se tornando escritores. É complicado dizer isso, mas eu fui conhecer o Ricardo Kotscho porque o Gerson Nogueira (Editor Chefe do Diário do Pará) me disse que meu texto era parecido com o dele e eu fui atrás, isso faz uns dois anos, e eu acabei o conhecendo. Há uma ignorância isso, mas não posso dizer que ele me influenciou desde sempre. Se posso dizer que alguém que me influenciou, ah, foi a Ana Maria Bahiana.

Holofote Virtual: Ah, com certeza, uma das figuras do jornalismo cultural, sem dúvida, amiga maior do Renato Russo... jornalista... e escritora!

Ismael Machado: Ela é a figura do jornalismo cultural no país. É alguém que se eu visse pessoalmente, eu nem saberia o que dizer, pois se tem alguém que mudou minha vida foi a Ana Maria Bahiana. Que eu admiro, amo. É ela, o meu modelo de tudo que imagino em termos de texto jornalístico, e o Caio Fernando Abreu é para mim, o melhor da ficção, pois me emociona bastante...

Holofote Virtual: Também conhecestes a Eliane Brum, uma história interessante, conta!

Ismael Machado: Conheci a Eliane Brum em 2005, muito tempo depois de eu ter começado a escrever, em 1995. A jornalista Helena Palmquist me perguntou ‘já lestes a Eliane Brum?” e me mostrou os textos dela. A Helena me disse que eu precisava ler a Brum, porque ela era a minha cara. E daí, fui fazer uma matéria no mesmo local em que ela já tinha estado, no interior de Altamira. Chegando lá todo mundo me perguntava por ela. E daí eu pensei: olha a minha responsabilidade.
Depois que a li, vi que o que eu fazia intuitivamente tinha de fato a ver com o que ela faz. 

Santa Izabel (foto: Sara Portal)
Holofote Virtual: Engraçada esta tua veia. Não optastes inicialmente pelo jornalismo. E hoje, além de repórter, tu dás aula num curso de jornalismo. Como foi que isso rolou na tua vida?

Ismael Machado: A minha formação não é em jornalismo. Fui fazer uma especialização nesta área, mas muito tempo depois. Cheguei a abandonar um curso de psicologia, fui fazer turismo e mais tarde a especialização em jornalismo e várias outras coisas, pois não me prendo às amarras do jornalismo. As regras estão aí para serem subvertidas, devemos, sim, conhecê-las, mas para subvertê-las. Falo pros meus alunos: você precisam aprender a fazer um lead para depois brincar com isso. Existe o jornalismo literário e o nariz de cera. Vejo muito isso quando os alunos querem escrever algo diferente.

Holofote Virtual: Mas então como foi que entrastes para este mercado, descobrindo-se com um estilo mais narrativo?

Ismael Machado: Comecei em jornal, doido pra fazer segundos cadernos. Música, cinema, literatura etc e tal. Daí fiz uma coisa que foi muito legal. Tive uma passagem em Porto Velho, Rondônia, onde tive um dos meus melhores momentos, posso dizer. Eu tinha liberdade para escrever e fazia também críticas. Depois vim pra Belém e houve uma mudança muito grande quando trabalhei em O Liberal, antes disso, perdão, na Província do Pará, também uma história interessante.

Comecei a fazer uns textos que era o seguinte, um texto principal e um ‘box’ com personagens. Foi meio acidental, aí sempre tinha uns personagens e daí as pessoas começaram a elogiar os personagens, pois eu não sabia como colocar a história deles dentro do texto principal sem diluir muito aquilo tudo que eu ouvia das pessoas.

Quando fui pro Liberal, o Paulo Sílber (jornalista, na época, editor do jornal) me disse assim: ‘teu texto é esmigalhado’. O Sílber sabe escrever e é esta a diferença, quando se pega um editor que sabe escrever. Nem sempre é assim. Ele não se preocupava com quantidade e sim com a qualidade. Ele dizia que eu tinha um texto esmigalhado porque eu ficava dividindo as matérias – tinha o texto 1, o texto 2 o texto 3 e ainda tinha os personagens.

Em 2002 eu fui pro Jornal O Globo, que me ajudou muito nesse contato com a Amazônia. Eu, como correspondente na Região Norte, viajava muito. Viajei para o Acre, Porto Velho, Macapá, Manaus, enfim pela região toda, na verdade. E eu gosto dessa coisa de me meter no mato.

Peru (Foto: Ari Karakas)
Holofote Virtual: A tua chagada ao Diário do Pará abriu uma nova janela para o jornalismo literário ou pelo menos pra quem se arrisca a fazê-lo.

Ismael Machado: Quando cheguei ao Diário, à convite do Gerson (Nogueira) eu conversei com ele e disse que queria enveredar pelo jornalismo literário. E ele disse: à vontade. A minha ida pra lá aconteceu depois que eu tinha escrito um artigo sobre o festival do Se Rasgum e mandei pro Gerson pedindo pra publicá-lo. Eu já tinha trabalhado com ele na Província do Pará. Ele era editor, com quem eu discutia rock, literatura. Bem depois que mandei o artigo, ele mandou um e-mail dizendo que estava com um projeto novo pro jornal e perguntando se eu ainda tinha paciência de ser repórter. E foi isso, me tornei repórter especial e comecei a fazer estas matérias e as pessoas foram curtindo. Agora o livro está aí!

N.E. Outras informações sobre o Ismael Machado e sobre o livro, também podem ser complementadas com a leitura das entrevistas já feitas pelas jornalistas Dani Franco, publicada no no Guiart  e Bianca Levi, na edição desta sexta-feira, 12, no Caderno Por Aí (pag. 15), que pode ser acessado na versão eletrônica do jornal, pelo Portal do Diário On Line.

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