6.6.18

Espetáculo conta Luís Câmara Cascudo em Belém

"Livramento conta Cascudo” traz à cena histórias do folclorista e escritor Câmara Cascudo. A estreia é nesta quarta-feira, 6, às 20h30, na sala Benedito Nunes do Hangar, dentro da programação da 32a Feira Pan Amazônica do Livro. Haverá também apresentações dias 9, 10 e 13, em outros espaços e Conceição Campos conta tudo aqui no blog. 

A contação de história voltou a ser uma prática constante na cena cultural das cidades brasileiras e também em outros países. A mim faz lembrar dos tempos em que minhas tias contavam histórias enquanto nos embalavam numa rede, tardes chuvosas, mas ilustradas pela imaginação. As histórias também estavam no teatro. Vi o "Rapto da Cebolinha" nos anos 1970 no Theatro da Paz e isso ficou na minha memória, o teatro e o gosto pela oralidade vieram desse jeito para a minha vida. 

O espetáculo "Livramento conta Cascudo" une a oralidade à encenação para contar histórias e certamente permite uma bela experiência para os pequenos que estão na plateia. Premiado pelo Edital Paixão de Ler (RJ), foi concebido e é encenado pela atriz e escritora Conceição Campos,  paraense que vive há muitos anos no Rio de Janeiro. Quem não conseguir ir até a Feira Pan Amazônica, nesta quarta-feira, 6, ainda terá outras chances para ver, também com entrada franca.

“Serão três apresentações com características adequadas a cada espaço. Depois de nos apresentar no auditório Benedito Nunes, dentro daquele ambiente imenso do Hangar, que atende o grande público, estaremos no auditório do Sesc Boulevard (dias 9 e 10, às 11h), que é um espaço bem menor, haverá duas apresentações: uma delas com Libras e audiodescrição para pessoas com deficiência visual e auditiva – um sonho antigo meu! Para fechar, faremos uma apresentação mais intimista no Teatro Universitário Cláudio Barradas (dia 13, às 18h30), aí usando todos os recursos que são próprios do teatro”, comemora Conceição. 

A atriz nasceu em Belém, onde morou até quase 15 anos de idade, quando se mudou para o Rio de Janeiro, em 1985. Acompanhou o pai foi fazer Mestrado na capital carioca, mas quando a família voltou para Belém, ela resolveu ficar, e logo conheceu e se casou com o músico Pedro Amorim, com quem tem dois filhos, e que assim a trilha original desse espetáculo. NO Rio de janeiro cursou jornalismo na UERJ, mas acabou se enveredando pela pesquisa, pelo teatro e mergulhou na literatura, já nos anos 1990. As atividades de atriz como atriz são mais recentes, a partir de 2012. 

Desde 2008, mora em Paquetá, um bairro-ilha do Rio, conhecida também pelo romance “A Moreninha”, de  Joaquim Manuel de Macedo, publicado em 1844. Foi lá que nasceu Livramento, a personagem-narradora que tem um livro na cabeça e conta histórias da vida e da obra de autores brasileiros como Manoel de Barros, Ariano Suassuna e, muito especialmente, do escritor e folclorista Luís da Câmara Cascudo, que agora chega a Belém.

Foi também em Paquetá que ela e Pedro fundaram a Engenho Produções, para desenvolver trabalhos e projetos com mais autonomia. Entre 2008 e 2011 Conceição ingressou na dramaturgia, escrevendo três espetáculos de trilogia musical sobre a ilha de Paquetá, em parceria com os compositores João Guilherme Ripper, Edino Krieger e Villani-Côrtes (Casa de Artes Paquetá/Petrobras). Também lançou a biografia “A letra brasileira de Paulo César Pinheiro (416 p., finalista do Prêmio Jabuti 2010).

Pedro tem no bandolim o instrumento principal, mas toca cavaquinho, banjo, violão e violão tenor. O músico está presente na história da música brasileira como instrumentista e compositor, em discos e shows de artistas como Elizeth Cardoso, Chico Buarque, Francis Hime, Hermínio Bello de Carvalho, Zé Renato, Moacyr Luz, Dona Ivone Lara, Nei Lopes, Altamiro Carrilho, Turíbio Santos e muitos outros. 

