7.6.18

Centro Histórico: luz no fim do túnel ou eleições?

Praça do Carmo (Foto: Luciana Medeiros, 2018)
A Praça do Carmo está gramada, pintada e limpa. Já viu? Ainda não é uma recuperação consistente. O busto de Dom Bosco embora tenha sido lavado demonstra sinais de desgastes, precisa de restauro, e as calçadas também estão danificadas ao redor. Um vídeo divulgado pela prefeitura de Belém mostra outras revitalizações sendo feitas nas praças Frei Caetano Brandão e Dom Pedro II.

Diante da situação grave em que se encontra o centro histórico de Belém, foi uma grata surpresa ver, ontem de tarde, que a Praça do Carmo está recebendo cuidados e que para não voltar ao estado anterior vai precisar receber manutenção também. Há muitos anos que ela amargava o abandono completo, numa situação crítica.  O mínimo necessário está sendo feito, mas e o resto? O vídeo da prefeitura me levou às reflexões que há muito venho fazendo.

Naquela área também estão a Praça do Relógio, a Praça da Trindade (Barão do Rio Branco) e a Pracinha da Igreja do Rosário, além da Praça das Mercês, das que de imediato me lembro. São espaços de história, lazer e cultura, mas principalmente as praças tem um papel agregador de convivência para moradores, trabalhadores e visitantes.

Verde Cidadão, na praça do Largo São João - Cidade Velha
(Foto/projeto Verde Cidadão)

O vídeo feito pela prefeitura sobre a revitalização das praças chama atenção para uma coisa importante. De que é preciso que as pessoas também cuidem desse patrimônio e dos entornos de onde moram. 

Não jogar lixo nas vias públicas e respeitar o espaço do outro é um bom começo. Nem todos têm essa consciência, mas é bom saber também que a sociedade civil também não está de braços cruzados, vem fazendo a sua parte se organizando e desenvolvendo projetos que somam esforços para garantir a todos o Direito à Cidade.


Moradores e público ocupam espaços públicos

Ação de moradores na Praça das Mercês (Foto: Associação
Amigos de Belém)
No último domingo, 3 de junho, durante a realização do 22º Circular Campina Cidade Velha, vários desses projetos ocuparam as ruas, inclusive uma pracinha bastante esquecida que fica no Largo São João, ao lado da igrejinha.  Foi lá que o projeto Laboratório da Cidade realizou uma manhã de lazer para a criançada, e os instrutores do Bike Anjo ensinavam a molecada a pedalar e poluir menos o ambiente.


Teve ação do Verde Cidadão, que plantou mais de 200 mudas e ainda a Rede Solidária de Sustentabilidade e Segurança da Cidade Velha realizou coleta de lixo. Na Campina, a Associação Amigos de Belém também realizou uma ação ambiental com fotografia e coleta de lixo, na Praça das Mercês. 

No Mercado do Sal, o Coletivo Aparelho fez Mostra de Contação de Histórias trazendo para a plateia crianças e adultos residentes nas comunidades que ficam no entorno do Porto do Sal. Um trabalho de aproximação e envolvimento que vem se intensificando cotidianamente, em diversas outras ações, como a criação da Biblioteca do Porto, as oficinas de flauta doce e de capoeira, esta última ocupando, olha aí, o anfiteatro da Praça do Carmo.

Registro da visita ao Arquivo Público, prédio restaurado.
Foto: Marcos André/Roteiros Geo Turísticos
Do ponto de vista da educação patrimonial, os projetos Bike Tour e o Roteiro Geo Turístico também vêm fazendo uma diferença enorme não só no centro histórico ou dentro do Circular, mas em vários outros bairros de Belém, como Batista Campos e São Brás e estuda outros para em breve colocar em prática. Esta ação desperta não só a consciência patrimonial, como também traz referências históricas e culturais para quem participa.

Posso citar ainda as Associações de Moradores e Comerciantes da Campina, que tem promovido algumas ações de revitalização na pracinha da Igreja do Rosário, reúne a comunidade, dialoga com a polícia, e dos Micro Empreendedores do Beco do Carmo. Ah e te a novíssima iniciativa da Rede Sereia, formada por moradores da Cidade Velha. Além de realizar ações como a Feira Movimenta e o Sereia na Rua, cinema ao ar livre que estreou nessa última edição do Circular, na Rua Gurupá, o movimento busca retomar as relações de vizinhança no bairro.

Deixar as praças limpas e bem cuidadas é um dever de qualquer administração pública municipal, mas tudo se torna um detalhe quando se pensa de maneira mais ampla sobre o centro histórico de Belém. Uma das reivindicações da Rede Sereia, por exemplo, é a atenção ao Palacete Pinho, outro prédio monumental, tombado, que está abandonado e sem uso público.

