29.10.20

Heldilene Reale abre sua 1a exposição individual

"Tessituras de um Rio", com curadoria de Marisa Mokarzel, foi contemplada pelo Prêmio Branco de Melo 2020 de apoio a Produção Artística - Fundação Cultural do Pará - Governo do Estado. A exposição abre no próximo dia 6, na Galeria Theodoro Braga, com visitação do público até 30 de novembro. A artista bateu um papo com o blog sobre sua trajetória, que passa pela produção, educação, pesquisa e curadoria em arte.

Doutora em Artes (UFMG) e Mestre em Comunicação, Linguagem e Cultura (UNAMA), Heldilene Reale atua como artista e pesquisadora; e realiza curadoria na galeria do espaço cultural Candeeiro, aberto recentemente, no centro histórico de Belém. Iniciou sua trajetória em 2004, transitando por multilinguagens artísticas e temáticas da memória, patrimônio, narrativas orais, percursos de viagens e conflitos na Amazônia.

“Tessitura de um Rio” nasce a partir do processo de pesquisa de Heldilene Reale, iniciado em julho de 2017, na pesquisa em poéticas desenvolvida no doutorado em Artes. Neste contexto, a artista se desloca no percurso de um Rio Amazônico que perpassa o trajeto de Belém até a cidade de Faro (PA). O deslocamento neste rio faz parte de memórias afetivas construídas com esta paisagem a mais de 20 anos atrás, relacionadas ao processo de imigração de seus avós paternos italianos, a cidade natal de seu pai, que passou a ser também a cidade onde a artista passou parte se sua infância. 

A exposição é formada a partir de três Tessituras: A Tessitura I apresenta um conjunto de imagens que instigam as memórias que levaram ao retorno deste rio enquanto elo motivador: Imagens dos arquivos do álbum de família, passaporte de sua avó paterna, desenhos, mapas. 

A Tessitura II exibe os territórios do navio e as paisagens humanas e não humanas presentes neste deslocamento, os viajantes que teve contato sendo representados a partir de fotografia, diário e desenhos da experiência com os mesmos, além do filme “Tessituras de um Rio”. 

A última Tessitura apresenta as ruínas encontradas em Faro, ao ir ao encontro da casa onde morava, da casa de seus avós italianos, da sua escola e do carro que pertencia a sua família naquela época. Exibe-se ainda aspectos históricos sobre a cidade, trazendo reflexões em relação a representação destes espaços e as mudanças que os mesmos sofreram, e como as ruínas agregam novas possibilidades históricas em memórias que já se perderam. 

Ao longo da exposição será promovido um encontro digital entre a artista e a curadora, por meio do projeto  da galeria, “Uma Conversa de Acervo”. Em breve a data será divulgada, mas a seguir ela adianta um pouco aqui sobre os processos que levaram a realização dessa exposição. 

Holofote Virtual: É a sua primeira individual.  Fala um pouco da trajetória que te trouxe até aqui.

Heldilene Reale: Iniciei minha trajetória enquanto artista em 2004, desde então sempre realizei exposições de forma coletiva, ou me envolvendo com coletivos ou fazendo parte de uma Mostra que tinha esse corpo. Sempre gostei da coletividade e ela ao longo destes anos me levou a refletir sobre meu próprio processo também. 

Minha carreira acadêmica perpassa pelo estudo e pesquisa do processo de criação de outros artistas, o que me nutriu muito também em aprendizado e experiências. No entanto, em 2016 entro no Programa de Pós Graduação em Artes da UFMG, o que me levou ao inicio do estudo sobre minha poética visual, a pesquisa da tese me levou ao reencontro com um percurso que faz parte da trajetória de minha família desde quando meus avós paternos migraram para o Brasil, o percurso de Belém até a cidade de Faro (PA). Cidade onde meu pai nasceu e onde vivi parte de minha infância. 

A pesquisa que envolve este processo de criação, reúne o meu deslocamento para Faro depois de mais de 20 anos que não visitava a cidade, e lá reencontro ruínas nos ambientes que um dia foram elementos que fizeram parte de nossa história no lugar. O que me levou a necessidade desse retorno foi a presença da imagem da minha avó em um passaporte encontrado após o falecimento de meu pai, não tinha referência visual da mesma antes disso. Sempre pensei em uma exposição individual que tivesse um amadurecimento maior enquanto processo de pesquisa, sabia que um dia ela ia chegar, não importava quando, a experiência iria dizer.