E como compositor, ele tem parcerias com Paulo César Pinheiro, Nelson Sargento, Maurício Carrilho, Wilson Moreira e Délcio Carvalho, muitas delas gravadas por intérpretes como Maria Bethânia, Roberta Sá, Ney Matogrosso, Naná Vasconcelos, Teresa Cristina, Pedro Miranda e Ilessi. Juntos, formam uma dupla interessada em realizar seus sonhos, trabalhar com o que se gosta.

O espetáculo “Livramento conta Cascudo” viaja com pretensão de chegar a vários estados do Brasil. “Agora que já conseguimos chegar na minha terra, vamos batalhar especialmente para chegar em Natal – terra do Cascudo”, diz Conceição Campos, que aproveitando para ficar uns dias com a família, ontem passeava entre livros na Feira Pan Amazônica, sentindo-se mais em casa ainda.  

Ao mesmo tempo, Conceição e Pedro também já pensam em um projeto novo: a publicação de três livros de contos que sairão pela Engenho. Premiadas com a Bolsa de Criação Literária da Funarte, as histórias estão sendo ilustradas pelo artista plástico Yuri Reis e vão compor a coleção À luz do Candeeiro - contos de assombrações amazônicas e medos fabulosos. “Projeto pra trazer pra feira Panamazônica em 2019”, diz a atriz. Leia mais no bate apo a seguir.

ENTREVISTA

Holofote Virtual: Câmara Cascudo sempre te fascinou? 

Conceição Campos: Mana, Câmara Cascudo é um caso muito sério. Daqueles escritores que, uma vez que a gente conhece, dispara: “- Como pude viver sem isso?” Ele mistura, como poucos, a erudição e leveza, conhecimento e beleza. Sua grande sensibilidade é movida por uma curiosidade de menino e um interesse genuíno pela nossa humanidade. E como escreve bem! É um brasileiro que nos oferece, em seus mais de 200 livros, um país apaixonante a ser descoberto. Ele é extraordinário, pra dizer o óbvio.

Holofote Virtual: Como tem sido a repercussão do espetáculo em outras cidades? 

Conceição Campos:  Livramento conta Cascudo se mostrou um espetáculo realmente livre: livre de rótulos. Durante as temporadas a gente foi percebendo que as crianças adoravam, mas que também tinha adulto se emocionando. Teve dias de só ter adulto na plateia – o que, diante do apelo da figura da Livramento, foi uma boa surpresa pra gente. 

É que falar de Cascudo é falar de todos nós. É falar da riqueza da nossa cultura popular, é falar de um sertão, de uma floresta e de um rio que moram dentro da gente. Recontar as histórias que o Cascudo recolheu da boca do jangadeiro e do cantador é carregar o público para o colo de uma avó, de um pai, de um amigo, e isso ultrapassa o sentido de idade.  Se a história for de enganar a Morte, então... aí o mistério pega todo mundo, de cabo a rabo, não escapa ninguém!

Holofote Virtual: Cascudo não curtia a palavra folclore. Como você vê isso?

Conceição Campos: Eu entendo ele perfeitamente. Há (e parece que sempre haverá) uma desqualificação na palavra folclore, e era isso que ele rejeitava. Luís da Câmara Cascudo conhecia a fundo a sofisticação que sempre brotou em profusão das manifestações culturais do chamado Brasil profundo. Ele via ciência na sabença, nobreza na pobreza, e via a arte nas mãos do povo. Por isso dizia:  “- Eu sou um brasileiro feliz.” 

Holofote Virtual: Como você vê essa retomada dessa oralidade e o casamento da contação de histórica com o teatro? 

Conceição Campos: Eu sempre fui muito ligada em história, literatura, teatro. Certa vez, assistindo o seriado Hoje é dia de Maria, me deparei com um personagem muito curioso, que era um Dom Quixote com cabelo de livro. Na hora pensei: - Isso daria um belo projeto de incentivo à leitura. Tempos mais tarde nascia a Livramento, como uma prima daquele Chico Chicote, e o trabalho com leitura em escolas, bibliotecas e praças  passou a ser o meu trabalho principal. Daí em diante a Livramento tomou conta da minha vida, e eu passei a escrever pra ela.