Patrimônio arquitetônico e histórico em agonia

Palácio Antônio Lemos,
(Foto: Luciana Medeiros/Holofote Virtual)
Uma questão bem séria é a do patrimônio arquitetônico público. São raríssimas as exceções tanto na esfera particular quanto na pública. Tem muita coisa prestes a desmoronar.

Há cerca de 200 casarões em situação de risco por terem sido abandonados pelos donos, segundo dados da própria Fumbel, que na administração pública é responsável por um prédio tombado, o Palácio Antônio Lemos, e que abriga o Museu de Arte de Belém, cujo acervo soma 1600 peças, entre pinturas, mobiliários, esculturas e fotografias. Um valioso patrimônio público da cidade, cuja história é contada pela perspectiva das artes, mas que atualmente está inacessível.

Entrei pela última vez lá em março, um ano depois de um incêndio que atingiu salas e documentos, e a situação é a mesma. Nesta visita, apenas uma das galerias estava funcionando, no térreo. A ala superior atingida pelo fogo provocado por um curto circuito segue interditada ao público. 

Em 2017, após o sinistro, no dia 9 de março, foram realizadas ações emergenciais para evitar os fungos nas publicações. Na época conversei com a presidente da Fumbel, Eva Franco para uma reportagem que foi publicada na Revista Circular (Set./Out. 2017).

Ela recebeu, no dia seguinte ao ocorrido, os funcionários do museu que foram solicitar providencias e recursos necessários pra a recuperação do acervo bibliográfico e de todo o acervo exposto nas Salas do andar superior que ficaram cobertos e sedimentados de fuligem da fumaça negra tóxica, mas nada foi feito. E estes vestígios continuam lá até hoje, inviabilizando o uso público do prédio.

Cerimônia da prefeitura, no MEHP
(Foto: Luciana Medeiros/Holofote Virtual)
É tão caótico o estado do prédio que a cerimônia de posse dos conselheiros do Conselho Municipal de Cultura, no dia 11 de maio, não pôde ser lá, o que seria natural, e foi realizada no Palácio Lauro Sodré, um belo prédio também e mais conservado, que abriga o Museu do Estado, o MHEP.

O Antônio Lemos também abrigava a sede municipal, onde sempre esteve o gabinete do prefeito, hoje alocado na sede de outro órgão público municipal. 

Esse tipo de mudança, aliás, me lembra a situação da Fumbel, órgão diretamente ligado à política cultural do município e que está sediada, por tempo indeterminado, no Memorial dos Povos, se expandindo para o Palacete Bolonha. A mudança se deve à destruição do prédio histórico que era próprio da fundação, situado no Complexo Feliz Lusitânia, que em 2015 começou a dar muitos problemas estruturais. 

Numa chuva daquelas fortes o prédio inundou, depois o teto desabou. Em 2016 sofreu um princípio de incêndio e ponto final. Está lá abandonado, completamente abandonado, mas agora sob a tutela do Estado, até onde sei, que contava com o espaço para integrar o Pólo Gastronômico, um projeto que já gerou muita polêmica na cidade.

A solução para a Fumbel foi transferi-la para o Memorial dos Povos, um espaço criado para ser de acesso público à cultura. Havia ali uma exposição permanente em homenagem aos japoneses, libaneses, portugueses, portugueses, italianos, povos que migraram para o Estado do Pará. E na área externa, ainda está lá o anfiteatro, que deveria ser utilizado para eventos culturais.

Então, voltando às praças, dar aquela maquiada com pintura e limpeza é o básico, ajuda, mas não basta. Saindo da Praça do Carmo e caminhando em direção à Campina, vemos que outras urgências de anos e anos gritaram aos olhos.  Calçadas quebradas, muito lixo espalhado. 

Diversos prédios estão depredados, no entanto, há outra questão. O quesito número um nas queixas de quem vive o centro histórico de Belém é a insegurança, o que não é “privilégio” dos bairros históricos, a cidade toda vive ondas de violência. Como trabalhar tudo isso, que políticas o públicas devem ser implementadas para viabilizar aquela área histórica em suas funções primordiais, ligadas a história, à cultural, patrimônio e turismo? Há salvação para o Centro Histórico de Belém? 

A aquisição do prédio dos Mercedários pela UFPA trouxe esperança. A instituição vai implantar ali cursos de restauros entre outras ações que se conectarão com o entorno dos bairros da Campina e Cidade Velha. Outra ação importante será a realização de um Fórum, organizado pelo projeto Circular Campina Cidade Velha, convidando a sociedade civil, iniciativa privada e governo a um debate produtivo sobre o Direito à Cidade,  aprofundando essas e outras questões tão urgentes e necessárias.

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