24.8.19

Maniçoba para 600 na Ocupação 9 de julho em SP

Os aromas da tradicional maniçoba estão aflorados na capital paulista desde a semana passada, mas hoje, com a entrada dos outros ingredientes, esse buquê promete se intensificar, chegando a seu ápice neste domingo, 25, quando será servida a mais de 600 pessoas na Ocupação 9 de Julho, espaço de resistência e luta pela moradia na maior cidade da América Latina, em número de população. A missão do preparo foi dada ao paraense Paulo Faria, radicado há mais de 20 anos em São Paulo.

A Ocupação 9 de Julho vive sob a tensão do despejo. E um forma de receber apoio da população e lutar pelo direito de ocupar um prédio abandonado em pleno centro de São Paulo, foi realizar ações, eventos. Uma das ações são os almoços coletivos como este que o ator, diretor, dramaturgo e ativista paraense Paulo Faria, ficou responsável.

Na articulação e montagem da logística para cozinhar a maniçoba, ele  não está só, há uma equipe trabalhando. E a maniçoba também não estará restrita aos carnívoros. Para a versão vegana, o ator convidou a também paraense Karina Fonseca, do espaço Quintal Paraense, que desde 2016 realiza os sonhos dos delirantes conterrâneos desterrados na pauliceia desvairada. E ela, claro, logo aceitou o desafio e parceria.

Os quilos e quilos de maniva chegaram em São Paulo já fervidos por sete dias e sete noites como manda a receita. Depois vieram as compras dos ingredientes que hoje foram mergulhados nos panelões com a maniçoba fumegante, trazendo aquele cheiro inebriante que para nós, aqui, é também sinônimo de Círio de Nazaré.

Além das famílias residentes a Ocupação 9 de Julho é hoje frequentada por jovens, artistas, ativistas e até empresários. Localizada em pleno centro de São Paulo.  A ação que será realizada neste domingo, é mais uma atividade desenvolvida em apoio às 120 famílias que ocupam o edifício que foi do INSS, e para mais quem aparecer. Tudo que for arrecadado será revertido aos moradores e melhorias de suas instalações. 

A programação de domingo, além de maniçoba, conta com apresentações de dança, leituras e claro, muito carimbó, complementando o cardápio.

Fundador e diretor premiado da Cia Pessoal do Faroeste, Paulo Faria diz que o convite veio em meio a realização do projeto Caravana Faroeste, que está indo às ocupações e favelas no centro de São Paulo e também foi uma grande coincidência, pois ele tradicionalmente já cozinha maniçoba no mês de agosto em seu aniversário, que este ano terá que ser comemorado duas vezes, uma delas, antecipadamente, neste domingo.

“A Ocupação 9 de Julho foi a segunda a ser visitada, com programação de cineclube, sarau e roda de conversa, na intenção de nos aproximar dessas comunidades e fortalecer a nossa RE-existência nesses tempos tão difíceis. Foi neste contexto que aconteceu o convite do Rafael Ferro, amigo que integra a Cia Teatral Redmunho, e faz parte da ocupação. Ele não sabia que faço aniversário no dia 31. Foi uma feliz coincidência. E lá comemorarei o meu aniversário de 54 anos”, conta Paulo.

Entre os preparos da maniçoba e as últimas apresentações da “Mostra Quase Tudo” que marcou os 21 anos da Cia Pessoal do Faroeste, Paulo Faria bateu um papo colocando a conversa em dia com o Holofote Virtual, e olha só que tem novidade. Em outubro o ator estará em Belém para rever amigos e família, mas também para começar a procurar um espaço e estabelecer parcerias para fundar uma sede do Pessoal do Faroeste por aqui. Além do teatro, há 5 anos, a companhia também é uma produtora de cinema criada para filmar “A Mulher Macaco”, texto que se passa na Amazônia e com o qual ele recebeu o prêmio Plínio Marcos de Dramaturgia. 

Holofote Virtual: Vais cozinhar para as mais de 100 famílias que estão na Ocupação 9 de Julho. Como foi encarar essa logística?

Paulo Faria: Tenho acompanhado o trabalho da Cozinha 9 de Julho, que acontece todos os domingos. O último grande almoço ali, foi a comemoração do aniversário do Suplicy. Esses eventos ajudam a engrossar o caldo de convidadxs.  

A ação conta com um aparato enorme de material e colaborxs. A cozinha ocupa um espaço enorme no prédio. Eu estarei na coordenação da cozinha, não estarei preparando tudo sozinho, não. Seria impossível fazer tudo sozinho. É a força da comunhão.

Holofote Virtual: As pessoas que estão lá vivem situações de perseguições políticas e sociais. O que significa participar desta ação neste momento?

Paulo Faria: A líder da ocupação, a Preta, junto com mais 3 companheirxs, está presa de forma arbitrária há mais de um mês. A prisão sem crime comprovado do nosso presidente Lula tem criado precedentes terríveis aos movimentos sociais. Estar ao lado da Ocupação nesse momento é apoiar a libertação da Preta e de sua gente, afinal, essa luta é de quem acredita nos direitos garantidos na Constituição, essa luta é minha - essa luta é por dignidade, e cozinhar pra tantas famílias assim, é um presente que não me cabe. 

