18.9.16

Jorane Castro estreia o 1º longa no Festival do Rio

Será a primeiríssima projeção de “Pra Ter Onde Ir” (Brasil, 2016. 100min, DCP), o primeiro longa metragem de ficção da diretora paraense. “Somewhere to Go”, seu título em inglês, será exibido no Festival do Rio, em outubro, na Mostra Novos Rumos, ao lado de outros cinco filmes escolhidos por suas qualidades e ousadias estéticas e temáticas. 

Os filmes integram a Première Brasil, com um total de 35 longas e 13 curtas competindo no festival pela preferência do público, que escolhe o melhor nas categorias de ficção, documentário e curta, através do voto popular, e pelo júri especial, que elege os vencedores do Troféu Redentor, nas demais categorias. Jorane divulgou a notícia pelo facebook esta semana e a gente quis saber mais. O blog bateu um super papo com a diretora.

A mostra na qual "Pra Ter Onde Ir" está escalado, é um espaço dedicado a diretores que têm olhar diferenciado de cinema. "Fiquei lisonjeada de terem me colocado nesta mostra”, diz Jorane Castro, em entrevista ao Holofote Virtual.

“Será uma estreia mundial, como se diz no jargão do cinema a filmes que terão a primeira exibição de sua trajetória. É a primeira exibição, e será numa sala de cinema do Festival do Rio, excelente janela”, disse.

Produção da Cabocla Filmes e co-produção da Rec Filmes, “Pra Ter Onde Ir”, título também do livro do poeta Max Martins, foi filmado, ano passado, ainda com o nome de “Amores Líquidos”,  um título provisório, como nos conta Jorane.

"Não se adequava ao roteiro, tinha uma carga muito já pré-estabelecida de todo o trabalho do Bauman”, explica a diretora, referindo-se a obra do autor francês Zygmund Bauman  “Amor Líquido”, que trata da fragilidade dos laços humanos.“Achei melhor mudar e acabou ficando esse Pra ter onde ir, que tem muito mais a ver com a história e todas as possibilidades de interpretações que esse título tem.

É importante que tenha mudado”, afirma. Filmado no Pará, em Belém e Salinas, o filme traz no elenco principal Lorena Lobato, Keila Gentil e Ane Oliveira, que interpretam três mulheres com diferentes visões sobre a vida e o amor. 

“Essa história fala de cumplicidade feminina, afirma que você pode ser diferente do outro e pode querer bem a quem é diferente de você. Isso tem a ver comigo, contigo e tuas outras amigas, tua filha. É um filme que fala do amor incondicional pela vida e pelas pessoas que você encontra em seu caminho”, diz a diretora.

Novo momento na trajetória da diretora

Há 15 anos construindo a carreira com direção de curtas e documentários, a estreia do primeiro longa de ficção traz um novo momento na trajetória da cineasta.

“Eu já filmei um longa-metragem, o documentário ‘Lugares do Afeto’, e outro filme pra TV Francesa, também um documentário sobre música na África. Então eu já tinha experimentado uma narrativa longa, mas agora a sensação é de que daqui pra frente tudo será inédito e a descobrir. Talvez tenha valido à pena passar tantas horas trabalhando, feito tanto sacrifício”, reflete.

Jorane diz que o longa ainda não nasceu porque ainda não foi exibido, mas sabe que ele lhe abre um novo caminho. “É mais um estirão na minha frente, com a certeza de que vou continuar fazendo cinema”. A diretora disse também que a sensação de lançar este filme “é de frio na barriga”, mas que tem segurança de que terá boa repercussão. “Sei que o filme está bem resolvido, bem construído, e que tem suas qualidades”, definiu.

Cineasta analisa os processos do filme

Nesta entrevista, Jorane Castro diz que a parceria com a produtora pernambucana foi uma decisão acertada, e que não pensa em parar de fazer cinema. A estreia em Belém ainda está sem data até este momento, mas o lançamento já está sendo pensado.

Holofote Virtual: Em essência “Pra Ter Onde Ir” é um roadie movie, um filme de personagem ou um filme de diretor?

Jorane Castro: É um roadie movie, um filme de personagem e é um filme de diretor. Acho que estes três elementos se mantiveram apesar de não ter um protagonista, uma história central. A narrativa é muito sensorial, é um filme em que as afirmações não são fechadas, o que provoca uma participação do público, que vai interpretar e participar da construção narrativa, que talvez se identifiquem com a história. Roadie movie ele é até no nome...

É um filme autoral, de diretor, porque que ali tem a síntese de tudo que fiz até agora. Tenho a impressão de que tudo que já tinha experimentado e dado certo em outros filmes, eu coloquei ali, além de outras pesquisas também, em termos de luz, interpretação, de construção narrativa. E é de personagens porque são três mulheres incríveis em cena, fortes, bonitas, encantadoras, seguras e inseguras, isso que vai oscilando e dando esta riqueza de textura e possibilidades de personagens.

Holofote Virtual: Chegar ao primeiro longa, principalmente de ficção, deve ser o sonho da maioria senão de todos os diretores. E melhor ainda, estrear no Festival do Rio, uma vitrine muito bacana pelo caráter e repercussão que tem o evento. O que muda daqui pra frente?

Jorane Castro: Você agora percebe que está entrando no mercado e não está mais provando qualidade.  É outra dimensão, então eu não sei ainda o que vai vir, o que eu sei é que a pressão vai ser maior e os retornos também, muita coisa vai acontecer em função disso, não sei como vai ser, passarei pela primeira vez por isso, mas tenho certeza de que vem coisa boa.