Como ela já nasceu com um apelo cênico – presente na cabeleira, no figurino –, os contratantes começaram a colocar o trabalho no palco. Daí, em vez de fazer uma contação pra 30 crianças, passei a fazer pra 300, 400. Foi quando vi que ia precisar entender melhor o teatro e me preparar pra ele. Convidei o ator e diretor Gustavo Guenzburger que, com imenso talento, inteligência e sensibilidade, conduziu essa mudança de linguagem da contação para a encenação. 

Trabalhamos duro por um bom tempo até chegar num formato de espetáculo musical, com uma trilha sonora muito brasileira, feita por Pedro Amorim especialmente pra esse trabalho. Juntamos a oralidade da contação de histórias e de muitas outras manifestações da cultura popular com a mágica do teatro. E tudo isso falando da vida e da obra do grande Câmara Cascudo. Foi um casamento mais que perfeito.

Holofote Virtual: Quais as tuas referências por aqui no sentido da arte, cultura e outras belezas amazônicas? Tens esse contato com o circuito artístico de Belém? 

Conceição Campos:  A relação com a minha cidade e região é muito forte. Hoje eu percebo que em tudo que trabalhei estava procurando a minha terra. Quando escrevi sobre o letrista Paulo César Pinheiro (que é parceiro de meio-mundo e também do compositor paraense Paulo André Barata), estava procurando a minha terra. 

Quando fui estudar o Cascudo estava interessada nos bois, nas marujadas, nas lendas, porque precisava entender a minha terra. Quando fui morar numa ilha no fundo da Baía de Guanabara, fui porque me senti mais próxima das canoas da minha terra. E quando a Livramento surgiu, a viagem de batismo dela foi pro Marajó, foi contar história pros pequenos lá de Joanes. 

Holofote Virtual: Já fizeste um bocado de coisas bacanas nas áreas da literatura e teatro,entre eles um trabalho com a obra de Paulo César Pinheiro. Fala um pouco dessas realizações. 

Conceição Campos: Depois de desistir da carreira jornalística (não dei conta da correria), eu me bandeei para o lado da universidade pensando em estudar literatura brasileira. Sempre atraída pela cultura popular, acabei escrevendo a biografia do letrista Paulo César Pinheiro, um trabalho que ocupou mais de dez anos de pesquisa e ficou entre os dez finalistas do Prêmio Jabuti de 2010. 

Em paralelo, fazia verbetes para os dicionários do Instituto Antônio Houaiss, quando surgiu Paquetá e uma grande mudança de endereço e de vida. Na ilha, um convite da Casa de Artes logo me levou para a dramaturgia. Escrevi três musicais em parceria com três grandes compositores da nossa música erudita: João Guilherme Ripper, Edino Krieger e Villani-Cortes.  

Patrocinados pela Petrobras e executados pela Orquestra de Meninos-Atores formados na Casa de Artes, esses espetáculos me arrebataram na direção da arte-educação, e comecei a aprofundar o trabalho com projetos de incentivo à leitura para crianças de vários pontos do país. Levando em conta que eu comecei a gostar de escrever ainda bem menina, acho que, no final das contas, a escrita permeou tudo o que fiz e o que faço até hoje.

PROGRAME-SE

“Livramento conta Cascudo”

Hangar Centro de Convenções / Auditório Benedito Nunes 
Endereço: Av. Doutor Freitas, s/n – Marco - Belém / PA 
Data: Quarta-feira, 06 de junho de 2018 
Horário: 20:30
Entrada franca 

Cine-Teatro do Sesc Boulevard - com Linguagem de Sinais
Endereço: Av. Boulevard Castilhos França, 522/523 – Campina - Belém / PA 
Datas: Sábado 09 e domingo 10 de junho de 2018 
Horário: 11h 
Mais detalhes e agendamento: (91) 3224 5305. 
Entrada franca 

Teatro Universitário Cláudio Barradas 
Endereço: Rua Con. Jerônimo Pimentel, 547, Umarizal - Belém / PA
Data: Quarta-feira, 13 de junho de 2018 
Horário: 18:30h 
Entrada franca 

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