27.3.17

Livro conta história de bebês roubados na Ditadura

Esse é o tema principal do livro "Depois da Rua Tutoia", do jornalista paulista Eduardo Reina. O lançamento é nesta sexta-feira, 31, no auditório da Coordenadoria de Capacitação e Desenvolvimento da Universidade Federal do Pará (CAPACIT-UFPA), Campus Guamá, em Belém. A programação inicia às 9h e conta com debate.

Por Kid Reis 
Jornalista freelancer

A obra aborda a violência praticada pelos governos militares contra mulheres grávidas que foram presas durante a ditadura e que tiveram os seus bebês arrancados do ventre ou do convívio com a família por agentes da repressão e entregues a pais adotivos.

O livro envolve personagens reais e de ficção sobre o golpe militar de 1964, que completa 53 anos no final deste mês, e as consequências para as vítimas e suas famílias, algumas ligadas ao Estado do Pará. 

Além do lançamento, haverá um debate com a participação de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Pará, da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Pará, da Comissão Estadual da Verdade do Estado do Pará e do Instituto Paulo Fonteles de Direitos Humanos.

A programação também conta com a presença de professores e discentes das áreas de Ciências Sociais, Psicologia, Sociologia, História, Direito e Comunicação da instituição federal de ensino. A mediadora do debate será a professora doutora Rosaly Brito, da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal do Pará.

Entre a realidade e a ficção

A história desenvolvida pelo jornalista mostra o que aconteceu com a militante presa política que teve uma filha dentro do cárcere. É o desenrolar das vidas dos personagens, entre a realidade e ficção, depois da prisão no prédio do DOI-CODI, na Rua Tutoia, quando a bebê foi arrancada da mãe e entregue a um poderoso e influente empresário paulista, que comandava um grupo financiador de movimentos de repressão, principalmente os clandestinos. 

Reina cita, no livro, um caso com profunda ligação com o Estado do Pará. Segundo ele, é o de Lia Cecília da Silva Martins, nascida em 1974 na região Sul do Pará, palco da guerrilha do Araguaia.  Filha de Antônio Teodoro de Castro, o Raul. Ela foi deixada ainda bebê por um delegado e um soldado do Exército para o Lar de Maria, em Belém, em junho de 1974. Instituição essa criada por um sargento da Aeronáutica. 

Lia foi adotada tempos depois por um casal que frequentava o Lar de Maria. Acabou registrada com a ajuda de amigos em cartório na cidade de Bragança. Só descobriu sua verdadeira história em 2009, quando viu uma foto numa matéria de jornal e se achou extremamente parecida com as pessoas. Essas pessoas eram filhos de Antônio Teodoro de Castro, o Raul, desaparecido desde 1973. Feito o exame de DNA ficou comprovado que ela pertence à família de Castro.

Outro caso, que não está no livro, porém com ligação com a capital paraense, já fruto das pesquisas do jornalista, é o de Rosângela Serra Paraná, criada por uma família de militares no Rio de Janeiro.  O tio-avô dela era tenente coronel do Exército, Manoel Hemetério de Oliveira Paraná, que foi diretor do Hospital Geral de Belém de 1961 a 1963.

Casos não são investigados

No livro “Depois da Rua Tutoia”, os personagens são baseados em histórias reais de pessoas que viveram, lutaram contra, sofreram ou apoiaram a repressão nos anos de chumbo. São as histórias de Margareth e José Eugênio, Theóphilo e Cláudia Prócula, e principalmente de Verônica, personagens centrais no livro. 

O livro mostra, ainda, a vida de Margareth e José Eugênio, que lutaram contra o regime de opressão na década de 1960, no ABC paulista. Margareth ficou presa no DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), localizado na Rua Tutoia, no bairro Paraíso, na zona sul da capital paulista, centro de prisão e tortura durante as décadas de 1960 e 1970. Daí o nome do livro "Depois da Rua Tutoia".   

Reina indaga por que depois de 53 anos passados do golpe militar de 1964, o Brasil não investigou esta realidade, como na Argentina, onde são registrados cerca de 500 casos e 149 estão solucionados? Havia maternidades clandestinas, como nos países do Cone Sul, durante os anos de chumbo? Ocorreram quantos casos de bebês roubados de mães que lutaram contra a ditadura e entregues a empresários que financiaram o regime de exceção? E qual a razão de não ter havido investigação sobre esse doloroso tema da história brasileira?

Segundo Reina, estas perguntas ainda estão sem resposta na história no Brasil. “Nenhum governo civil, após os chamados anos de chumbo, ousou investigar o sequestro de bebês. Trata-se de uma questão ainda não resolvida da ditadura brasileira e na memória do país, principalmente quando o regime democrático, o Estado de Direito e inúmeras conquistas sociais estão ameaçadas por um golpe parlamentar, midiático e jurídico. Lançar o livro na região Norte, na Universidade Federal do Pará, no curso de Comunicação e na capital paraense é um estímulo para continuar as minhas pesquisas sobre esta violência institucional que precisa ser esclarecida na história e na memória brasileira”, finaliza Eduardo Reina.

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