Dentro de um mês, exatamente em 21 de maio, ele completará 102 anos de fundação. De arquitetura italiana e nome de santo popular na Itália, o Mercado de São Braz, que já foi lugar para feira, hoje, é espaço para venda de artesanato, móveis e outros itens, inclusive de alimentos, mas é pouco visitado.
Há quem defenda que ele se transforme em um teatro municipal ou em um centro de convenções. A radialista e documentarista Rosana Rodrigues resolveu ir a fundo nessa história e lançou, esta semana, em seu canal no Youtube, o curta documentário "São Braz, o Complexo da História", que discute a polêmica.
Os mercados municipais costumam ser um ponto turístico obrigatório na maioria das cidades que visitamos pelo país. Na capital paraense, os de carne e peixe do Ver-o-Peso são exemplos, em funcionamento. Belém, porém - péssimo ter que usar esta expressão -, "já teve", em sentido de magnitude, muito mais.
Construído em 1911, na gestão de Antonio Lemos, intendente conhecido por ter sido um embelezador, nos moldes europeus, da cidade, o prédio ainda está lá, mas o mercado de São Braz não é mais o mesmo.
Imponente, situado em uma área ampla bem no início da Av. Almirante Barroso, para quem vem do centro da Cidade, pela Av. Magalhães Barata ou da José Bonifácio, no sentido contrário, ele é também um cartão postal para os que chegam a Belém.
Além disso, é um marco na memória de muitos paraenses. Lembro, quando criança, ir por lá com minha mãe e meu avô. Por vezes ficava brincado com minha irmã na Praça Floriano Peixoto, aliás, recentemente reinaugurada, mas já com índices problemáticos, de acordo com uma matéria publicada pelo G1.
A obra original é do engenheiro Filinto Santoro, que também foi responsável por outras construções de destaque em Belém e outros estados, como o Mercado Modelo da Bahia, para onde ele se transferiu em 1913, e que também funciona, hoje, como centro para venda de artesanato, obras de arte e comidas típicas etc. Ao que parece, embora reformado e modificado visivelmente, por lá há um investimento turístico que o mantém vivo.
A obra de Santoro em Belém, tombada pelo patrimônio histórico municipal em 1982, traz estilo art noveau e neoclássico, e chegou a abrigar centenas de equipamentos, entre barracas, lojas, boxes, talhos e tanques. Vendia-se peixe, carne, camarão, caranguejo.
Mais de 400 feirantes nos mais variados setores sobreviviam da renda diária que tiravam dali. Foi edificado ali por causa da grande movimentação comercial gerada pela ferrovia Belém-Bragança, cujo ponto final do trem era bem ao lado.
A partir dessas informações vindas do passado até o presente, Rosana Rodrigues construiu o relato de seu documentário. Com imagens da atual situação e depoimentos francos e idôneos à respeito do que faz ou deixa de fazer ali, o documentário de Rosana resulta em um canal de denúncia, que merece ser visto por todos os que se prepocupam com a prrservação do patrimônio arquitetônico cultural de Belém.
Houve dificuldades para realiza-lo. Em 2006, o projeto chegou ser contemplado com a Lei Municipal de Incentivo a Cultura – ‘Tó Teixeira’, mas a documentarista não encontrou receptividade na captação de recursos, o que nem de longe a desmotivou. "São Braz, o Complexo da História", com sua direção em parceria com Guilherme Urner, que também assina a edição, montagem e fotografia, tem quase 15 minutos.
A documentarista gravou depoimentos da arquiteta Jussara Derenji, da professora Nazaré Sarges, do professor, arquiteto e ex-prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, do também arquiteto Jaime Bibas, entre outros, além de ter dado voz aos feirantes do mercado.
Na entrevista que segue Rosana Rodrigues conta um pouco mais sobre a dificil mas satisfatória experiência vivida ao longo desses ultimos sete anos em que esteve produzindo seu filme. Leia e também veja o filme, aqui.
Holofote Virtual: O que te levou a realizar este documentário?
Rosana Rodrigues: Ele é fruto de um trabalho acadêmico feito em 2006. A primeira versão tinha apenas uma narração fílmica com alguns depoimentos de feirantes. Inscrevi, com este mesmo nome, “São Braz, o complexo da história”, na 3ª Mostra Curta Pará Cine Brasil, realizada pela Central de Produção Cinema e Vídeo na Amazônia e, para minha surpresa, ele foi premiado como melhor documentário na categoria "Na Sequência".
Daí foi que resolvi fazer um documentário propriamente dito, ouvindo mais pessoas e retirando a narração, que ficou só no início do filme que está no canal do youtube. Mas a motivação do início foi, na verdade, várias coisas ao mesmo tempo, e a preocupação das pessoas que estão ali, há décadas, trabalhando em situações precárias, foi um fator preponderante.
Holofote Virtual: Houve dificuldade no acesso às informações históricas? Como foi a pesquisa?
Rosana Rodrigues: Olha, as informações históricas da nossa cidade são muito fragmentadas. A FUMBEL disponibilizou, na época da primeira pesquisa, apenas os documentos da terceira reforma, feita no governo do Edmilson Rodrigues. Os periódicos apresentam pouca coisa a respeito. Na verdade, a história mesmo eu fui encontrar nos depoimentos de feirantes e dos atores do filme. A Jussara e a Nazaré Sarges foram duas grandes fontes de informação.
Holofote Virtual: Um mercado municipal bem conservado e em pleno funcionamento diz muito sobre a cultura do lugar. É algo charmoso e um espaço interessante, pitoresco. É uma tradição universal, aliás. O que ficou pra você dessa investigação toda?
Rosana Rodrigues: O conhecimento, a vontade de mostrar, o que fiquei sabendo, à sociedade, como os políticos tratam nosso passado, nossa existência nossa memória e nossa gente.
Holofote Virtual: E você teve dificuldades... Não é um tema que atraia patrocínios. Como foi que você afinal, conseguiu realizar o projeto?
Rosana Rodrigues: Quando pintou a ideia de se fazer um documentário sério, fiz o roteiro e dei entrada na Lei de Incentivo a Cultura "Tó Teixeira". De posse da carta, saí durante um ano com o projeto de baixo do braço, sem conseguir recursos. Foi quando os amigos Guilherme Urner e Rolando Vega, donos de uma produtora, resolveram me ajudar na execução e conseguimos finalizar.
Holofote Virtual: E com os entrevistados, já que o assunto envolve interesses políticos, também foi complicado?
Rosana Rodrigues: Quanto aos entrevistados foi um longo período. São pessoas públicas e que nem sempre estão em Belém. Tive que fazer aos poucos. Algumas coisas poderiam comprometer o objetivo e andamento do filme, há muito de política evolvendo a existência do Mercado. Mas conseguimos, pois quando a gente começa a pesquisar, as coisas começam a acontecer e uma puxa outra.
Holofote Virtual: E a ideia de transformar o mercado em teatro municipal, como está isso?
Rosana Rodrigues: Por enquanto, as coisas estão paradas. Não sei se o gestor atual manterá essa ideia que já existiu e não deu certo.
Holofote Virtual: Você é radialista e agora incursiona pelo cinema documentário Já tens um novo projeto em vista?
Rosa Rodrigues: Sim, continuo trabalhando na Rádio Cultura do Pará e como tenho mania de escrever, quando o São Braz estava saindo, já me surgiu outra ideia. Já tem nome. "O Som das Horas", que trata do cotidiano de Belém, onde as coisas acontecem sempre na mesma hora. É um filme que vem sendo feito com a mesma equipe e que brevemente estará na rede.
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