Um paraense do teatro, irmão de jornalistas importantes na imprensa paraense. A família reúne Elias, Lúcio Flávio e o saudoso Raimundo, além do desenhista Luís. Todos de sobrenome Pinto. Mas Paulo assina Faria e há décadas mora e trabalha em São Paulo.
O diretor e dramaturgo da Cia. Pessoal do Faroeste, porém, antes de seguir à desvairada, deixou escrita aqui uma trajetória, que se confunde com um dos momentos de maior efervescência cultural em Belém, nas décadas de 70 e 80.
“Acho que tive um grande berço e, ao mesmo tempo, cheio de privações. Meus irmãos foram meus mestres. Sem dúvida. Sou o caçula de uma época em que essa condição nos fazia herdeiro das roupas e das culturas que elas trazem”, recorda.
Neste momento, entre Belém e São Paulo, por conta de um convite do grupo Usina Contemporânea de Teatro, ele está às vésperas da estréia de mais um espetáculo, o “Trilogia Degenerada”, da Cia. Pessoal do Faroeste, no mês de maio, e ainda vive a indicação ao Prêmio Shell de Melhor Autor, cujo resultado sairá no próximo dia 12.
A indicação vem pela autoria do texto de “Meio dia do fim”, que também marca sua volta aos palcos. “Foi uma grata surpresa. Fiquei muito feliz. É um reconhecimento do trabalho do Pessoal do Faroeste. Nos últimos 12 anos tenho me dedicado a este grupo. O prêmio Shell hoje é um dos mais importantes do teatro brasileiro e consegue ter um olhar panorâmico sobre a produção teatral no eixo Rio-São Paulo”, reconhece.
A vontade de trazer a peça para Belém é enorme e deve acontecer em junho em mais uma edição do projeto Territórios de Teatro.
Na trama, Paulo Faria é Jorge, e a atriz Marilza Batista é sua esposa, Antonia. Casados há 30 anos os dois iniciam uma discussão que envolve a propriedade de seus bens e o amor.
Em fevereiro, o autor esteve aqui participando do seminário que o grupo Usina promoveu para dar o ponta pé inicial ao projeto inspirado na obra “Chove nos Campos de Cachoeira”, de Dalcídio Jurandir.
“Fico muito honrado por participar de um projeto dessa natureza. A vontade que dá é de ficar pelo menos uns três meses em Belém participando mais diretamente do processo. Mas isso é um pouco difícil nesse momento”, diz ele que vai acompanhar muito desse trabalho através de contatos feitos via internet.
Nesta entrevista Paulo Faria tira do baú momentos chaves em sua carreira, as influências que teve em Belém e que definiram muito do que mais tarde ele conquistaria na capital paulista. Ele fala também sobre leis de incentivo e no que a política dos editais poderia melhorar.
Entre outras coisas, também diz o quanto a relação com Belém é forte, fala da sua veia paraense, de Dalcídio Jurandir, de sua nova experiência com a linguagem audiovisual e, claro, sobre estar concorrendo a esta importante premiação do teatro brasileiro. As fotos dos espetáculos da Cia. Pessoal do Faroeste são de Lenise Pinheiro.
Holofote Virtual: Em janeiro chegou a notícia por aqui. Foi uma surpresa a indicação para o Shell de Melhor Autor?
Paulo Faria: O Meio Dia do Fim está fora do grande circuito de São Paulo. Somos off off. Este espetáculo foi um exercício feito sem patrocínio. Tipo um banquinho e um violão. À princípio, nem íamos entrar em cartaz. Era um exercício teatral e, mais, um experimento digital/cinema.
Holofote Virtual: Como o audiovisual entra nisso?
Paulo Faria: Gravamos todos os dias durante a primeira temporada de pontos de diferentes. Estou num processo junto ao Pessoal do Faroeste de querer experiências entre o cinema e o teatro. Um novo caminho.
Tenho me debruçado sobre a filmografia do J. Cassavetes, que tem sido muito inspirador nesse sentido. Fazer um experimento em vídeo da peça Meio dia do Fim era o caminho dessa produção. Acho o texto bem cinematográfico. E a montagem é totalmente teatral.
São personagens que falam muito do mundo externo. Das imagens/fotografia – daí a vontade de fazer um filme. Antonia e Jorge (personagens) estão trancados em um casebre ao meio-dia, discutindo entre o amor e a propriedade. Além do prêmio Shell o texto também foi indicado ao prêmio da Cooperativa Paulista de Teatro, onde também fui indicado como elenco.
