De 19 a 23 de setembro eles serão apresentados em vários espaços da cidade, sempre com entrada franca. Eles fazem parte do COMBO, projeto
que percorre o país, vindo da Bahia, contemplado pelo Prêmio Klauss
Vianna de Dança – Funarte. Em entrevista ao Holofote Virtual, um dos integrantes do grupo, Neto Machado, coreógrafo e bailarino do solo “Kodak”, fala do projeto e do trabalho que desenvolve junto ao artistas criadores do projeto.
“COMBO é a concretização de um projeto que une pessoas que já estão juntas”, vai logo me dizendo.
“Já estávamos trabalhando um no trabalho do outro, e esse projeto vem unir estes trabalhos. Todos nós somos produzidos pelo Dimenti, que é uma produtora de Salvador.
Esta produtora centra nossos trabalhos, ela organiza o que fazemos e é nosso lugar de volta. Nosso esforço de trabalho é pra ela girar, porque ela girando ela faz nosso trabalho girar também”, conta Neto Machado.
Cinema, stop motion, infância, música, sexo e crítica. As cinco performances discutem temas diferentes mais têm algo em comum. “Todas buscam um formato que concretize a própria discussão que apresentam”, arremata Neto. “Quero dizer com isso que todas estão testando diferentes formatos - que passeiam por dança, teatro, artes visuais - que tentam se aproximar das questões que estão interessadas”, explica.
De acordo com ele, o grupo não está discutindo o que é dança ou não, arte ou não. “Simplesmente se coloca em trabalho para ver qual será a melhor maneira de tratar as questões que lhe interessam naquele momento. Essa é uma aproximação das obras. Todas estão testando formatos, sem uma preocupação de onde eles se enquadram”, conclui.
Single (Foto:Tiago Lima) |
Atuando também nas áreas de teatro e artes visuais, Neto Machado é integrante-fundador do coletivo Couve-Flor Minicomunidade Artística Mundial, patrocinado pelo Programa Petrobras Cultural, e praticou street dance durante muitos anos, experiência que inspirou as primeiras tentativas de transformar os comandos do videocassete em ações do/no corpo.
Dividindo seu trabalho entre Brasil e Europa, em projetos com artistas como Xavier Le Roy, Jan Ritsema, Jorge Alencar e Thiago Granato, atualmente ele circula pelo país com o projeto COMBO, criado junto a outros quatro artistas baianos, que assinam os solos “Um Corpo Que Causa” (Jorge Alencar), “Single” (Leo França), “Edital” (Fábio Osório Monteiro) e “Souvenir”, o único que traz mais de um ator em cena. Eles ocuparão o Teatro Cuíra, o Porão da Unipop, o Casarão do Boneco e uma escadaria na centenária Escola Barão do Rio Branco. "Kodak", de Neto, abre a progamação.
Por não apresentarem formatos tradicionais, em cada lugar que chegam os espetáculos necessitam de demandas específicas. “Tem uma peça pra teatro, outra para galeria, outra para quintal e assim por diante. Cada peça pede também um contexto”, diz Neto. Abaixo ele fala mais.
Neto Machado em Kodak (Foto:João Meirelles) |
Holofote Virtual: Como surgiu a ideia do projeto COMBO?
Neto Machado: COMBO surge de uma vontade de circular obras de artistas que, de alguma forma, colaboram. Somos todos parte da equipe do espetáculo Souvenir - que tem produção de Ellen Mello, direção de Jorge Alencar e performance de Fábio Osório Monteiro, Leo França e minha - e cada um desses artistas tem um solo, que também conta com outros de nós na ficha técnica em diferentes funções.
São solos produzidos em contextos distintos, com diferentes vontades e desejos, mas que de formas diversas tiveram a proximidade de todos durante o processo de criação. Percebemos que circulando com Souvenir "levaríamos na bagagem" esses outros trabalhos, e que poderia ser uma boa oportunidade apresentá-los também. Então criamos o COMBO. Um combinado que ao invés de batata frita e refrigerante, oferece diferentes trabalhos de arte contemporânea que estão conectados artística e afetivamente.
Holofote Virtual: É a primeira circulação de vocês?