Vamos focar no lançamento, mas tenho projetos de longa-documentário prontos pra captar e outros três já financiados que estou tentando produzir, ainda não sei como vou conseguir, mas agora que eu vi que funcionou, quero fazer de novo e logo.

Na fronteira da ficção com o documentário

Holofote Virtual: Escrever o roteiro, filmar e depois ainda montar um filme. Definitivamente muito da concepção inicial da obra pode mudar entre um e outro processo. Isso aconteceu isso com Pra Ter Onde Ir? 

Jorane Castro: Esse filme tem uma evolução muito grande, embora ele mantenha a mesma história desde o inicio, a narrativa foi evoluindo com os processos. Evoluiu do roteiro para a filmagem. Daí para a montagem evoluiu mais ainda. Trabalho muito com documentário e ficção, tanto um quanto. Na ficção, a gente tem impressão é de que a narrativa tem que ficar presa naquele roteiro. Mas com esse filme foi tratado como se fosse uma ficção, mas montado como documentário. 

Trabalho muito com documentário e ficção. Na ficção, a gente tem impressão é de que a narrativa tem que ficar presa naquele roteiro, mas eu acho que esse filme tem uma concepção final, e foi tratado como se fosse uma ficção, mas montado como documentário.

No roteiro tinha muita fala, dai na filmagem isso já foi enxugada e houve improvisação. Outra, é que eu colocava uma atriz no carro, dizia pra ela ir pra tal lugar e faz tal coisa. Então as pessoas foram sendo filmadas sem saber. Depois passávamos e pegávamos autorização. Então tudo isso foi muito processo evolutivo sim, na linguagem, e isso se deu porque o filme precisava crescer e dar este salto. Na montagem tivemos dois processos revolucionários para o filme. Foi muito interessante.

A montadora do filme é uma pessoa fantástica. Joana Collier é uma profunda conhecedora de cinema e também assimilou muito rapidamente a minha maneira de pensar cinema. Foi um dos mais agradáveis processos e de colaboração. Também foi muito bacana trabalhar com o Edson Secco, no som. A edição de som teve uma importância incrível no filme.  Deu uma vibração e deu importância a vários elementos. Foi muito importante isso pra mim.

Parceria produtiva e de pegada paraense

Holofote Virtual: A Cabocla já tem uma trajetória longa em produção, mesmo assim você contou com uma coprodução. Deu certo então a parceria com Pernambuco? 

Jorane Castro: É longa de ficção e a cabocla não tem experiência de gerenciar um projeto tão grande quanto esse. Quando a Rec Produtores Associados entrou, a gente ganhou um solidez, uma segurança de que as coisas iam acontecer da forma correta. 

O Ofir (Figueiredo), sócio da Rec, já morou muitos anos em Belém, tem muita proximidade e interesse pela nossa história, tínhamos que fazer esta parceria. Foi uma necessidade da Cabocla. E Pernambuco me parece muito próximo de nós, tenho admiração pelos filmes que a Rec produz, sempre tive esta admiração e vontade de trabalhar com eles. Então quando surgiu a possibilidade de fazer um filme, a gente já andava se “paquerando”. 

Holofote Virtual: O filme traz música da Gang do Eletro, a paisagem de urbana e litorânea é paraense, mas teria o filme ficado também com alguma pegada pernambucana?

Jorane Castro: É um filme de pegada paraense, isso é inegável.

Pernambuco é um lugar que é muito vibrante para o cinema, hoje, e os parceiros que vieram foram de grande qualidade e me ajudaram a fazer um filme muito bom, mas eles conseguiram se adequar à visão de um filme amazônico.

O filme teve uma equipe de pessoas competentes que contribuíram com os demais. Éramos 90 pessoas da equipe, seis vieram de Pernambuco e um do Ceará, os demais são paraenses. A parceria pra mim foi muito produtiva. 

Depois da estreia, distribuição e novos desafios

Holofote Virtual: Quais os próximos passos após o Rio de Janeiro e o quais as expectativas?

Jorane Castro: Estamos fechando com uma distribuidora para programar o lançamento dele nas salas comerciais, mas ainda queremos fazer um circuito de festivais e perceber melhor a aceitação.

O distribuidor vai nos ajudar a mapear isso e na construção da trajetória. Eu me sinto chegando nessa praia dos longas metragens, mas eu gostaria que as pessoas guardassem preciosamente as imagens desse filme pra sempre e carregassem suas histórias com elas. Isso seria muito gratificante. 

Holofote Virtual: Pra gente encerrar, queria saber como enxergas a cena atual do cinema brasileiro, em meio a tantas turbulências políticas?

Jorane Castro: A impressão que eu tenho é que nunca se filmou tanto no mundo inteiro. Os festivais selecionam 10, 15 filmes entre 150 inscritos, de todo tipo, toda qualidade. Temos um cenário de filme brasileiros muito bons, filmes de grande qualidade, somos grandes documentaristas, temos tradição de fazer documentários e estamos cada vez mais próximo de ter uma cara do cinema brasileiro.

Acredito que estejamos saindo da teledramaturgia, pois o cinema ainda tem muita influência desse meio, porque temos uma supremacia das narrativas da televisão, para chegar aos filmes autorais, bem fotografados, com música boa, qualidade técnica e de interpretação. Nosso cinema está sim num bom momento, estamos fazendo filmes regularmente há mais de 20 anos. Cada festival receber cerca de 150 filmes de inscrição? É uma abundância e pra mim isso é positivo.


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