Holofote Virtual: Pelo breve recorte de imagens que vejo aqui, a exposição conta também com fotografias. Há quanto tempo praticas esta arte?

Heldilene Reale: Sim a exposição conta com fotografias, desenhos, mapas, vídeos, diário, cordel, álbum de família, passaporte, postal. Ela é bem variada enquanto linguagem. Tive contato com a fotografia e filmagem desde a infância, tínhamos uma câmera analógica que não me recordo o modelo, além de uma Polaroid modelo 636 clouse up que guardo até hoje, e uma filmadora Panasonic de fita cassete.  Havia uma preocupação de meu pai e de minha mãe em montar e estruturar nosso álbum de família não só com imagens impressas mas com filmagens. 

A fotografia de certa forma sempre nos acompanhou, meu pai gostava muito de nos registrar e de ser registrado. Ainda em Faro inicio a prática com desenho, estimulado no ensino fundamental durante as aulas da Professora Lucinéia, que reencontro em Faro durante a pesquisa. Em 2004 o exercício com estas e outras linguagens se aperfeiçoa a partir do Curso de Artes Visuais e Tecnologia da Imagem e dos outros cursos que fui fazendo pela cidade. Gosto das provocações que a imagem nos suscita a produzir e refletir em diversos suportes e linguagens.

Holofote Virtual: Tens uma atuação como educadora. Como é este percurso ? 

Heldilene Reale: Minha trajetória profissional se integra com a arte educação, experiências com espaços culturais e restauro. Durante muito tempo fui professora acadêmica atuando nos cursos de Artes da UNAMA e como professora substituta na UFPA. Depois do doutorado dei um tempo da carreira acadêmica, que estava me levando a situações contraditórias do que acredito como experiência na Educação. Este tempo está sendo necessário para engajar novos projetos como profissional da educação, como artista e como agente cultural. 

Holofote Virtual: O trabalho de curadoria requer aproximação, na maioria das vezes, entre o curador e o artista. Neste caso, sabemos do envolvimento e conhecimento de Marisa Mokarzel com a arte. Como é essa tua relação com ela?

Heldilene Reale: A Marisinha foi minha professora e orientadora no Curso de Artes Visuais da Unama e no Mestrado em Linguagem, Comunicação e Cultura, participou da banca de defesa do meu doutorado, é uma grande amiga, uma pessoa admirável no circuito das Artes Visuais e de fundamental importância na minha carreira profissional e em minha vida. Somos amigas e parceiras de projetos desenvolvidos dentro e fora da carreira acadêmica, ela vem acompanhado tudo que venho desenvolvendo ao longo destas experiências de escrita de produção. A exposição é mais um encontro de nossos afetos. Não poderia ser outra pessoa. 

Holofote Virtual: E agora também tens um espaço no centro histórico, como anda este projeto? Vai haver algum desdobramento desta exposição junto ao Candeeiro?

Heldilene Reale: O Candeeiro faz parte desses novos projetos que o tempo dado a Academia tem me proporcionado. Em conjunto com meu companheiro Natan Garcia estamos desde julho enfrentando todos desafios de montar um espaço em realidade virtual, diálogos virtuais com artistas e programações educativas. Apesar das experiências estarem sendo enriquecedoras e cheias de aprendizados, nada substitui o presencial. Porém enquanto não houver ainda a vacina, continuaremos adotando as medidas preventivas, e a virtualidade é um dos caminhos. 

Acredito que a exposição terá desdobramentos, não sei ainda de que forma, nem aonde, talvez surjam nas experiências que o período da Mostra irá suscitar. Quando pensamos no Candeeiro, pensamos em um espaço que expusesse os trabalhos de outros artistas e não os nossos enquanto artistas, talvez ele não esteja diretamente na galeria do espaço, mas o Candeeiro já entra como apoiador cultural na Exposição presente na Galeria Theodoro Braga. 

(Fotos que mostram Heldilene Reale: Natan Garcia)

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