7.10.21

Sebastião Tapajós deixa legado, amigos e saudades

Fotos | Tapajazz Belém 2021
Por Sérgio Malcher

No último sábado, 2 de outubro, o violonista Sebastião Tapajós partiu deixando um legado gigantesco, além de muitos amigos que se despediram do músico com inúmeras homenagens e manifestações de carinho pelas redes sociais, além de histórias que ficaram para contar. Hoje (7), algumas delas, o próprio violonista conta no programa Cultura Instrumental, que vai ao ar às 20h, na Rádio Cultura do Pará, logo depois da Voz do Brasil, com produção de Osvaldo Bellarmino Jr. e apresentaçao de Linda Ribeiro. A seguir, depoimentos de Carmen Ribas, Badi Assad, Guilherme Taré e Gilson Peranzzetta, que me ajudaram a falar um pouco das ultimas homenagens prestadas ao Tião.

Nestes quase dois anos de pandemia, mais isolado, por necessidade, mas contra a vontade dele, o violonista festejou os 79 anos de forma virtual, assim como viu sua trajetória ser exibida numa exposição em plataforma digital. "Ele acabou se submetendo às 'coisas da tecnologia’ como ele dizia, por entender o alcance que o mundo digital proporciona a ele, que passou a se conectar com as pessoas da Alemanha, da Inglaterra, de Portugal, Japão, que o reverenciavam cada vez que ele se colocava no mundo virtual", diz Carmen Ribas, produtora que realizou inúmeros shows e projetos com Tapajós.

Em agosto, o músico recebeu homenagens no 2ª Tapajazz Mostra Belém, evento que traz um recorte do festival idealizado em Alter do Chão, Santarém. "Esse festival foi idealizado para homenagea-lo. Ele era e continuará sendo seu patrono. Sempre que pensamos em uma edição, Tião tinha reservado um espaço especial", diz o produtor Guilherme Taré. O show no Teatro Margarida Schivasappa, encerrando o evento no dia 14 de agosto tinha uma outra homenagem, à Santarém, que completou 360 anos, terra onde o músico fincou pés para depois alçar vôo.

No palco, Taré, colocou Sebastião Tapajós tocando com o pianista Gilson Peranzzetta, com Badi Assad  e Armandinho Macedo, marcando um grande reencontro. Além deles, o músico tocou com Ney Conceição, músico que sempre diz que deve a Sebastião ele ter levado a sério a música na cidade dele; com Nilson Chaves, Alfredo Reis, Lenilson Albuquerque entre tantos outros músicos paraenses, incluindo aí toda a Amazônia Jazz Band. 

“Sebastião Tapajós foi um grande mestre não somente do violão brasileiro, mas como da música brasileira no que há de melhor. Eu tive o grande privilégio de conhecê-lo pessoalmente e estar com ele durante o Tapajazz, em Belém em agosto. Um homem de uma simpatia gigante, apesar de todas as dificuldades de saúde que já enfrentava. Sempre com um sorriso no rosto e um olhar matreiro de eterno menino. Bom, agora ele se transformou em mais um anjo para a grande Orquestra Celeste. Evoé e avoe mestre! Com todas as deusas e deuses do panteão”, disse Badi Assad ao blog.

Foram dias realmente emocionantes, registrados no vídeo disponível no canal de Youtube do Tapajazz Mostra Belém.  Todos eles se manifestaram nas redes sociais falando um pouco de seus sentimentos e relação de amizade com Tião. Entre os pontos em comum, a sua generosidade foi uma das qualidades ressaltadas pelos amigos.

“Acho que qualquer pessoa que falar dele, vai falar desse homem generoso, tanto do ponto de vista pessoal, quanto do talento dele, que ele emprestava e com o qual empurrava as pessoas para os palcos, foi isso que ouvi recentemente do (Gilson) Peranzzetta, quando ele esteve no Tapajazz. Ele dizia que foi graças ao empurrão generoso do Sebastião que ele se tornou compositor, solista, concertista e um dos maiores pianistas do Brasil. Gilson dá o crédito por isso ao Tião”, continua Carmen Ribas, com detalhes do próprio Peranzzetta, a seguir.

