16.6.19

Zélia Amador de Deus vai lançar seu primeiro livro

Zélia Amador de Deus
Foto: Holofote Virtual/Luciana Medeiros 
Zélia Amador de Deus é a entrevistada especial deste domingo aqui no blog. Ela, que será uma das homenageadas da 23a edição da Feira Pan Amazônica do Livro, lançará sua primeira obra literária reunindo textos e artigos em que discute o protagonismo negro e suas lutas. 

Palco do Theatro da Paz. Dia 22 de abril de 2019. Pela primeira vez uma coletiva da Secult foi realizada neste espaço do monumental e centenário teatro, ao invés do hall de entrada. E o assunto não era o Festival de Ópera. Cheguei um pouco atrasada e me deparei com Zélia Amador de Deus, sem entender muito bem o que minha ex-professora de Teoria do Teatro, na época em que cursava Comunicação na UFPA, fazia ali. 

Imediatamente, memórias ótimas vieram à minha cabeça, enquanto Úrsula Vidal, também jornalista e hoje secretária de cultura do estado, falava aos demais comunicadores sobre a 23ª Feira Pan Amazônica do Livro, que vai ser realizada este ano de 24 de agosto à 1º de setembro no Hangar Centro de Convenções da Amazônia e outros espaços em Belém.

Entre outras coisas lembrei que um sonho (ainda) não realizado na minha vida, de ser atriz, foi, em parte, motivado por ela, e que isso me levou a fazer um teste, e pasmem, a passar para fazer o curso técnico de teatro, ainda nos anos 1990, quando a Escola de Teatro e Dança da UFPA ainda ficava próxima à Praça Brasil, e justamente num momento em que Zélia era vice-reitora da UFPA. Fiz um semestre apenas. Lembrei também de suas aulas na universidade, ao ar livre, sob árvores frondosas, entre os pavilhões do campus básico, e de toda a sua luta no movimento negro.

Zélia com Júnior Soares, Úrsula e Paes Loureiro.
Foto: Joyce Cursino/Secult
Zélia Amador de Deus. Mulher, negra, atriz, ativista, professora e também escritora. Úrsula Vidal e sua equipe lhe  desafiaram a lançar um livro na Feira Pan Amazônica. A temática deste ano no evento traz à tona multivozes da literatura em sua diversidade e transversalidade de linguagens. E Zélia topou.

No dia da coletiva, o Holofote Virtual postou uma nota na página do facebook, com foto dela ao lado do poeta, professor e escritor João de Jesus Paes Loureiro, que também será homenageado nesta edição da Feira (e também conversei com ele, prometo publicar em breve).  Uma avalanche de pessoas curtiram a notícia, compartilharam e postaram comentários. As mensagens foram emocionadas, aprovando ambas as homenagens, reconhecendo-as como legítimas e necessárias.

ENTREVISTA 
Um bom domingo a todos!

Holofote Virtual: Zélia, foi uma surpresa? Como você se sentiu ao receber o convite para escrever um livro e ser uma das homenageadas da Feira do Livro?

|Foto: Joyce Cursino
Zélia Amador de Deus: Atônita, foi como fiquei quando me ligaram, porque eu não me sinto escritora, escritora. Escritor pra mim é aquela pessoa que escreve ficção, poemas, contos, romances, dramaturgia e eu não sou essa pessoa, eu escrevo artigos, trabalhos que falam de racismo, que falam da discriminação, mas não me sinto escritora, nunca me senti, por isso eu levei um susto. 

Eu disse, “mas eu? Eu não sou escritora”, vai ser você e o João de Jesus, “mas João é, eu não, eu sou faladeira, sou militante, a minha tarefa de militante me leva a falar, falar, então eu sou muito mais faladeira” (e disseram), mas essa que vai ser a característica este ano da feira do livro, homenagear as multivozes, as múltiplas vozes que existem na sociedade amazônica. Aí eu digo “então vamos lá”, e quando eu estava indo para a primeira reunião me instigam a publicar um livro, aí pegou né? 

Holofote Virtual: Acho que você já devia, na verdade, ter organizado um livro, pois tem uma produção textual importante ...

Zélia Amador de Deus: Bem, eu tenho muitos artigos, vou reunir pra organizar um livro, porque não dava mais tempo, de agora para daqui a um pouco escrever um livro, a não ser que eu só fizesse isso na vida e não é o caso, eu tenho uma vida muito intensa, eu dou aula, eu falo, falo, falo, dou palestras, enfim... e eu escrevo também, mas falo sempre muito mais do que escrevo. Bom, então é isso, o livro vai sair, eu não sei o que é ainda.

