18.11.16

Luís Girard chega "Performático" na Casa do Fauno

Mais que um tributo à música popular brasileira com sonoridades amazônicas, o cantor, produtor e ativista cultural Luís Girad faz um espetáculo completo, em que arte se faz presente na interpretação, figurino e maquiagem, revelando suas diversas maneiras de amar e respeitar o púbico. É nesta sexta-feira, 18, a partir das 22h, no quintal da Casa do Fauno. Rua Aristides Lobo, 1061, entre Benjamin e Rui Barbosa. Entrada R$ 10,00. Batemos um papo com ele, confira a entrevista "ping pong".

Luís Girard é um dos artistas mais expressivos da cena musical paraense. Cantor-intérprete, compositor, ator, produtor cultural e mais recentemente, atuando também nas artes plásticas. Ele diz que quando começou a cantar, foi inevitável se envolver com artistas e produtores de todas as áreas.

Em seu percurso como intérprete estão espetáculos cênico-musicais temáticos, tais como, “Estava Escrito” (1991), “Fasto e Nefasto” (1993), “Preto no Branco” (1998) e, até o momento apresenta “Número”, uma série de três espetáculos no formato de colagem musical que desde 2001 mostram suas experimentações sonoras sobre a canção popular em diversos espaços do País.

A sua estreia, porém, foi no espetáculo "Em nome do Amor", dirigido por Luiz Otávio Barata, outro grande artista e diretor da cena teatral paraense, já saudoso. Girard conheceu ali, o cantor e radialista Walter Bandeira, que também já nos deixou, com o saxofonista Paulo Levy, com o ator e maquiador Uirandê Mendonça, e com o fotógrafo Miguel Chikaoka, que tinha chegado por aqui, no início da década de 1980. 

“Foi essencial procurar o meu lugar junto a estes caras, e muitos outros, que me serviram de referências pra construção da minha arte. Uns que infelizmente já partiram e outros que ainda estão aí”, diz Girard, que também lembra quando percebeu que precisava ir atrás de seus sonhos, tornando-se um artista completo. 

“O X da questão me foi cantado pelo Cézar Nunes, programador da Rádio Cultura no Bar do Parque, numa noite dos anos 80, que me disse, e eu nunca vou esquecer, que o segredo de tudo era batalhar a produção. Com isso, eu percebi que deveria entender de como se produz cultura pra resolver o que eu queria fazer na minha arte”. lembra. 

Desde então, paralelamente à música, ele vem estudando iluminação cênica, cenografia, figurino, sonorização, elaboração de projetos e roteiros etc. “Não para ser ‘o cara’ mas para entender pelo menos como funcionam as coisas e para que eu possa tentar planejar e resolver qualquer pepino”, comenta. 

E ele foi mesmo à luta. Fez cinco cursos de iluminação cênica e de cenografia e foi aluno de um dos maiores cenógrafos e figurinistas do país, quando ainda morava em São Paulo, o professor Cyro Dell Nero, que partiu há cerca de três anos. 

“Deste curso, eu me tornei pupilo dele, que me encaminhou para "trampar" na montagem e desmontagem de luz, cena e projeções cênicas na Casa da Comédia (SP), que estava montando a peça "Carlos Gomes - Sangue Selvagem", que contava a vida do maestro Carlos Gomes. Um espetáculo belíssimo que circulou nos teatros de vinte e nove CEUS e cinco SESCS de São Paulo”, diz Girard. 

A paixão pelas artes plásticas veio mais recente, mas naturalmente. O cantor diz que quis ir além de ser criticamente um mero apreciador e consumidor para trazer realmente a plasticidade artística a sua carreira, pela "ambição" de construir uma estética visual própria, intervindo no seu lado musical e até no trabalho de outros.  

“Fui percebendo que o melhor caminho é a integração das artes, elas se completam e se complementam. E aí eu corro atrás disso, é inevitável não perseguir isso, mesmo que minimamente. Por que não fazer este esforço? O público agradecerá ainda mais, e com certeza faz uma diferença enorme no resultado”, ressalta. 

Para além do visual, as artes plásticas também têm virado uma prática na vida de Girard. “Faço mosaicos de azulejos quebrados e já fui até condecorado pela Base Aérea, pelo que fiz no hangar deles. Faço lustres, abajours, customização de móveis e mais, mas como hobby”, conta. 