Neto Machado: Não. COMBO já circulou pelo interior do estado da Bahia e foi até o Rio de Janeiro. No interior circulamos com quatro trabalhos ao todo, três solos e Souvenir. Já no Rio, tivemos o mesmo formato que vai pra Belém, com Kodak, Single, Edital, Um Corpo que Causa e Souvenir.
O formato muda dependendo do projeto que fazemos parte e das circunstâncias que circulamos. No interior da Bahia circulamos com um projeto financiado pelo governo do estado, e fora da Bahia vamos circular com apoio da Funarte - Prêmio Klauss Vianna.
Edital (Foto:João Meirelles) |
Holofote Virtual: Qual a característica de cada um dos criadores e qual a formação de vocês?
Neto Machado: Acho que poderíamos elencar coisas que nos diferem, por exemplo: meu primeiro contato com a arte foi com o hiphop. Dancei dança de rua toda minha adolescência e por muitos anos fui professor também. Fiz faculdade de Artes Cênicas e uma formação em Dança Contemporânea na França. Nenhum dos outros artistas deste projeto dançou hiphop, nem fez faculdade de Artes Cênicas.
Os outros têm passagem por balé clássico, ou danças populares, e tem até quem fez faculdade de administração de empresas. Essas diferenças nos aproximam também, porque nos interessam e nos modificam mutuamente.
Mas é importante dizer aqui que temos muitas proximidades também.
Todos estamos interessados em produzir arte contemporânea. E estamos interessados que esta arte contemporânea que produzimos possa ter eco na nossa sociedade. Todos nós lidamos nas nossas obras com assuntos, perguntas, referências e propostas muito comuns à nossa sociedade.
São propostas estéticas que burlam a separação entre as linguagens artísticas - estão entre dança, teatro e artes visuais - mas que não estão interessadas em ficar exclusivamente dentro do circuito hermético das obras contemporâneas, queremos encontrar qualquer um que estiver interessado. Nas diferentes obras do COMBO aparecem referências ao universo pop, à infância, à violência urbana, à burocracia diária, aos musicais e cabarés entre várias outras.
Souvenir (Foto: divulgação) |
Holofote Virtual: Vocês utilizam espaços nem sempre convencionais para apresentações cênicas. Seria certo chamá-las de intervenções?
Neto Machado: São cinco trabalhos. Não chamaria de intervenções por eles não necessariamente intervirem num contexto específico.
São espetáculos que circulam muito dentro do campo da dança contemporânea. Mais por uma aceitação maior deste universo, do que por uma exclusividade de interesse das obras. As peças são construídas com pensamentos coreográficos, mas quem for ver não necessariamente vai assistir a "passos de dança".
Nenhum espetáculo traz um "estilo de dança" nem está interessado por isso. São peças que entendem coreografia com algo amplo, que abarca um organização da cena e não passos definidos. Tem espetáculos em que se canta muito mais do que se move, em que se fala muito mais do que se move, mas eles também podem ser considerados peças de dança se pensarmos nessa coreografia que organiza o corpo, a cena e a dramaturgia, mais do que "os passos".
Holofote Virtual: Além dos solos há um espetáculo com mais de um ator...
Neto Machado: Souvenir é um trabalho com três artistas em cena (Leo França, Osório Monteiro e Neto Machado). É dirigido pelo quarto (Jorge Alencar) e tem produção e assistência de direção da quinta (Ellen Mello). Este é um trabalho construído muito a partir dessa palavra que dá título a obra: Souvenir. Ela tem o significado de memória e também define aqueles objetos que trazemos como lembrança de viagens e datas especiais.
Ele foi construído pensando os três atores como souvenires deles mesmo. O corpo de cada um carrega as memórias e lembranças que já passaram.
Vem à cena diferentes memórias dos três, compiladas e organizadas a partir das memórias dos outros que estão fora da cena. Souvenir é uma coreografia para quintal, feita pra ser encenada num lugar com memórias (será realizado no Casarão do Boneco). Um espetáculo que lida com memórias sem parar no nostálgico. Apresenta as memórias para saborearmos o presente.
Kodak (Foto:Tiago Lima) |
Holofote Virtual: Fala um pouco mais sobre Kodak, uma de suas criações, e também das outras apresentações...
