30.11.12

E o heavy metal também passou pela ópera

Rodrigo e Bala em pose de rock, no palco da ópera
Depois que o jazz deu o ar da graça no XI Festival de Ópera do Theatro da Paz, ainda em outubro, no concerto da Amazônia Jazz Band, chega a vez do rock ter seu momento com a música erudita. O barítono que interpretou o João Batista, da obra de Strauss, Rodrigo Esteves, e o vocalista da banda Stress, Roosevelt Bala, amigos de velha data, se reencontraram em Belém, e falaram, nos bastidores de Salomé, como se conheceram.

Era 1985, um ano emblemático para o rock no Brasil. Acontecia no Rio de Janeiro, a primeira edição do Rock In Rio, no qual bandas como AC/DC, Ozzy Osbourne, Yes, Scorpions e Queen, além das brazucas Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho e Blitz, entre outras, pisaram no palco mais cobiçado à época por roqueiros do mundo todo. 

Também nesta ocasião, a banda paraense Stress, que tinha surgido em 1983, em Belém, chegava à capital carioca para ali se firmar e seguir carreira, depois de algumas idas e vindas, entremeando shows na chamada Cidade das Mangueiras e no Circo Voador, considerado, então, o templo do rock no sudeste, em plena Cidade Maravilhosa.

O Stress, nos anos 1980
Na época, bandas como Azul Limão e Metamorfose dominavam o cenário ainda inóspito do heavy metal no Brasil, além da banda Stress, considerada a grande desbravadora do gênero em terra nacional. Ao se encontrarem, as três bandas tocaram muitas vezes nos mesmos palcos, sem imaginar o que o destino lhes guardava para 27 anos depois.

“Quando nós chegamos para morar no Rio de Janeiro, queríamos conhecer as bandas que mandavam no cenário de lá, e soubemos que a Azul Limão era a top e também já era conhecida no Brasil. Então quando soube que teria um show, saí do centro e fui até a cidade de Duque de Caxias, onde a Azul Limão ia tocar, naquele dia. Queria ver qual era a da banda que todo mundo falava”, lembra Roosevelt. “Cheguei na última música, mas deu pra ver que a banda arrebentava mesmo”, conta o vocalista. 

Foi assim que ele conheceu Rodrigo Esteves, vocalista da banda Azul Limão. Desde então eles não perderam mais o contato um com o outro. Nunca mais, porém, tinham cantado juntos num show, como no encontro que aconteceu, recentemente, no espetáculo de comemoração dos 30 anos da banda Stress, realizado no último dia 10 de novembro, no Memorial dos Povos, em Belém do Pará.

Rodrigo com a banda Azul Limão
Por coincidência, da mesma forma que Bala em 1985, no Rio de Janeiro, Rodrigo também chegou correndo e já na última música. Naquela noite mal o ensaio de “Salomé” acabou, no Da Paz, e ele já estava à caminho de lá.

"Foi demais. Eu sabia que eles estavam tocando ali com Metamorfose, banda também dos anos 1980. Consegui chegar na última música, justamente a música que eu tinha gravado no Rio com a Azul Limão, em homenagem ao Stress”, comemora Rodrigo.

A música era Coração de Metal e os dois concordam que foi um momento de catarse com o público. “Ninguém acreditava que Stress, Metamorfose e Azul Limão, ali representada pelo Rodrigo, estavam juntas após todos estes anos”, diz Bala.

Ele explica que Stress, Azul Limão e Metamorfose eram as três grandes bandas do heavy metal carioca. "Fomos adotados mesmo, quando estivemos por lá. Passamos a ser uma banda daquele circuito, pois fazíamos muito shows juntos. Aqui em Belém, por isso, o publico pirou! Foi um momento de consagração”.

Dias após este show, Roosevelt e Rodrigo voltaram a estar juntos, desta vez, no palco do Theatro da Paz, onde posaram no cenário da ópera Salomé para esta entrevista e relembraram como tudo aconteceu. E assim, a história de amizade que já durava 27 anos acabou se tornando lendária..