No show “Performático”, Girard mostra toda a sua versatilidade como cantor. No repertório estão trabalhos do Allan Carvalho, em parceria com ele e outros músicos. Há canções de Ronaldo Silva, Caetano Veloso, Billy Blanco, Gonzaguinha, Vavá da Matinha.

“Haverá outras ‘coisitas’ mais, numa "mistureba"’ em que, como sempre, contextualizo as canções que canto, colocando-as num mesmo patamar de importância: sucessos, inéditos e achados. Acredito que assim rola uma integração e uma renovação da publicação musical, o que mais uma vez eu reitero: é a missão do intérprete/cantor”, diz.

Intenso, apaixonado, performático, Girard falou um pouco mais sobre sua trajetória e nos conta, na entrevista a seguir, o que ele pensa sobre a noite paraense, a produção artística da cidade. O cantor reconhece a efervescência cultural paraense, mas lamenta que Belém esteja tão abandonada pelo poder público, fator que influencia diretamente no movimento social e artístico da capital da maior metrópole da Amazônia.


Holofote Virtual: Como estão os seus projetos pela noite de Belém?

Luís Girard:  Atualmente estou em cartaz no Espaço Cultural Apoena com "A Gafieira do Vavá - no tempo de Osvaldo Oliveira". Um set de gafieira que eu acho que Belém gosta e merece, mas que renuncia o carioquismo e assume o tributo a um dos maiores cantores e compositores que o Brasil já viu. E que está injustamente esquecido. O Vavá da Matinha pra nós, ou o Osvaldo Oliveira para o Brasil.

Holofote Virtual: Importantíssimo esse resgate de memória e homenagem ao Vavá...

Luís Girard: Ele foi o primeiro a gravar o merengue com letra no Brasil, criou um samba paraense, quer seja na temática das letras que revelam o Pará ao mundo, quer seja na forma melódica que também tem um sotaque familiar a nós e, portanto, peculiar. 

O samba é um ritmo brasileiro e que também tem suas peculiaridades onde se desenvolveu no Brasil. Além dele ter sido, no âmbito da indústria fonográfica, um fenômeno de vendas de LPs barrando até o Roberto Carlos. É injusto e o mundo precisa restaurá-lo. Aí a combinação da gafieira e a redescoberta do Vavá tem sido um sucesso que até me surpreende. É assim que eu gosto. 

Holofote Virtual: O projeto gafieira é diferente do Performático, como é que funciona?

Luís Girard: O "Performático" é onde pretendo rever experiências musicais antigas e experimentar novas coisas, quero dar continuidade ao meu trabalho, que sempre busca um eixo temático pra de repente receber a possibilidade de roupagens cênicas. 

É uma reafirmação do papel do intérprete de canções, lançar novas propostas musicais ao público, reler a imortalidade das mais belas obras que tanto temos no Brasil e quem sabe onde isso vai parar?

Numa canja, com o Quinteto Caxangá
Holofote Virtual: Em “Performático”, além desse repertório maravilhoso, você tem se apresentado com o baterista Rato, o Moacyr Leônidas, e com o Quiure Soares, na guitarra. São dois excelentes músicos que também apostam na produção independente e são convictos de seus talentos. Mas também apresentas um novo baixista paraense, de sangue marajoara...

Luís Girard: Minha experiência com músicos, em primeiro lugar, me dá cada vez mais a convicção de que o presencial do ao vivo é algo indispensável pra qualquer trabalho.  Prefiro pessoas tocando instrumentos acústicos, mas não desdenho quem opta por outras formas de fazer música. Por outro lado, cheguei à conclusão de que os "melhores" nem sempre são os ideais, mas aqueles que efetivamente gostam do que estão fazendo e se empenham no trabalho. Pra mim, só por dinheiro não dá. Tem que colocar figurino (não vai ser por caso neste pocket), tem que ensaiar, tem que chegar na hora, sorrir e ter prazer em participar do trampo. 

Ao mesmo tempo, agora no último trabalho da Gafieira do Vavá, tive a sorte de conhecer melhor o trabalho do Quiure Soares, que tem se ocupado das produções musicais dos meus últimos trabalhos. Ele, como eu, estamos sempre em busca de músicos ideais para os trabalhos, sem vícios e de preferência iniciantes. Neste caso, tem sido a participação do baixista de Soure, Taylan Pereira, talentosíssimo, muito a fim de fazer um som legal e que agora está à procura do sonho dele de ser um bom músico. Aí passa a ser nossa obrigação dar mais oportunidades a esses expoentes talentosos.

