4.2.20

A coletânea Jambú e Os Míticos Sons da Amazônia

Em 2014 esteve por Belém, Samy Redjeb, Dj colecionador de vinis, muitos deles importantes, mas que foram encontrados abandonados em depósitos e sebos de Benin, Burkina Faso, Zimbabwe, Nigéria, Angola, Gana, Colômbia e Brasil. Quando o conheci, o levei até Mestre Vieira, cuja obra ele já conhecia e queria incluir na coletânea que estava produzindo. Lançada em junho de 2019, na Alemanha, ela já corre o mundo! 

Surpresa na Bélgica

Por Edvan Feitosa Coutinho - de Bruges, Bélgica *
(fevereiro de 2020)

Chego à casa numa escura e fria tarde/noite deste inverno ameno na Bélgica e minha mulher me mostra um CD que ela emprestou e que estava em destaque nas novas aquisições da Biblioteca Pública de Bruges. Uma surpresa: é o CD Jambú e os Míticos Sons da Amazônia, talvez um dos mais interessantes resumos da riqueza musical do Pará e de Belém nos anos 70.

Foi lançado ano passado, pelo selo Analog Africa, sediado em Frankfurt, Alemanha, com apoio do Goethe Institut. São 19 faixas com gravações originais dos mestres Pinduca, Verequete e o Conjunto Uirapurú, Os Muiraquitãs, Vieira e Seu Conjunto, Cupijó e seu Ritmo, e também  Grupo da Pesada, Os Quentes de Terra Alta, Magalhães e sua Guitarra, e até Janjão, mais conhecido como radialista do que músico. Há espaço para um cearense, Messias Holanda, que adotou o carimbó, e fez sucesso no Nordeste com o ritmo paraense.

A compilação é resultado da pesquisa dos produtores Samy Ben Redjeb e Carlo Xavier. Redjeb cresceu na Tunísia, vive na Alemanha, é DJ e fundador do selo Analog Africa , especializado em música de origem africana dos anos 1970. Xavier é um australiano de origem brasileira também DJ e produtor. Foi também a Africa Analog que há alguns anos relançou um dos álbuns do mestre Cupijó, que encontrei na mesma Biblioteca.

 Entre 2012 e 2018, os dois produtores fizeram várias viagens ao Pará e com ajuda de uma rede de contatos locais, entre eles Luciana Medeiros, foram garimpando a produção paraense mais  representativa do que a gente costumava chamar “música do povão”: carimbó, merengue, guitarrada, lundu, siriá, etc. O que mais surpreende na edição do álbum-compilação é um grosso encarte com textos que situam a cena paraense na metade do século XX até os anos 1980.

Redjeb traça um perfil histórico da formação sócio-cultural e étnica do Pará e conta a experiência pessoal de garimpar as bancas de sebo de LPs em Belém. Já Igor de Lima Basílio da Silva, o Pacheco, escreve sobre a cena musical paraense relembrando o circuito de boates e bares de uma Belém que já não mais existe.

Ele conta sobre as rádios pioneiras na difusão da música regional (Rádio Club e Rauland), as gravadoras Erla (Estúdio Rauland) e a Gravasom. Menciona o surgimento das aparelhagens e faz o percurso “do sereno” da Belém dos 70/80: as boates Matapi, Pagode Chinês, Batuk, O Lapinha, Maloca, K-verna, Tonga e os bares Biriba, Bar do Parque e até o saudoso 3x 4, epicentro do reflorescimento cultural na Belém pós-ditadura. Walter Bandeira e o grupo Gema, que não estão na coletânea,  são lembrados pelo imenso sucesso das noites do bar-teatro Maracaibo.

No encarte há o cuidado de contextualizar cada ritmo paraense, numa abordagem enxuta, mas suficiente para se entender do que se trata. Junto com Tony Leão da Costa, Samy Ben Redjeb escreve sobre o carimbó e como Verequete e Pinduca foram fundamentais para a difusão do ritmo e como este se tornou a base de grande  parte da música paraense.


O encarte traz uma biografia de cada artista e grupo selecionado na coletânea e é ricamente ilustrado por fotos, provavelmente dos encartes dos antigos LPs.

Ouvir esse álbum foi uma redescoberta. Nomes que eu achava  que não conhecia, como Magalhães e sua Guitarra (produzido pelo mago Manoel Cordeiro, da Gravasom), voltam à minha memória nos primeiros acordes. A audição de Jambu e os Míticos Sons da Amazônia, para mim, é como ser transportado da Bélgica 2020 à cozinha da casa dos meus pais, no Jurunas, onde o rádio ligado nas estações AM, fazia a trilha sonora do café da manhã no começo dos anos 70.

N. do E. A coletânea foi lançada em CD e vinil duplo e também pode ser adquirida em versão digital no site do selo Analog África.
Edvan é jornalista e professor paraense, morando na Bélgica há muitos anos. Tive o prazer de trabalhar com ele nos idos anos 1990, na Tv Cultura do Pará.

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