Estudar música foi uma necessidade (fotos: Carlos Sodré)
Do rock à ópera
Rodrigo começou a estudar música para apredner a compor suas músicas pro rock e acabou se apaixonando pelo canto e se entregando ao universo da música clássica. 
“Isso foi uma coisa curiosa. Estávamos começando a gravar os discos e ainda dependíamos da galera que sabia escrever partitura, pois a gente compunha no violão, com a voz e registrávamos  naqueles gravadores de fita K7. Por isso entrei na Estácio de Sá, faculdade que tinha um curso de música e comecei a estudar canto, por coincidência, com um grande tenor lírico, o Alfredo Colosimo, e me apaixonei. Em 1990 fui embora pra Espanha”, conta Rodrigo. 

 Longe dos tons agudos ou graves do heavy metal, Esteves hoje mora em Madri e está em Belém, onde chegou a morar muitos anos atrás,  a trabalho, participando do festival de ópera, que encerra neste sábado, com uma programação em frente ao Theatro da Paz e na qual o barítono fará uma participação, cantando junto a OSTP.  Não é aprimeira vez que ele participa do evento. Ano passado, ele foi um dos solistas em Tosca, mas ele diz que, este ano, fazer João Batista em Salmé,  foi seu maior desafio.

Interpretar João Batista foi um desafio (foto: Elza Lima)
“A música de Strauss não é convencional, mesmo tendo sido feita em 1905. Você escuta as bandas de hoje e pensa, como foi possível o cara escrever isso naquela época. Isso sim é que é ser moderno.

É uma música politonal, atonal , difícil, com acordes todos dissonantes.João batista é o papel mais consonante, tonal da ópera toda, pois que ele vai pregando deus e Strauss o coloca como uma catedral, vocalmente falando, com os acordes mais certinhos. O resto parece uma bagunça, e não é isso, há um sentido musical, mas você tem que acostumar o ouvido pra essa música”, explica Rodrigo. 

Roosevelt Bala, na classificação de voz, também é barítono. Para ele, a ópera se aproxima do rock’n roll,da mesma forma que os grandes instrumentistas, não só da música popular, heavy ou do rock, têm a música clássica como referência nos esudos para se tornar um grande músico.

“Um guitarrista tem que estudar piano clássico durante 15 anos de sua vida, pra depois pegar na guitarra. Com relação aos cantores, esta realção é ainda mais estreita. Lembro que quando fazíamos aulas de canto, treinávamos pequenos trechos de ópera. Aí, cada exercício tinha o seu fundamento. O professor de canto pega elementos da música clássica, ópera, pra ensinar a exercitar as cordas vocais. Depois se você vai cantar ópera ou rock, a escolha é sua”, afirma Bala. 

Bate papo no camarim (foto: Carlos Sodré)
Stress e Strauss - Brincando com a sonoridade do nome da banda de heavy metal paraense e do compositor alemão, os dois vocalistas arriscam em dizer que as semelhanças entre os dois são muitas e as diferenças poucas.

 “Eu acho que a semelhança está na complexidade da música, na beleza, no ‘tesão’ que se tem em tocar e cantar. Já a diferença não há muita, pois o que importa é a vontade de se fazer o que se faz, é a paixão”, diz Rodrigo. 

E quando pergunto para Roosevelt Bala se ele veria uma ópera, ele nem pensa e reponde rápido que sim. “Já vi várias e no ano passado, tive a honra de ver o Rodrigo em Tosca. Este ano estarei aqui novamente pra vê-lo também em Salomé. Não perco por nada”, encerrou Bala, para depois se despedir de Rodrigo. Ainda no camarim, ele recebe um abraço do solista, que depois segue apressado para o palco, onde mais um ensaio de Salomé o aguardava.

Serviço 
XI Festival de Ópera do Theatro da Paz. Encerramento neste sábado, 01 de dezembro, às 20h, em frente ao Theatro da Paz - Conserto da OSTP, Coral do Festival, canotres e balarinos participam. Mais informações: 91 4009.8750.

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