Fotos de Miguel Chikaoka |
Movido pelo desejo de conhecer as suas raízes mais profundas, Miguel encontrou na leitura de “Oku no Hosomichi”, o mais famoso relato de viagem do poeta japonês Matsuo Bashô (1644 – 1694), a inspiração para mergulhar na ancestralidade entregando-se à vivência dos opostos: o isolamento e a viagem. A pé e de trem, Chikaoka atravessou a ilha desde a costa do Mar do Japão até o Pacífico, numa viagem solitária que durou 45 dias, passando por pequenas cidades e vilas, zona rural e sendas do poeta.
Convidado pelo Café Fotográfico da Fotoativa, Miguel Chikaoka encontra com o público nesta terça, dia 19, a partir de 19h, para conversar mais sobre as motivações, a real extensão dessa viagem na sua vida e os desdobramentos na sua carreira. “Falo de uma busca no sentido maior do que é estar aqui, no sentido político de ser”, revela o artista.
Miguel estudou engenharia na Universidade de Campinas (SP), onde se graduou em 1976. Morou entre os anos de 1976 e 1979 na cidade francesa de Nancy, onde frequentou a École Supérieure de Mécanique et Électricité, mas abandonou o curso antes de seu término. “Segui o rito, mas sempre numa inquietude, mesmo diante de conquistas consideradas importantes para os parâmetros da sociedade”, diz Miguel.
Quando retornou ao Brasil, em 1980, preferiu se instalar em Belém, passando a desenvolver intensa atividade como fotojornalista, e anos depois em processos de arte-educação. “Não uso a fotografia para mostrar, mas para viver o processo. Um lugar potente, um lugar de experiência. O olhar para mim é lugar de percepção mais aguda, de ver e ouvir mais do que falar. Na busca pela prática cotidiana dos valores humanos descobri na fotografia a possibilidade real de aprofundar e expandir o sentido de ser e estar em movimento”, afirma.
Miguel nasceu na zona rural do município paulista de Registro, Vale do Ribeira, em uma comunidade essencialmente japonesa: família, alimentação, literatura, religião ainda mantinham as tradições da terra natal da maioria dos habitantes. Tratava-se de um momento de forte migração do Japão para diversos países, sobretudo o Brasil.
Plantava-se praticamente tudo, e pouco se interagia com outras localidades, a não ser quando saíam para comprar peixes frescos, pescados, na sede do município, às margens do rio Ribeira de Iguape. Sua relação com o rio foi a primeira inspiração para um projeto de investigação pessoal, esboçado em 2015, para encontrar a suas raízes ancestrais.
A busca se daria através da construção de um mapa afetivo e espiritual a partir do atravessamento de conexões geográficas, culturais entre o Rio Ribeira de Iguape e o Rio Mogami, que encontra o mar na cidade de Sakata, região de Tohoku, norte de Honshu, a maior das ilhas do arquipélago japonês, de onde, há mais de 80 anos, o seu pai partiu rumo ao Brasil, trazendo consigo um irmão mais novo, sonhando retornar em melhores condições.
“Meu pai falava muito pouco, e pouco soube da história dele e seus ancentrais”, conta Chikaoka. E foi em terras brasileiras que ele casou e teve sete filhos. De sua mãe, que veio do Japão com a família para o Vale do Ribeira, Miguel traz lembranças de uma mulher que sempre colocava questões sobre o que seria “ser”.
“Uma pessoa questionadora e que assumiu muito cedo a condição de mulher, quando perdeu a mãe, aos 12 anos”, conta Miguel. Ele diz que essa formação representa uma herança importante em suas decisões nos deslocamentos de uma vida mais convencional para o seu encontro com a arte.
O eixo dessa de sua investigação pessoal se deslocou quando Chikaoka vislumbrou uma centelha, no cruzamento da história de vida de 3 personagens: o seu pai, Koji Chikaoka, homem de fala reservada que chegou ao Brasil com 25 anos em busca de melhores condições; a sua mãe, Tadako Chikaoka, devota do budismo, dedicou boa parte da sua vida à escrita do haiku, composição poética mínima, de origem japonesa, que se funda nas relações profundas entre homem e natureza; e o poeta Matsuo Basho, considerado o mestre do haiku.
É autor do livro “Oku no Hosomichi” (literalmente caminho estreito para o interior profundo), um diário de uma caminhada em 1989, que durou 5 meses, incluindo uma travessia pela região de Tohoku.
O clima intimista desse cruzamento foi inspiração para a viagem solitária que o artista fez no ano passado, no sentido oposto àquele feito por Bashô. “O ponto de partida para a minha viagem foi exatamente a cidade onde nasceu meu pai”, afirma Miguel. Foram quase dois meses passando por áreas rurais de característicos arrozais, que mantinham com primor e delicadeza as tradições japonesas, ou mesmo áreas urbanas de um Japão contemporâneo.
“Bashô fez o caminho no sentido de busca interior. Fui por ele inspirado para buscar o meu caminho”, diz Miguel. Nesse cenário, Miguel produziu escritos e fotos em uma imersão íntima sobre memórias e afetos em que sua mãe e pai, e o poeta Bashô são potências que seguem alimentando o seu caminho.
Serviço
Café Fotográfico com Miguel Chikaoka. Nesta terça-feira, 19, a partir das 19h. No Casarão da Fotoativa, na Praça das Mercês - Bairro da Campina - Centro Histórico de Belém. Mais informações:
(Texto de Yavana Crizanto, enviado da Comunicação da Associação FotoAtiva)
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