Neto Machado: Kodak é uma peça para o público infanto juvenil que usa o universo da técnica do stop motion - técnica de animação que utiliza fotografias sequenciais para produzir a ilusão de movimento no cinema - para produzir efeitos coreográficos.
Em cena estou eu rodeado de caixas de arquivo morto de plástico colorido produzindo cenários onde cenas acontecem. É um stop motion rodando no meu próprio corpo. No palco aparecem os Changemans, Ben 10, Godzilla, King Kong, Power Rangers, Mangás... Pra criar este trabalho eu pesquise formas de mudar a percepção do movimento testando no meu corpo técnicas usadas no cinema.
Em Single, Leo França mergulha na cidade pra pensar sobre violência. Ele nos re-apresenta um objeto muito comum em Salvador, um ferrinho usado para proteção colocado no topo dos muros que cercas as casas. É um ferrinho com pontas afiadas, cortantes, e que em Single aparece como que moldável. Não na sua forma, mas no seu sentido. O ferro aparece em situações outras, remixando seu sentido. Leo usa no processo histórias da própria família, fatos da cidade e experiências estéticas com vídeos, objetos e movimentos.
Edital é uma peça sobre burocracia. O processo dela vem da tentativa de Fábio Osório Monteiro criar sua primeira peça autoral. Surgem daí, questionamentos sobre políticas públicas, sobre o lugar do artista na sociedade, sobre a relevância de projetos culturais, sobre autoria e sobre processos de seleção. Pra resolver o próprio problema de criar uma peça, Osório cria inúmeros outros sobre nossa sociedade.
Um Corpo que Causa (Foto: Val Lima) |
Holofote Virtual: E tem “Um corpo que causa"...
Neto Machado: Um Corpo que Causa canta desejos. Esta é uma peça cabaré que canta aos quatro ventos as diferenças dos desejos. São discutidas em cena as estratégias de produção de sexualidades, que estão desde os desenhos animados infantis até os astros da música internacional. Mas não se mergulha nesta Epopéia de destrinchar esses universos sem penetrá-los. Corpo que Causa é um espaço de delírio porque se penetra, está discutindo por dentro. Não se aponta o problema lá fora, aqui se canta emocionado tudo que se quer dizer.
Holofote Virtual: Como tem sido a reação do público por onde vocês?
Neto Machado: As reações são muito boas, porque todos os trabalhos causam estranhamento ao mesmo tempo em que causa aproximação. Eles são muito convidativos, lidam com referências próximas do público. São trabalhos estranhos à primeira vista, mas o público acaba muito empolgado porque se relaciona mesmo que no início possa achar que não. Quem não se emocionar com o canto de Cauby Peixoto pode rir com a burocracia diária, se surpreender com a destruição de uma cidade de plástico, imaginar um mundo de ferro e brincar com as memórias da infância.
Holofote Virtual: O que vocês pretendem provocar, o que estão discutindo?
Neto Machado: Depende do espetáculo, mas em geral acho que estamos procurando novas formas de sentido. Burlamos, mixamos e remodelamos sentidos do nosso mundo. Olhamos para coisas que estão ao nosso lado e mexemos nelas, apresentamos outras possibilidades, pensamos se existe algo mais que podemos propor além do que já está aí.
PROGRAMAÇÃO COMBO EM BELÉM - 19 a 23 de Setembro
• Kodak - quarta-feira, 19 - Teatro Cuíra - 19h – 1º de Março, c/ Riachuelo.
• Edital - quinta-feira, 20 - Porão da Unipop - 19h - Senador Lemos, 575.
• Single - sexta-feira, 21 - Porão da Unipo - 19h - Senador Lemos, 575.
• Um Corpo que Causa - sábado, 22 - Escola Barão do Rio Branco - 19h – Av. Generalíssimo, esquina da Braz de Aguiar.
• Souvenir - domingo, 23 - Casarão do Boneco - 17h - Av. 16 de Novembro, 815.
Mais informações: 91 8177.7504. Apoio: Hilton Hotel, Fundação Curro Velho, Unipop, Fundação Tancredo Neves, Escola Estadual Barão do Rio Branco, Funtelpa e Rádio Cultura.
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