26.10.15

Doc desvela as imagens contemporâneas de Belém

Difundida imageticamente por sua arquitetura histórica, de influência europeia ou por sua geografia ribierinha, a capital paraense ganha novo recorte em "Fisionomia Belém", documentário que abre nesta quinta-feira, 29, o Festival de Audiovisual de Belém 2015, a partir das 19h, no Cinema Olympia.

“Belém não é feita pra morar onde Belém está. Belém é um enxerto lusitano plantado num lugar quente pra dedéu, absolutamente de costas pras áreas de escoamento de vento. Historicamente os portugueses não queriam ter contato com o rio, não se sabe o porquê, por uma saudade imensa de onde eles vieram, por um sentimento, talvez, de extrema dor de estar num território longe de onde eles realmente queriam estar. E até hoje a gente não entendeu o que é estar morando aqui. 

O que seria isso, qual seria essa linha, qual seriam esses caminhos (...) A gente não entendeu como é que a Amazônia funciona. Como é que nós estamos funcionando na Amazônia? Nós estamos rodando no sistema errado, é essa a impressão que eu tenho todos os dias, eu fico atônito em como as pessoas não percebem isso, elas estão dando de cara o tempo todo nisso e, como você diz, estamos aqui um teatro, o palco está lançado, estamos atuando e nós ainda não descobrimos que o roteiro todo tá errado” (sic). 

As reflexões – desabafos? – do jornalista e músico Lázaro Magalhães que iniciam este texto podem causar espanto e incômodo em muitas pessoas. Para muitas outras, no entanto, a possibilidade de compreendê-las como pontos de partida para discussões e compreensões mais amplas é o que talvez incite a tentar ver outra região, ou outras Belém do Pará.

Tais problemas evidenciados – e evidentes – na capital paraense e as relações com seus moradores são um dos pontos centrais no documentário Fisionomia Belém, que será lançado no primeiro dia do Festival de Audiovisual de Belém, o FAB 2015.

Com direção de Relivaldo Pinho e Yasmin Pires, o filme mostra uma "outra Belém": contemporânea, talvez pós-moderna, bem mais "real" e (re)conhecida por sua população, e não somente apresentada através do ufanismo e imediatismo turístico e midiático que, por vezes, a simboliza. Veja o TRAILER.

Projeto inicia em grupo de pesquisa

O documentário começou a ser produzido em 2014, durante as atividades do grupo de pesquisa “Comunicação, Antropologia e Filosofia”, coordenado por Pinho, que é professor e doutor em Antropologia. 

Nas pesquisas, que resultaram ainda em um grande acervo de imagens disponibilizado no site do PROJETO, teve destaque a observação de ruas, avenidas, espaços, propagandas e linguagens artísticas que singularizam e comunicam tais processos, mas que por vezes parecem estar despercebidos ou (ainda?) ignorados por certa preferência em incensar a repetição de determinadas fórmulas e imagens.

O projeto partia da ideia central de que Belém do Pará, em seus prédios, lojas, vitrines, avenidas, muitas vezes possui as marcas de um passado que, entrelaçado com o presente, revela uma realidade submersa, ou próxima demais e instigante. 

Tal choque – ou diálogo – resulta, e ao mesmo tempo é resultado, de novas reconfigurações do espaço urbano na contemporaneidade, que obviamente também ocorrem na Amazônia, ainda que, representações imagéticas e culturais insistam em associações a uma supremacia da paisagem verde, a um folclore inigualável e produções culturais tomadas como exóticas pelo resto do país. Contudo, o que se nota vai bem além: uma realidade em movimento, fluida, problemática e complexa, que incita e, ao mesmo tempo, comunica transformações na fisionomia da cidade.

Tais mudanças, ou mesmo sua miscelânea, são potencializadas em Belém, já que “a Amazônia vive vários tempos”, seja o mítico, o moderno, o pós-moderno, como destacou o professor Ernani Chaves. Uma cidade heterotópica emerge então, o que também está presente não somente na produção publicitária, mas também nas artes.

Deste modo, a chamada “metrópole da Amazônia” pode ser analisada e compreendida através de registros materiais e imagéticos, como fotografias, sejam as mais corriqueiras (nem por isso menos atentas) ou artísticas, mas também outros produtos estéticos, como filmes, pinturas, intervenções, livros, videoclipes e canções.

