Textos e versos suprimidos, gente presa, perseguida e torturada, temas que estão no livro “A Censura do Pará - a mordaça a partir de 1964”, que será lançado nesta quinta, 29, na livraria da Fox (Doutor Moraes 584), às 18h. O jornalista e autor Paulo Roberto Ferreira também conversou com o blog sobre o período mais sombrio da recente história do Brasil.
O livro de Paulo Roberto Ferreira surge após a conclusão de sua dissertação de Mestrado, na Universidade de Évora, em Portugal, reavaliada pela Universidade do Estado de Santa Catarina, com o título: Avaliação da Influência da Mídia, no receptor, sobre as mudanças políticas de 1964.
“Após coletas de entrevistas com alguns jornalistas, despertei para a necessidade de aprofundar a questão da censura no Pará, que aparecia apenas de forma secundária”, diz Paulo Roberto em nota que abre o livro.
Ele pesquisou jornais da época, colheu depoimentos e fez dezenas de entrevistas que mostram como a censura afetou as artes, o sistema de ensino e a comunicação paraense. A censura no Pará foi ampla e restringiu a vida das pessoas em diversos aspectos.
“Estava na escola que impedia que os alunos se reunissem e formassem as suas organizações estudantis, na organização sindical, já que os trabalhadores estavam proibidos de formar centrais sindicais. A ditadura restringia a vida de todos. Até os espaços urbanos foram alterados para não permitir aglomeração de pessoas”, diz Paulo Roberto Ferreira em entrevista ao Holofote Virtual.
"A Censura no Pará" traz entrevistas e depoimentos com personagens impactados pelo regime, como o dramaturgo Nazareno Tourinho, os críticos de cinema Luzia Miranda e Pedro Veriano, o publicitário Pedro Galvão, o professor e escritor João de Jesus Paes Loureiro, o compositor Paulo André Barata, o jornalista Nélio Palheta, o ator e diretor teatral Claudio Barradas, o poeta Ruy Barata, registros sobre as perseguições a jornalistas e livreiros, como Raimundo Antônio Jinkings, entre outras figuras perseguidas e vigiadas por quem estava no poder.
No país, de forma geral, a censura passou por três fases durante a ditadura. Em um primeiro momento, de 31 de março de 1964 à publicação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), em dezembro de 1968. Logo após a deposição de João Goulart (PTB), pequenos jornais de esquerda foram depredados.
No Pará, Paulo Roberto conta as histórias do Resistência, mas os grandes jornais do país também não foram poupados. O "Última Hora" foi cencurado diversas vezes por ser simpático a Jango, e o "Correio da Manhã", por denunciar os excessos dos militares. No livro de Paulo Roberto, as memórias se remetem ao Jornal Liberal, que subverteu a “ordem”, até onde pôde, mas acabou amordaçado, sucumbindo à Censura, e ao Dia, que também apoiava Joäo Goulart.
Paulo Roberto Ferreira, claro, recorreu aos jornais paraenses da época, arquivados na Biblioteca Arthur Viana. “Alguns estão microfilmados, mas apenas uma parte. Ainda foi possível ter acesso ao acervo encadernado de alguns jornais, embora determinadas edições estejam muito deterioradas”, diz o autor, que também se debruçou sobre edições do jornal "Resistência", em sua coleção particular, a documentos do Arquivo Nacional, além de buscar a bibliografia sobre o tema.
A segunda fase dessa Censura coincidiu com a publicação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, que institucionalizou o caráter ditatorial do regime e tornou a censura implacável até o início do governo Geisel, em 1975.
A terceira fase efetivou-se durante os governos Geisel, de 1975 a 1979, e Figueiredo, de 1979 a 1985, quando a censura tornou-se gradativamente mais leve, até o restabelecimento do regime democrático. Mas infelizmente a censura não está banida do Brasil. De acordo com o jornalista, o livro vem contribuir para esse debate em que a censura ainda hoje é exercida na imprensa, só que por outros tipos de censores.
“Hoje a mídia sonega muita coisa de interesse do cidadão. Existe o filtro econômico, que não deixa sair nos jornais e nas emissoras aquilo que é de interesse dos anunciantes. Cada grupo publica apenas aquilo que é do seu interesse. E o direito `informação não é garantido ao cidadão”, afirma Ferreira, que também depôs na Comissão da Verdade do Sindicato dos Jornalistas.