Holofote Virtual: Do que trata exatamente o espetáculo?
Paulo Faria: Escrevi esse texto há 18 anos numa oficina de dramaturgia do Lauro César Muniz. Era um estudo em cima do Jorge Andrade e A. Tchecov. O texto trata de um casal de latifundiários, que após 30 anos de casados, discute questões profundas a cerca da instituição.
É um Brasil divisa com a América Latina. Tem uma coisa sulamericana nesse embate. O tempo da peça é cronológico, com unidade de ação e espaço.
Antonia e Jorge acabam de voltar de um enterro de um parente e as relações afloram em todas as instancias dessas questões. É uma novela de suspense. Dois crimes acontecem. Um antes, possivelmente do morto que acabaram de enterrar e outro acontece durante a peça.
Holofote Virtual: Alguma chance de trazer o espetáculo para Belém?
Paulo Faria: Queremos muito ir a Belém. É um espetáculo simples tecnicamente de transportar. O Nando Lima (Usina Contemporânea de Teatro) fez um convite para participarmos do festival de Teatro organizado por ele e que acontece em agosto: Territórios de Teatro. Gostaríamos muito de ir a Belém.
O espetáculo foi pensado cenicamente para viajar. Somos uma equipe de três, e nosso cenário cabe na bagagem. Já fomos ao Festival de Cubatão em São Paulo, onde recebemos 7 prêmios, e ao festival não competitivo de Ponta grossa no Paraná. Terminamos nossa temporada dia 10 de abril e começamos a viajar novamente.
Holofote Virtual: A peça marca também a tua volta aos palcos. Há 20 anos não atuavas? Por que tanto tempo?
Paulo Faria: Quando escrevi o texto eu tinha 20 e poucos anos. Não tinha idade para o personagem Jorge (Ele tem 50 anos, e mesmo hoje, tenho 44).
Nunca pensei que fosse fazê-lo. Durante estes 20 anos sem atuar me dediquei a todas as outras dramaturgias do teatro. Não tinha muito que falar como ator.
Sempre achei esquisita essa coisa da exposição física que um ator tem. E todo o mito criado em cima dessa figura. Aqui em São Paulo, você tem que correr o dia todo. Há muito espaço para esse oficio. São testes, agências e todas essas coisas do mercado.
Não queria e não quero isso. Como minha vocação é o teatro, decidi montar o meu grupo e escrever e dirigir as coisas que penso e desejo. Questões que sejam importantes para o homem, ou que os provoque. Não conseguiria fazer um teatro para entretenimento somente. E não me sinto capaz de dirigir e atuar ao mesmo tempo. Alguém sairia perdendo. Além do que a profissão no teatro é um projeto maior. O tempo tem outra dimensão.
Hoje retomo a minha carreira de ator sem expectativas. Tenho 44 anos e tem tantos espetáculos e textos que quero criar. Somente agora estou me sentindo seguro depois de 30 anos de teatro. Além do que o teatro é um espaço muito generoso. Cabem todos: o jovem o velho, o homem a mulher, o branco o preto, o gordo o magro.
Holofote Virtual: Tu és um paraense do teatro, mas irmão de jornalistas. Elias, Luís, Lucio Flávio e Raimundo Pinto. Como é esta influencia em ti e quais lembranças tens daquela época?.
Paulo Faria: Aprendi a escrever e desenhar um pouco influenciados por eles. Porém sempre me identifiquei mais com a ficção.
Como meu irmão Luís, grande artista do HQ, em sua árdua dificuldade em sobreviver nessas terras da diagramação e publicidade. Mas foi em seus desenhos que tive as primeiras inspirações para a ficção.
As décadas de 70 e 80 foram onde fui formado e tudo foi muito intenso. Ainda mais nessa Belém de tantas orgias intelectuais, místicas e artísticas. Em casa sempre tinham músicos, intelectuais, escritores, atores (na foto acima, o espetáculo Farsas Medievais, do grupo Usina Ciontemporânea: Figurino de Luis Otávio Barata).
O Luís foi o que mais me influenciou para o teatro. Ele era casado com a atriz Astréia (Téia) Lucena e participavam de montagens do Grupo Cena Aberta na Praça da República. Lembro de “Torturas de um coração”, direção do Luis Otávio Barata, em que Luís estava em cena.
