Estes mais de 30 filmes exibidos na mostra principal trouxeram, entre curtas, longas e médias metragens conversaram sobre as diversas realidades que cabem no Brasil e em países como Colômbia, Peru e Guiana Francesa. No curta metragem “Mãe Céu”, o diretor peruano Alberto Flores Vílca, por exemplo, passa a documentar as águas da estação pela janela da casa de sua mãe, Honorata Vílca, uma analfabeta de descendência quíchua que vive no altiplano peruano. E ali, entende o que deveria fazer.
“Sempre quis fazer um filme sobre minha mãe, mas não encontrava a forma nem o momento. Um dia, a captei embaixo da chuva, aí encontrei o que procurava. Apesar do governo peruano ostentar números que indicam melhorias, vemos realidades como a da minha mãe, que não frequentou escola e vive da venda de doces. Na verdade, os problemas de 50 anos atrás seguem vigentes e imóveis como pedras”, nos conta o diretor, que este ano foi selecionado para a “Berlinale Talents”, no 70º Festival Internacional de Berlim, na Alemanha.
“Elvis vai à Peña Roja para participar de um ritual de morte do seu pai, Daniel Matapi, que era uma importante liderança indígena. Através do retorno dele, ‘Amoka’ propõe a reflexão sobre as perdas culturais e os problemas socioeconômicos pelos quais estes povos passam”, diz a diretora. “É profundamente importante conservar o conhecimento tradicional, mesmo que seja inevitável sua transformação. O cinema tem esse papel, de documentar e transmitir essas memórias”, completa.
Os filmes brasileiros Amazônia Sociedade Anônima (RJ) e Xadalu e o Jaguarete (SC), como também o colombiano Nasa Yuwe, entre outros, também trazem ao festival memórias e processos de luta de povos tradicionais que habitam este poderoso bioma.
Pan Amazônia e ancestralidade
“Meu filme reverência e dialoga com o livro ‘As Filhas de Lavadeiras’, de Maria Helena Vargas. É uma homenagem a ela, que tem uma história como a minha e de minha mãe Laura, também lavadeira, e de outras tantas mulheres que conseguiram romper com essa ‘predestinação’ que insiste em nos colocar em um lugar de subserviência. E foram nossas mães que lutaram para mudar nossos destinos”, nos conta Edileuza, que também é a organizadora da coleção de livros “Negritude, cinema e educação” (2003).
Na mostra, “Ruído Branco” (SP) e “A morte branca do Feiticeiro Negro” (SC), também tecem nuances da história e resistência afro-brasileira. Lá do pequeno distrito baiano Arraial D’Ajuda, mais exatamente da Aldeia Velha, vem a história de Jaçanã, pajé e parteira de sua comunidade. O curta, intitulado com o nome da protagonista, foi dirigido por um grupo de três mulheres, uma delas é a fotógrafa paraense Yasmin Alves.
“Jaçanã é uma força na Aldeia Velha, uma comunidade que foi devastada por vários processos de colonização, mas vem ganhando fôlego por meio da união e da escola local, que faz um trabalho incrível de diálogo entre conhecimentos ancestrais e o mundo.
Entre ervas, rezos e conselhos, esta entidade em forma de mulher é uma das cuidadoras desse saber tradicional e vale muito a pena conhecer esta história”, conta Yasmin, que atualmente empreende o estúdio fotográfico “Casa Tajá”, em Belém. Também costuram poesia e história por meio de narrativas de resistências, os filmes “O mestre da farinha” (MG) e “Hmong de Javouhey” (Guiana Francesa).
Cinema para transformar
“Preciso dizer que te amo”, curta-metragem do diretor Ariel Nobre, parte da performance e deságua numa produção cinematográfica pessoal e repleta de poesia, mas que acusa um grande problema social: a alta incidência de suicídios entre pessoas transgêneros.
“Quando me assumi homem, em 2014, minha vida deu uma reviravolta e me deparei com a realidade que pessoas trans enfrentam: a violência diária, a falta de perspectiva na vida pessoal e profissional. É tudo tão desanimador que num momento de desespero absoluto decidi pelo pior, mas esta frase, ‘preciso dizer que te amo’, me salvou”, conta Ariel.
A frase, escrita pela primeira vez em uma carta que seria de despedida para uma amiga, virou uma intervenção poética, um culto a vida, sendo reproduzida na pele de pessoas e em muros. “Já escrevi esta frase mais de dez mil vezes. A potência foi tanta que virou uma campanha contra o suicídio de pessoas trans. O filme é mais um desdobramento performático deste trabalho. Precisamos, na verdade, dizer a nós mesmos o quanto nos amamos”, reflete.
“Um passo importante para nossa afirmação é deixarmos de ser vistos como um ‘tema’. Somos pessoas, e totalmente capazes de contar nossa própria história”, conclui. O longa “Transamazônia” (PA) e os curtas “Maria Luiza” (DF) e “Homens Invisíveis” (RJ) também são protagonizados por pessoas trans.
Pontos de partida
O 6º Amazônia Doc este ano traz mais dois festivais, o 1º As Amazonas do Cinema e o 1º Curta Escolas. A realização é do Instituto Culta da Amazônia, com a Correalização do Instituto Márcio Tuma; patrocínio da Equatorial Energia, por meio da Lei Semear de Incentivo à Cultura - Fundação Cultural do Pará - Governo do Pará. A produção é da ZFilmes; com apoio do Sebrae-PA; Rede Cultura de Comunicação; Ufpa - Curso de Cinema e Estrela do Norte - Elo Company.
Serviço
Os filmes das mostra competitivas do 6º Amazônia Doc foram exibidos gratuitamente, no site www.amazoniaflix.com.br. Acesse, cadastre-se e veja os conteúdos oferecidos pela plataforma.
(Holofote Virtual, com texto de Luiza Soares e edição de Luciana Medeiros)
Nenhum comentário:
Postar um comentário