Este mês é o mês de meu Orixá Obaluaê, e a sua festa Olubajé é servida as comidas de todos os Orixás, buscando a fartura e saúde à todos os filhos e filhas. Portanto, dividir esse asé com tanta gente envolvida é muito bom, é a grandeza maior. Sou grato pela oportunidade de colaborar. Afinal, gente foi feita pra brilhar e não pra morrer de fome.

Holofote Virtual: O Pessoal do Faroeste fez 21 anos e realizou uma mostra neste mês de agosto. Quais tuas reflexões sobre essa trajetória e a realidade atual na área da cultura? 

Paulo Faria: Vivemos um período bem difícil, por conta de falta de patrocínio. Estamos terminando, agora em agosto, a última edição da Lei de Fomento que foi ao ar - no primeiro semestre de 2018. Desde lá, já são 2 semestres que a lei não é cumprida, por conta do que o João Dória tem feito para destruir a cultura. E seu sucessor, Bruno Covas, está indo na mesma linha de desmonte. 

Em 2017, ficamos um ano sem pagar os alugueis. E sofremos uma ação de despejo. O Eduardo Suplicy nos deu uma emenda para fazer a Mostra e pagar essa dívida. Assim, o proprietário pode aceitar este último ano que temos patrocínio, pois pra aceitar, teríamos que pagar o ano anterior. E assim foi feito mas na real, desde o mês passado não temos patrocínio e o aluguel ficou novamente descoberto. Uma luta insana. Essa Mostra foi muito boa também para colocarmos um repertório de 5 peças em cartaz, de um total de 21 montadas em nossa trajetória. 

Holofote Virtual: A sede Luz do Faroeste tem sido palco de encontros de discussões políticas importantes. Fazendo uma pequena retrospectiva, o que já rolou, neste sentido, das últimas eleições para cá?

Paulo Faria: O Faroeste já sediou 3 Congressos Nacionais de Drogas – Plataforma Brasileira de Drogas IBCCRIM, I Conferência Internacional Fronteiras Raciais do Genocídio, Encontro Corredor Cultural Consolação, Pós graduação Diversitas USP, Posse de Defensores Públicos, Posse da bancada Ativista do PSOL e o lançamento da candidatura de Haddad para presidência ao lado da UNE.

Realizamos também 3 edições do Prêmio Justiça Para Todas e Todos da Ouvidoria da Defensoria, Festival de Performance e Outras Mídias Perfídia, entre outros encontros. E por fim, ocupam hoje, o Faroeste, a Cultive (Mães que plantam maconha medicinal), Ocupação Cultural Negra Jeholu, Movimento Cultural das Periferias, entre outras. Mais de 40 coletivos de artes e artistas já fizeram residência artística no Faroeste. 

Holofote Virtual: A Cia também acaba de fundar um instituto, como tem funcionado?

Paulo Faria: No dia 12 de novembro de 2018, empossamos o Instituto Luz do Faroeste, que pretende reunir, dialogar e criar políticas públicas para a nossa região. Aqui, tem uma rede enorme em direitos humanos. E o Instituto veio pra organizar tudo isso. 

O Diversitas USP, que ocupa aqui o Faroeste há 3 anos com seu grupo de pós-graduação, com uma ala progressista das humanas da USP, nos ajudou a criar o estatuto, e está dentro do Instituto como o Conselho Deliberativo. São 13 acadêmicos como Sérgio Bairon, Lilian Amaral, Raquel Ronik e Zilda Lokoi. E a direção executiva, coordenará 20 Núcleos, como Saúde, Social, Ambiental, Diversidade, Gênero, entre outros.

Holofote Virtual: E me conta. É real essa ideia de abrir uma filial do Pessoal do Faroeste em Belém? Eu acharia ótimo!

Paulo Faria: Pois é. No final do semestre um cansaço e desesperança, atrelado a uma depressão, me transformaram num barril de pólvora, e me fez querer abandonar tudo e passar um longo período em Belém, produzindo aí na cidade. Mas vi que não posso abandonar o barco que dirijo aqui. Decidi fazer algo muito melhor e maior: abrir uma Sede em Belém e poder dialogar com a cidade. Sou paraense e sinto uma necessidade muito grande de restabelecer essa relação, de ser identificado como nortista, paraense. 

A ideia é aproximar nossa produção e poder trocar com Belém. Acredito que posso colaborar com a nova gestão da Secretaria de Cultura. Devo ir à Belém em outubro para firmar parcerias e procurar um local para residir. Se alguém tiver um espaço ocioso em Belém, esperando por uma boa oportunidade para transformar num espaço cultural, é só me contatar. 

Holofote Virtual: Mas e a maniçoba, heim... Paulista gosta?

Paulo Faria: Muitoooooo.

(As fotos que ilustram a entrevista foram emprestadas da página de Paulo Faria no Facebook. Mais informações sobre a Cozinha da Ocupação: https://www.facebook.com/cozinhaocupacao9dejulho/)

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