E os Saltimbancos, do EPA, com direção de Zélia Amador (ela, em cena na foto abaixo), que fui chamado, pois Téia havia me visto fazendo teatro no SESC. Ela e Luis integravam a troupe. Eles acabaram não estreando e eu fiquei até o final.
O Luís também tinha uma banda, a “Sol do Meio dia”, com Rafael Lima, Macário e outros. Tinha também o Eloy Inglesias, que freqüentava muito a nossa casa. Para ir pra cena foi um pulo.
Antes disso, participei do grupo infantil do SESC onde tive um texto meu encenado “Jupá o pássaro de fogo”, aos 14 anos. Ali ia passar para o grupo de adolescentes, dirigido pelo Paulo Santana e tinha a Wlad Lima na equipe.
O grupo foi expulso do SESC por causa das cenas de nus. A peça era “Jurupari”. Depois entrei no grupo em 1981 para fazer Tatu da Terra. Aí o Grupo já era o Palha. Participei de alguns grupos na década de 1980: Experiência, Palha, EPA, Tico Tico no Fubá, Usina, Cuíra, Cena Aberta, Gruta, e tantos outros. Todos nos reuníamos no Bar do Parque após os ensaios.
Tinha o 3 x 4 também. Era uma loucura a efervescência. Eram tempos bem alegres. E foi assim que, desde os 14 anos, comecei a fazer teatro amador em Belém e daí em diante nunca mais parei. São 30 anos.
Participei de quase todos os grupos em Belém, num período em que os grupos eram rivais e estar pulando de grupo em grupo não era muito fácil. Em Belém tive as experiências mais incríveis e que foram fundamentais para o que faço hoje.
Holofote Virtual: Depois que foste pra São Paulo, mantiveste as relações com Belém. Agora mesmo estás trabalhando com o Usina em uma adaptação de Dalcídio Jurandir. Como tu enxergas a cena teatral daqui na atualidade?
Paulo Faria: Sim. Sempre retornei a Belém. Sempre tive essa necessidade de manter laços. E depois de 20 anos é a primeira vez que trabalho com um grupo de Belém. No caso o Usina, para adaptar Dalcidio Jurandir (foto de um dos ensaios, acima).
Acho que Belém está caminhando muito bem. A Escola de Teatro está cada vez mais Paid´égua. A universidade está com o curso de artes cênicas. Os grupos estão mais estruturados. Isto tudo se deve muito a minha geração que ficou em Belém e está fazendo um belo trabalho.
O que agora deveria acontecer é que o Estado e o Município deveriam entregar os teatros para que esses grupos pudessem desenvolver seus projetos. Tipo de segunda a sexta com os grupos e nos finais de semana abrir para outras temporadas de outras produções, compartilhar.
Essa experiência aconteceu aqui (SP) e foi muito boa. Foi na gestão da Marta Suplicy. Os teatros são mais bem geridos por quem o faz. E não por funcionários públicos. O Teatro Oficina até hoje é do Estado. Limpeza, segurança e manutenção é o Estado quem banca, e a ocupação e administração é do grupo.
A experiência em São Paulo foi tão feliz, deu o start para a criação da Lei de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo e hoje dezenas de grupos têm suas sedes, inspirados nessa primeira experiência.
Veja o que o Cuíra faz. Tem sua Sede numa área degradada e está sendo peça fundamental na sua reurbanização sem com isso excluir sua população marginal. O teatro agrega.
Holofote Virtual: Pergunta inevitável. Ainda é muito difícil viver de teatro no Brasil? O que muda com as leis de incentivo? Como a tua Companhia consegue sobreviver e lançar seus trabalhos?
Paulo Faria: O ingresso não banca mais a produção. É necessário sempre patrocínio. Na década de 50 e 60 as pessoas faziam empréstimos no banco e em um mês pagavam tudo e já tinham lucro.
As leis de incentivo cumprem uma parte da produção cultural. A que está mais ligada ao show business. Em geral as que trazem retorno de imagem a quem patrocina. Essa coisa do marketing cultural. É estranho o governo delegar as empresas o direito do que vai patrocinar.
Este critério retarda o movimento artístico. Não há riscos. É necessário que o governo se responsabilize pelos patrocínios. Invista em projetos que têm outros objetivos que não o mercado. Esta experiência aconteceu aqui de forma positiva através da Lei de Fomento, que busca incentivar grupos que tenham projetos de continuidade.
Holofote Virtual: Acreditas na política dos editais?
Paulo Faria: Os editais federais também contribuem. Mas ainda são mínimos e seus valores são parcos.
É preciso mais editais em que o governo compõe comissões que vão julgar e se responsabilizar pelo investimento público (na foto acima, o espaço do Pessoal do Faroeste, em SP).
Você acredita que os espaços cultuais que carregam nomes de grandes empresas são financiados com essas leis (Rouanet)?
É desleal a concorrência. Essas empresas deveriam investir seus rendimentos (que não são poucos) em seus benefícios. Ainda assim estariam lucrando. Se nem precisar usar Leis de renúncia fiscal.
Temos uma Sede em São Paulo, e essa opção torna tudo bem mais difícil. Mas é necessário. O nosso teatro cabe no máximo 50 pessoas. Os ingressos nunca bancariam os custos. Temos necessariamente que ter patrocínios.
Em nossa bilheteria o valor do ingresso é definido pelo público “Pague quanto puder”. E por incrível que pareça o rendimento é maior. Tem gente que paga centavos e tem gente que paga 50 euros, como já aconteceu.
Holofote Virtual: A partir da tua experiência, o que representa o teatro para além dos palcos?
Paulo Faria: Teatro é um projeto maior. Exige muito comprometimento com as questões humanas, políticas e sociais. E as possibilidades de atuação são muitas. Não só o palco. Precisamos de pesquisadores, críticos, teóricos, provocadores e principalmente: platéias.
Aqui em São Paulo sou coordenador pedagógico de um projeto que artistas orientam grupos no interior. Sou responsável por 8 grupos no interior. Essa experiência amplia mais em mim as possibilidades do fazer teatral.
A pedagogia teatral é uma parte que me interessa muito. Poder refletir sobre e entender o teatro como ferramenta para várias ações de expansão da sensibilidade e inteligência humana. No mínimo um campo de expressão para todos os cidadãos.
Holofote Virtual: Em São Paulo fundaste a CIA de Teatro Pessoal do Faroeste. Conta um pouco desta trajetória...
Paulo Faria: O Pessoal do Faroeste surgiu em 98 com a montagem de Um Certo Faroeste Caboclo. Nos deram esse nome. (na foto, o espetáculo infantil Ibejis).
Pois era um grupo de jovens que decidiu montar essa peça e esbarramos com o espólio do Renato Russo que exigiu uma soma exorbitante pela adaptação. Só que era uma inspiração e, as músicas, inéditas.
Esse processo acabou na Veja e deu visibilidade a troupe que foi chamada de Pessoal do Faroeste. Ganhamos o processo ao final. Recebemos prêmios aqui.
A peça ficou três anos em cartaz. Viajamos até Manaus, passamos por Belém. De lá pra cá, já são dez montagens. E essa experiência primeira determinou o desejo da companhia por assuntos ligados a crônica e que buscasse uma identidade brasileira.
Holofote Virtual: Como recebeste o convite para o novo trabalho do Usina Contemporânea de Teatro?
Paulo Faria: No inicio do ano estava na Bahia e o Alberto Silva me ligou para fazer o convite. Adorei. Esse romance do Dalcídio está na minha cabeceira.
Tinha um projeto de adaptá-lo, de montá-lo. Mas pensava num projeto mais dramático. Porém a proposta do Usina é mergulhar na linguagem narrativa e mesclar o romance as experiências e investigações estéticas da troupe.
O romance é inspirador ao texto que será mais uma dramaturgia entre algumas que o grupo pretende mergulhar. Está sendo muito rica a experiência. Voltarei mais algumas vezes a Belém para acompanhar esse projeto.
Holofote Virtual: É difícil partir de um autor como Dalcídio Jurandir?
Paulo Faria: Na realidade acho que qualquer autor não é totalmente difícil de ser encenado, pois hoje as diversas formas de escritas e encenação permitem diversas escritas cênicas. O que é necessário é definir um rumo para o caminho.
A proposição do Usina é instigante e super tem a ver com a obra do Dalcídio. Ao contrário, esses autores paraenses deveriam ser mais adaptados, experimentados no teatro.
São obras ricas e que buscam identificar um homem do norte em seus traços universais. Assim me parece Dalcidio.
Ele é marcadamente paraense mas não é regional. Suas personagens e estrutura narrativa são muito modernas. Dalcidio, ao lado do Haroldo Maranhão, são autores que precisam ser bebidos como açaí.
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