“Essa comissão iniciou e concluiu seu trabalho muito antes da Comissão da Verdade do Estado ter sido instalada”, ressalta o autor que nos conta um pouco mais, na entrevista abaixo, sobre sua pesquisa e surpresas ao se reencontrar com diversos fatos da época.
Holofote Virtual: Além da pesquisa, você viveu a censura ao exercer sua profissão.. Quais as experiências mais fortes vividas por ti?
Paulo Roberto Ferreira: Vivi como repórter do Resistência e do jornal O Liberal. Dois momentos foram muito fortes, um quando fui convocado para depor na Polícia Federal, logo após a apreensão da edição do Resistência nº 5, em 1979. Quem fez o interrogatório foi o próprio superintendente da PF, o delegado Sadock Reis. Em vários momentos ele tentou incluir no meu depoimento frases que eu não havia dito. Ante a minha reação, ele mandava o escrivão corrigir.
Fui fotografado de frente e de perfil e tive que deixar minhas impressões digitais de todos os dedos. Isso assustava muito e o objetivo era intimidar mesmo. Já em 1982, eu fui levado para a PF por minha condição de gerente da gráfica que imprimia o jornal. Cheguei a ficar várias horas lá, mas contei com a assistência dos advogados da SDDH, entre eles, José Carlos Castro e Ermelinda Garcia.
No primeiro caso não fui nem denunciado, mas no segundo eu fui enquadrado na Lei de Segurança Nacional, embora o promotor militar não tenha aceito a denúncia e o inquérito arquivado. A gráfica foi invadida pelos agente da PF com muita violência contra jornalistas, gráficos e colaboradores do jornal Resistência. A justificativa é que imprimíamos panfletos do MLPA - Movimento pela Liberação dos Presos do Araguaia -, que incluia os padres franceses Fraçois Gouriou e Aristides Camio, além de 13 posseiros.
Holofote Virtual: Houve surpresas pra você ao revirar este passado?
Paulo Roberto Ferreira: Uma coisa que muito me supreendeu foi o depoimento de Walbert Monteiro, sobre a decisão da direção do Jornal do Dia, em buscar um dos líderes do movimento golpista para fazer a censura em seu material noticioso. O Jornal do Dia era o único que apoiava o presidente João Goulart, aqui no Pará. E praticamente no dia seguinte passou a apoiar os atos da ditadura.
Holofote Virtual: Este assunto está longe de se esgotar, como você memso disse no livro. Ficou muita coisa de fora que não coube abordar no livro?
Paulo Roberto Ferreira: Infelizmente eu não consegui localizar algumas pessoas que eu gostaria de ter entrevistado. Também cheguei a pensar em ampliar a pesquisa para outros estados e assim dá uma dimensão amazônica ao papel da censura. Mas chega um momento que a gente tem que encerrar e deixar para depois, se não o livro não sai.
Holofote Virtual: Quais eram os principais mecanismos de censura sobre a imprensa e à produção cultural, também bastante perseguida na época?
Paulo Roberto Ferreira: A principal forma de atuação da censura, em relação à mídia, era enviar comunicados com veto de nomes e temas que não deveriam ser publicados. Mas em relação ao teatro a coisa foi terrível, os grupos tinham que submeter os textos das peças ao controle de Brasília e à PF local, que avaliava a montagem, o cenário e até o figurino. A Zélia Amador de Deus, o Cláudio Barradas e o Nazareno Tourinho revelam as lutas para liberar um espetáculo.
Holofote Virtual: Como analisas o fato de algumas pessoas irem pra rua gritar pela volta da ditadura?
Paulo Roberto Ferreira: O meu livro se propõe a contribuir com esse debate que faz com que pessoas autoritárias preguem a volta de uma ditadura para comandar os destinos do nosso País. Porém o mais triste é perceber que muita gente que nem sequer viveu aquele período também defendam esse tipo de regime político.
A ditadura causou enormes prejuízos ao Brasil. Foi um atraso político muito grande. O que nós precisamos é consolidar a nossa jovem democracia. Enquanto não houver oportunidade para todos na saúde, educação, na cultura e outras áreas, não podemos dizer que temos um democracia plena. Da mesma forma como precisamos ver garantido o direito à informação, como um direito fundamental. O nosso compromisso como cidadãos é fortalecer e ampliar a democracia que temos e não pregar o retrocesso.
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