28.11.16

Os indígenas nos festivais de cinema da Amazônia

Vicente Carelli em filmagens nas aldeias
A causa indígena foi presente nos  festivais de cinema realizados este mês na região norte. O 7o Festival Pachamama, no Acre, a 7a Mostra de Cinema da Amazônia , no Pará, e a 14ª edição do Cineamazônia, festival latino-americano de cinema ambiental, em Rondônia, que trouxeram o tema à tona.

Exibição de documentários, em Rio Branco, e presença de indígenas, de várias etnias, em Belém e a homenagem à Krenak, em Porto Velho (RO).

Destacando a temática sob outra perspectiva para o público, vista de longe das lentes da mídia convencional, o longa "Martírio", do cineasta e documentarista brasileiro Vicente Carelli, foi exibido na abertura da Mostra de Cinema da Amazônia, em Belém, na última segunda-feira, 21, e na sexta-feira, 25, no Festival Pachamama, em Boa Vista, dentro da Mostra Competitiva de Longas, da qual saiu premiado como Melhor Filme.

Na abertura da mostra paraense, a exibição de "Martírio" foi precedida por um momento ritualístico. Indígenas de várias etnias chegaram ao hall do Ismael Nery, no Centur, e o atravessaram, cantando em ritual, até o cine Líbero Luxardo. No palco, deram boas vindas ao público e com palavras sobre sua cultura nos anteciparam questões de luta indígenas que veríamos ainda no documentário de Vicente Carelli.

Abertura da Mostra de Cinema da Amazônia
O documentarista acompanha, por  três décadas, a jornada dos índios Kaiowa, para retomada de suas terras tomadas pela expansão do agronegócio.

O cinema tem não só servido de porta voz dessa causa, como tem a sua própria voz. Nem sempre, porém, o que vemos são seus belos rituais ou imagens do cotidiano de uma cultura que luta para preservar suas tradições e garantir seus direitos.

Em "Martírio", entre tantos outros aspectos e momentos da história, abordados, é chocante ver os registros feitos por uma câmera deixada por Vicente, em uma das aldeias que visitou no Mato Grosso do Sul. Nessa hora, passamos a testemunhas de um ataque de policiais, que atiram em direção à casa, em que crianças, jovens e velhos indígenas vivem em permanente estado de terror, em um pedaço já muito restrito.

"Martírio" é um filme obrigatório para todo mundo. Emociona a resistência dos Kaoiwá, a determinação de pegar de volta o que há centenas de anos lhes vem sendo tomado. Preferem tombar, a recuar. E também é espantoso e nos indigna, porque mostra o lado obscuro das manobras políticas que tentam impedir a todo custo a Funai em autorizar a demarcação às terras dos Kaiowa. Todo mundo precisa ver esse filme, repito.

Em Porto Velho um grande líder é homenageado

Krenak recebe o Mapinguari, em Porto Velho


O Cineamazônia abriu na quinta (24), homenageando Ailton Krenak, uma das maiores lideranças do movimento indígena brasileiro. Ele recebeu o cobiçado Troféu Mapinguari do festival, como reconhecimento a sua importância na luta. 

"Foi como se tivesse sido uma grande aula de vida. A homenagem feita pelo Cineamazônia ao militante das causas indígenas Ailton Krenak transformou-se num momento de crítica ao atual momento da vida política do Brasil e, principalmente, um manifesto pelo respeito à diversidade, à identidade e ao meio ambiente", escreveu o jornalista Ismael Machado, que acompanhou a cerimônia realizada no Teatro Banzeiros. 

No palco, Krenak emocionou a todos. "Se os meninos crescem, vão para a escola, aprendem aquelas matérias básicas, fazem isso que chamam de ensino médio, batalham um curso técnico, vão para a universidade, vão se especializar em alguma coisa e na hora de exercer a sua profissão, eles vão cair na mão dessas corporações irresponsáveis, que vão um dia encher uma barragem de lama e derramar ela em cima de um rio, deixam a perspectiva de futuro duvidoso para as futuras gerações", disse Krenak.

Discurso para uma plateia emocionada
Ailton Krenak foi a liderança central na luta indígena dos anos 1980 que culminou com a garantia de direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal de 1988. É um dos fundadores da União das Nações Indígenas e a Aliança dos Povos da Floresta, além do Núcleo de Cultura Indígena, o Programa de Índio (Fonte: Agenda Porto Velho) 

"Um dos grandes momentos da homenagem feita à liderança indígena ocorreu quando foram exibidos trechos do histórico discurso de Ailton Krenak na Comissão Constituinte em 1987. Na ocasião, um ainda jovem Krenak falou emocionado que a Constituição de 1988 seria um retrocesso para os índios, enquanto pintava o rosto de negro, como luto. Krenak reviu essas imagens de forma emocionada. Lamentou que muita coisa ainda esteja por ser feita. Um exemplo lembrado na cerimônia foi que até agora, a atual presidência não sinalizou a escolha de um novo presidente para a Funai, que está sem comando", relata Ismael Machado.

É preciso dar mais voz 

Cena de "Martírio"
Os festivais da região norte, o cinema e o audiovisual como um todo, têm somado para a difusão de diversos outros temas ligados ao meio ambiente na Amazônia.

A causa indígena, de âmbito internacional, é uma das mais importantes e talvez seja necessário fazer mais, muito mais para chamar atenção do mundo. "Martírio" nos deixa perplexos diante de tanta hipocrisia em curso para a devastação não só da floresta como de todos os povos da Amazônia.

Dos três festivais, a Mostra de Cinema da Amazônia, ainda segue em Belém e depois se expande para outros municípios paraenses, até dia 6 de dezembro. O Cineamazonia e o Pachamama encerraram no último sábado, 26. O próximo festival na região é o FICCA - Festival Internacional de Cinema do Caeté, de 8 a 10 de dezembro, no município de Bragança, Pará. 

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