“As imagens do projeto, e o próprio filme, procuram representar uma contemporaneidade ignorada por um cotidiano que impossibilita uma reorientação do olhar, incapaz de perceber a cidade sob as várias existências imagéticas e temporais, sobre um espaço que se modifica que abandona certas vivências e incorpora outras, na qual ruínas e novos edifícios coexistem, uma metrópole veloz, mas, que ainda caminha, repleta de imagens que cintilam e de rostos anônimos”, explica Relivaldo Pinho.

Autores de uma 'outra' Belém

Além de imagens da cidade, no documentário terão relevo as entrevistas com pessoas que comunicam de algum modo, percebem e interpretam as modificações pelas quais passa a cidade. 

Neste sentido, em sua produção foram feitas cinco entrevistas: com Edyr Augusto, jornalista, radialista, redator publicitário, autor peças de teatro e livros como Os Éguas (1988), Moscow (2001), Casa de caba (2004), Selva Concreta (2007) e Um sol para cada um (2008); Ernani Chaves, pós-doutor em Filosofia e professor na Universidade Federal do Pará; Fernando Segotwick, roteirista e diretor; Eder Oliveira, graduado em Educação Artística – Artes Plásticas pela Universidade Federal do Pará e “pintor por ofício” desde 2004; e Lázaro Magalhães, jornalista e músico, um dos fundadores da banda paraense Cravo Carbono.

Yasmin Pires afirma que “O documentário é importante para que haja uma quebra nessa construção amplamente difundida pela mídia sobre o que é Belém ou a Amazônia. Belém deve ser entendida como um espaço urbano cuja construção é permeada por experiências contemporâneas que transcendem o achatamento de uma realidade representada pelo dançar carimbó, ir ao Ver-o-Peso, tomar açaí etc.”, finaliza.

O vasto acervo de imagens, textos e informações do projeto está disponível no BLOG. É possível acompanhar outras informações ter acesso a notícias pela página no FACEBOOK e pelo perfil no TWITTER.

Os diretores - Relivaldo Pinho é Doutor em Ciências Sociais (Antropologia) pela Universidade Federal do Pará (UFPA). É autor dos livros "Antropologia e filosofia: experiência e estética na literatura e no cinema da Amazônia" (ed.ufpa, 2015; “Mito e modernidade na 'Trilogia amazônica', de João de Jesus Paes Loureiro” (NAEA/UFPA, 2003"Amazônia, cidade e cinema em 'Um dia qualquer' e 'Ver-o-Peso': ensaio'" (IAP, 2012), e organizador do livro “Cinema na Amazônia: textos sobre exibição, produção e filmes” (CNPq, 2004) É autor do capítulo "Clifford Geertz (1926-2006)", do livro "Os antropólogos: clássicos das ciências sociais." (Vozes; PUC-RIO, 2015).

Já Yasmin Pires é formada em Comunicação Social pela Universidade da Amazônia (UNAMA) e graduanda em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Trabalhou nos videoclipes “Eu Quero Cerveja”, de Félix Robatto, “Oswald Canibal”,  de Henry Burnett, e “ Redenção”, da banda Álibi de Orfeu. A captação de imagens e edição do documentário ficou sob responsabilidade da Fóton Filmes.

FAB - De 29 de outubro a 1º de novembro, o Cinema Olympia sediará a terceira edição do Festival de Audiovisual de Belém, o FAB 2015. Todas as atividades do festival terão entrada gratuita. Nas mostras de vídeos, a censura é 18 anos. Antes do início do festival, nos dias 27 e 28 será realizado o Seminário de Audiovisual de Belém (SAB).

Iniciativa do empreendimento sócio-cultural CLIC, o festival conta com o apoio da Prefeitura Municipal de Belém, através da Fundação Cultural do Município de Belém (Fumbel) e Cinema Olympia, além das parcerias da Fóton Filmes, Faculdade Pan Amazônica (Fapan), Faculdade Paraense de Ensino (Fapen), Yesbil Consultoria e Marketing Digital, Açaizal, Hotel Princesa Louçã, Maycon Nunes Fotografia e Línea3 Produtora.

Serviço
Lançamento do filme Fisionomia Belém (2015), de Relivaldo Pinho e Yasmin Pires. Nesta quinta-feira, 29, às 19h, durante a abertura do Festival de Audiovisual de Belém 2015. Cinema Olympia – avenida Presidente Vargas, 918, Campina, Belém. Entrada Franca. Veja a PROGRAMAÇÃO completa. Acesse o site e siga o facebook)

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