"Lembro que  ensaiamos pra fazer um show, montamos repertório e rumamos para Belém. Eu havia saído de um trabalho de 10 anos com Ivan Lins, no qual eu arranjava mas não era solista. E em Belém fizemos três músicas, mas de repente eu vejo o Sebastião pegando o violão e saindo do palco. Perguntei para onde ele estava indo e ele me disse que  ‘agora é tua vez’. Eu disse, mas eu não ensaiei nenhum número solo. Ele me respondeu ‘te vira’.  E eu tive que fazer um número solo de piano, devo isso a ele, que agora tá na orquestra lá do céu e lá, vão ter lá que mudar aquele suingue e vão ter que estudar muito pra tocar as músicas do Tião”, finalizou. 

Observador, o músico costumava dizer que todo mundo ganhava um dom de Deus e que era preciso aproveitar as oportunidades. “Ele dizia que Deus dá o dom, e que se a pessoa não pega a oportunidade, certamente esse Dom iria para outra pessoa, então ele sempre aconselhava ‘pega o talento que Deus tá te dando, pega as oportunidades que Deus está te dando’. Tião teve oportunidades que pegou pra ele e viveu intensamente, quantas vezes foi ovacionado no exterior, em teatros do mundo”, conta a produtora Carmen Ribas.

Os últimos projetos com ele foram apoiados pela Lei Aldir Blanc. Em junho, a exposição virtual sobre sua trajetória e, além da participação no Tapajazz - Mostra Belém,  em agosto, foi o músico do projeto “Concertos para Juventude”, exibido com transmissão online, no Teatro do SESI.  

“Eu me sinto grata por tudo que aprendi ao lado dele durante todo esse tempo, e fiquei feliz por ter conseguido, mesmo nesses tempos de pandemia, ter estado ao lado dele produzindo. E ele me estimulava muito. Todos os dias eu acordava com mensagem de bom dia e uma pergunta: ‘o que vamos aprontar hoje?’. E a gente sempre estava aprontando alguma coisa”, comenta.

Músico tinha agenda até 2022

A 8a edição do Tapajazz em Alter do chão, já contava com participação do músico, em novembro deste ano, e outro show já estava previsto para dezembro, em Belém. Havia algumas agendas já traçadas até 2022, quando ele completaria 80 anos. 

“Era tempo de celebrar os 80 anos que estavam chegando, e ele próprio já sentia as limitações do Parkinson e da idade, e ai queria aproveitar cada segundo, estar em atividade permanente, não largava aquele violão pra nada, acordava agarrando ele e dormia praticamente com ele também”, lembra Ribas. 

Sebastião vai deixar saudades, mas também fez uma escola. Há inúmeros trabalhos de jovens violonistas inspirados na obra desse seu violão único. Natural de Alenquer, na região Oeste do Estado, ele ganhou notoriedade, sendo reconhecido por sua singularidade e virtuosismo ao violão. O músico transcendeu a barreira do regionalismo em suas composições, e será sempre considerado um compositor não apenas paraense, mas também brasileiro e universal.

Sebastião começou a estudar música com seu pai, ainda na infância. Em 1964 ingressou no Conservatório Nacional de Música de Lisboa, depois mudou-se para Espanha. Nesses dois países estudou com o mestre compositor e violonista Emilio Pujol. O violonista já lançou mais de 50 discos e é consagrado no Brasil e no exterior.

Na lista dos discos imperdíveis, há inúmeros álbuns, como o primeiro, Apresentando Sebastião Tapajós e seu Conjunto (1963); Xingu (1979), Amazônia brasileira (1997), gravado com Nilson Chaves; Da minha terra (1998), com Jane Duboc, cantora nascida em Belém (PA), e ainda Solos da Amazônia (2000), Valsas e choros do Pará (2002) e Suíte das Amazonas (2011), gravado com Ney Conceição e Trio Manari. Antes de partir, Sebastião Tapajós ainda teve tempo de gravar um novo disco, com produção de José Maria Bezerra e que em breve deve ser lançado. Inéditas do mestre, valsas, vamos aguardar. Até mais, Sebastião.

Para ouvir o Cultura Instrumental, pela web:

http://www.portalcultura.com.br/playerhtml/index2.html

Para ver o show de Sabstião no Tapajazz Mostra Belém 2021:

https://www.youtube.com/watch?v=bINhfHqT5M8&t=7s

Nenhum comentário: