8.12.10

O Menor Espetáculo da Terra duas vezes hoje na Casa dos Palhaços

A Casa dos Palhaços (Tv. Piedade, 533,  c/ Tiradentes)  abre as portas  hoje para sessões, às 17h e 19h, do espetáculo “O Menor Espetáculo da Terra”. O ingresso é um brinquedo novo. Abaixo, o texto de um aluno do curso de graduação em Teatro da Escola de Teatro e Dança da UFPA escrito como exercício da disciplina Clown.


Duas linguagens no mergulho da arte circense

Por Luciano Lira

“A magia e a tristeza de uma arte orgânica e viva como o teatro talvez resida em sua principal natureza - a efemeridade. É uma pena, pois, mesmo que quiséssemos manter a memória de uma encenação, uma peça filmada nunca possuiria a qualidade necessária para perpetuar sua história, pois é uma magia que acontece ao vivo entre platéia e artistas. Raramente quando é filmada continua mantendo fidelidade ao que é de fato.” (Cris Urbinatti).

No domingo (28.11.2010), pude ter mais uma dessas experiências ao decidir ver “O Menor Espetáculo da Terra” em um dos mais novos espaços de apresentação de nossa cidade, com uma linha de pesquisa e criação artística voltada diretamente para o estudo da linguagem do Clown - a Casa dos Palhaços, em Belém-Pa.

A peça é um mergulho no universo de duas linguagens, potentes por si só. Digo isto por acreditar que tanto o Clown, quanto o teatro de formas animadas, apresentam regras e especificidades próprias a sua natureza, e que em ambas as forma espetaculares é fácil reconhecer a inerente força que estas possuem de “gritar” aos olhos do espectador.

Portanto, imagino que no processo de pesquisa, experimentação e criação artística do espetáculo, o grande desafio dos idealizadores e realizadores deste trabalho foi encontrar dentro da poética do grupo, um ponto harmônico de convivência e diálogo entre as diferentes linguagens - o clown e o teatro de formas animadas.

“O Menor Espetáculo da Terra” é sobretudo a 14ª produção da Companhia Os Palhaços Trovadores. Com a dramaturgia de Cleice Maciel e Marcelo Villela, direção geral, figurino, adereço e bonecos de Aníbal Pacha (do Grupo In Bust Teatro com Bonecos, que já carrega em sua longa trajetória de 14 anos um forte trabalho de pesquisa com atores e formas animadas em cena), tem no elenco Cleice Maciel (palhaça Pipita), Isac Oliveira (palhaço Xuxo), Marcelo David (palhaço Feijão), Marcelo Villela (palhaço Tchelo) e Alessandra Nogueira (palhaça Neguinha), além de contar com a narração de um dos líderes dos Palhaços Trovadores – Marton Maués (atualmente concluindo o doutorado em artes cênicas).

A peça é uma homenagem ao universo circense e proporciona-nos uma viagem pelas histórias e sonhos dos desolados palhaços que foram abandonados pelo seu circo. Suas histórias, peripécias são norteadas por uma narrativa que por vezes apresenta os personagens palhaços, por vezes conta a história, e por outras, apenas comenta a cena que está se desenrolando. O espetáculo também conta com as canções originais de Marcos Vinícius Lopes, e as gravações e arranjos do músico violonista Ziza Padilha.

A peça se configura com figurinos composto por cores brancas, o que de certa forma pode soar diferente ao estereotipo do palhaço a que o público já está mais acostumado. Segundo a dramaturga e atriz Cleice Maciel, a escolha pela cor dos figurinos passou por um processo de discussão coletiva entre o elenco e o figurinista/cenógrafo, onde vários aspectos foram levados em consideração.

Cito por exemplo, os figurinos e objetos de cenas (malas de mão), que possuíam a cor branca, no entanto, os bonecos e a cenografia apresentavam-se extremamente coloridos. Esta escolha permitiu ao grupo o encontro harmonioso entre o palhaço e o boneco, neutralizando um pouco a figura do palhaço durante a manipulação do boneco.

Outra questão importante a ser levantada é o fato de os palhaços tirarem e colocarem o nariz (branco) por diversas vezes na frente da platéia, quebrando uma regra rígida e própria do universo clownesco, onde o palhaço jamais deve colocar ou por o seu nariz na frente de seu público.

O musico Henry Burnet e o poeta Paulo Vieira em sua canção “Palhaço”, nos dizem o seguinte em um pequeno trecho “... na entrada do meu circo há um aviso: aqui jaz o espectro de um homem. Alquebrado, fraco, mas não lhe tomem por triste, ou derrotado, é mais que isso...”.

Em “O Menor Espetáculo da Terra” o fato de o palhaço se desnudar frente a seu público retirando o seu nariz, de imediato nos revela artistas melancólicos que foram abandonadas por seu circo, num segundo momento, daquela situação aterradora e de abandono, os sonhos e anseios de cada palhaço vêem a tona em um misto de dor e comicidade, próprio do personagem palhaço, pois, só este é capaz de ser cômico em sua dor, a ponto de nos fazer rir apenas pela comicidade de seu corpo e de seu gestus, para o palhaço o sorriso é um verso sem palavra.

Quanto ao universo circense podemos dizer que em “O menor Espetáculo da Terra” todos os palhaços têm como sonho uma função que nos remete a números que fazem ou já fizeram parte dos números e esquetes que compuseram a história do circo, como: o aramista, o domador de leões, a contorcionista, o trapezista e a dançarina, lembrando que na história do circo, o palhaço é uma figura que normalmente já passou por diversas funções dentro do circo e que com o tempo, devido aos desgastes ou problemas físicos adquiridos, passam a exercer a função de palhaço.

Apesar de o espetáculo nos remeter aos sonhos e anseios daquilo que eles não foram e desejariam ser, tomo a liberdade de dizer, que em uma outra interpretação, tudo isto que eles sonham não se limita apenas ao que eles gostariam de ter sido, mas, talvez a uma lembrança do que eles já foram um dia.

Trata-se então de uma obra de grande valor estético e experimental, que a partir de sua força criadora nos deleita ao universo circense e nos transporta imperceptivelmente à criança que somos e ao passado que fica.

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