Equipe Secult. Coletiva Pan Amazônica do Livro
Foto: Joyce Cursino/Secult
Holofote Virtual: E como será feita a curadoria desses textos, você mesma está mergulhando nesse teu acervo?

Zélia Amador de Deus: Sim, eu estou fazendo a curadoria, tem uma pessoa me ajudando, enfim... já combinei com uma outra pessoa para fazer um prefacio. E vai sair.

Holofote Virtual: Você tem protagonismo em várias áreas de movimentos sociais, movimento negro e também tem o teatro na tua vida... 

Zélia Amador de Deus: É verdade. Acho que o teatro está sempre na minha vida, a minha forma de escrever, ela é teatral também, então isso vai estar presente no livro com certeza, a estrutura, a organização dos textos, eu estou sempre pensando nas cenas.

Holofote Virtual: Nesse momento Zélia, como está a tua atuação na universidade, o que você está desenvolvendo?

Zélia Amador de Deus: nesse momento estou implantando e coordenando uma assessoria da administração atual. É a Assessoria da Diversidade e Inclusão Social. A universidade hoje é diferente da universidade de alguns anos atrás. A partir das cotas para negros, a UFPA vivencia a presença de homens e mulheres negros. Estes não são mais as “exceções” que fogem a regra. Antes a regra geral era a ausência, hoje a universidade foi além das cotas para negras e negros e teve muitos avanços.

Holofote Virtual: Você poderia nos falar mais sobre esta extensão das cotas?

Zélia Amador de Deus: As cotas para negros, negras e pessoas pobres, que é cota de classe também, já estão previstas no Projeto de Lei, mas a universidade hoje possui uns projetos especiais para ampliar essa diversidade, então ela tem reserva de vagas para indígenas e quilombolas, ela tem educação no campo, que ela recebe camponeses, ela tem o etno desenvolvimento, porque além de receber o indígena e o quilombola, ela recebe também os ribeirinhos.

Zélia posando para a imprensa
Foto: Holofote Virtual/Luciana Medeiros
Holofote Virtual: Há também a esfera internacional, que traz uma conexão com Cabo Verde, não é isso? Há muitos alunos cabo-verdianos dentro da universidade. 

Zélia Amador de Deus: Essa esfera internacional ela sempre teve, mas é verdade que só não fazia com os países africanos, o que de um determinado momento, por pressão do grupo de estudos afro-amazônicos, a universidade criou a casa Brasil África, que é um local que faz esta conexão com o continente africano, e não só com o continente africano, mas também com a diáspora no continente americano. O Brasil é resultado disso, a presença negra e africana aqui em nosso país é resultado dessa diáspora africana no continente americano.

Holofote Virtual: Como funciona a assessoria que você está agora empenhada em desenvolver na UFPA e que relevância isso traz à sociedade?

Zélia Amador de Deus: Então, como eu dizia, eu trabalho, e estou montando a Assessoria da Diversidade Social e Inclusão Social, para atender de alguma forma as demandas dos grupos que historicamente estavam de fora da universidade. Essa é a minha militância, lutar contra o racismo, então funciona em você trazer grupos que estavam historicamente fora da academia, para dentro da academia. 

E isso é importante, não apenas para pessoa que vem para a universidade e que tem a oportunidade de ter um diploma de nível superior, isso é pouco. Isso é importante para os grupos na sociedade, e muito mais importante para a universidade, que amplia o seu horizonte de conhecimento, pois ela vai ter conhecimento produzido a partir de diversas cosmovisões, de diversas leituras de mundo e realidade. Assim, a universidade amplia as suas linhas epistemológicas, tu vais trazer pra cena, Epistemes que estavam à margem.     

Holofote Virtual: E fazendo um paralelo com a feira do livro este ano me parece que tem uma proposta próxima a isso, essa questão das multivozes, estou certa? 

Zélia Amador de Deus: É isso que a feira está tentando fazer...  e eu acho importante que todas as políticas públicas que aconteçam, tenham esse viés, que é tentar alcançar a sociedade na sua diversidade, porque a sociedade é muito mais do que aquilo que ela se permite mostrar. O que é mostrado é apenas uma parte, mas isso é muito mais amplo, e o que não é mostrado é o meu trabalho em fazer com que venha à tona. Eu faço disso a minha militância e vida inteira. Eu luto para que aquilo que não é mostrado ou que é colocado por debaixo do pano, tornado invisível, aquilo que a sociedade quer esquecer, venha pra cena.

Holofote Virtual: Que maravilha, professora. Grata!

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