Holofote Virtual: Na tua opinião, a partir da tua experiência na noite, como está este movimento em Belém?

Luís Girard: Belém está passada na casca do alho. É uma cidade bonita, porém abandonada pelos seus administradores e também pela maioria dos seus "cidadãos". Há um eminente desenvolvimento de ações criativas na cidade, mas o público que gosta e é expressivo na cidade ainda sai à procura de onda na cidade. O risco é tudo acabar nas conveniências dos postos de gasolina. 

Belém tem um patrimônio cultural imenso, embora mal cuidado. No geral, as pessoas gostam de música boa, ao vivo, nos bares, nas praças e isso deveria ser preservado enquanto ainda é tempo. 
Quando morava em São Paulo vi a maioria dos bares da Vila Madalena, por exemplo, tirarem as música pra deixar o esporte na TV a cabo do bar. 

Em BH, a cidade que mais tinha barzinhos de voz e violão, conheceu há poucos meses a proibição desses botecos. Um convite à tristeza. E isso é uma coisa lamentável. Por outro lado, ao menos aqui em Belém, ainda há uma cultura de sair para o bar para também ouvir uma boa música, com toda a ambição compreendida nisso. Isso precisa ser preservado e ampliado. 

Holofote Virtual: Há mais espaços para os artistas, hoje, que alguns anos atrás, o tratamento para com os músicos da noite tem melhorado?

Luís Girard: Esta é a outra perspectiva, a que tem a ver com os donos de espaços culturais que precisam da música ao vivo para atrair estes clientes, mas que se aproveitam deste excesso de talentos pra baixar os cachês (honestamente ou) desonestamente. Tem ainda outros espaços culturais que investem seriamente no ao vivo por estarem convictos de que esta cultura faz parte dos seus investimentos no negócio e tem ainda aqueles que deixam os artistas promoverem o seu som, ficando só com a grana da bebida e da comida.

Nos teatros de Belém, a coisa está praticamente impossível, pautas caras e despesas extras com técnicos que ganham mal. Fica caro. Assim, eu acredito que isso vai afastar ainda mais o público desses espaços nos próximos tempos. E vamos tentando devagar e com propostas sólidas construir a nossa obra.

Holofote Virtual: Como é a tua relação com o público, como você percebe a repercussão do teu trabalho?

Luís Girard: Entre as maiores inseguranças que um cantor autodidata tem, mesmo os mais "profissionais", está o cuidado com sua percepção musical, que passa pela escolha do repertório, o processo de criação da interpretação e o desafio a ser posto ao público. 

Ali, tu estás para dar o teu texto e esclarecer a verdade do teu trabalho. Durante muito tempo tentei fazer músicas pra músicos e esperei ser reconhecido por isso, o que nem sempre ocorreu. Ao longo desses 30 anos percebi que estava errado. Agora eu canto para o público, olho nos olhos das pessoas. 

Naquele momento sou eu que tomo a palavra e não me aquieto enquanto eu não sentir que o meu canto o convenceu. Vendo os The Voices da vida, e seus candidatos jovens, com seus malabarismos vocais, percebo que o fantástico mostrado na TV, não basta pra que se consagre alguém como um grande artista. 

Com Olivar Barreto, no Apoena - "Gafieira do Vavá"
Eles aparecem, cantam até coisas legais, são ovacionados, mas o comercial que vem a seguir já é o suficiente pra todo mundo esquecer o que viu e o que ouviu. No máximo vão torcer pelo cara como se fosse um jogador de futebol num clássico, uma confissão de infidelidade pública, a longo prazo. 

Aliás, depois de ter conhecido o trabalho (e pessoalmente) de tantos artistas famosos eu cada vez mais tenho a convicção de que os grandes também (muitos deles) estão na mesma batalha que eu, tentam construir uma solidez na sua obra, uns a qualquer preço e outros de bom coração. 

Eu prefiro a segunda opção. Só quero cantar com dignidade e sinceridade, aí o feed back positivo será com certeza, e o retorno é o público presente que vai decidir, se dança, se aplaude, se vaia. Espero que entendam isso, se divirtam e levem para suas vidas como eu levo. Não custa nada e só melhora a nossa tensão individual e coletiva.

Nenhum comentário: